A carta que a vítima de estupro em Stanford leu para seu agressor
Com informações do BuzzFeed News
Em janeiro de 2015, uma mulher foi brutalmente estuprada por um estudante de Stanford, uma das faculdades mais famosas do mundo. Após mais de um ano do julgamento do caso, Brock Allem Turner foi considerado culpado de três acusações de abuso sexual. Ele seria condenado a um máximo de 14 anos em uma prisão estadual.
No entanto, nesta terça-feira, dia 7, Turner foi condenado a apenas seis meses de detenção em uma prisão local com liberdade condicional. O juiz afirmou temer que uma pena mais longa teria um “grave impacto” sobre Turner, um campeão de natação que pretendia competir nas Olimpíadas.
Ao saber da sentença, a vítima de Turner se dirigiu diretamente a ele e leu uma carta longa e comovente em voz alta. O depoimento da jovem relembra os horrores físicos e psicológicos pelos quais ela passou desde a noite em que estava inconsciente, atrás de uma caçamba de lixo, enquanto era violentada depois de uma festa.
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O texto foi publicado na íntegra pelo BuzzFeed News. A mulher, agora com 23 anos, disse ao site que ficou decepcionada com a sentença branda e que sentia raiva por Turner continuar negando que havia abusado sexualmente dela.
Confira um trecho da carta:
Meritíssimo, se não houver problema, eu gostaria de dirigir diretamente ao réu a maior parte desta declaração.
Você não me conhece, mas você esteve dentro de mim, e é por isso que nós estamos aqui hoje.
Era 17 de janeiro de 2015, uma noite tranquila de sábado e eu estava em casa. Meu pai fez o jantar e eu sentei à mesa com minha irmã mais nova, que estava nos visitando durante o fim de semana. Eu estava trabalhando em tempo integral e estava chegando a hora de dormir. Eu pretendia ficar em casa sozinha, assistir televisão e ler, enquanto ela iria a uma festa com os amigos. Então, eu percebi que era a minha única noite com ela, eu não tinha nada melhor para fazer e, por que não?, tinha uma festa boba a uns dez minutos da minha casa. Eu iria até lá, dançaria feito boba e deixaria minha irmã mais nova envergonhada. No caminho, eu brinquei dizendo que os garotos da faculdade usavam aparelho. Minha irmã zombou de mim porque eu parecia uma bibliotecária, usando um cardigã bege para ir a uma festa de fraternidade. Eu chamava a mim mesma de “mãezona”, porque eu sabia que eu seria a mais velha lá. Eu fiz caretas, baixei minha guarda e bebi rápido demais, esquecendo que a minha tolerância havia diminuído consideravelmente desde a faculdade.
O que eu me lembro a seguir é de perceber que estava em uma maca em um corredor. Tinha sangue coagulado e curativos nas costas das minhas mãos e no meu cotovelo. Eu pensei que talvez tivesse caído e que estava em um escritório administrativo do campus. Eu estava bastante calma e tentando imaginar onde minha irmã estaria. Um policial me explicou que eu havia sido agredida. Eu continuei calma, com a certeza de que ele estava falando com a pessoa errada. Eu não conhecia ninguém na festa. Quando finalmente me deixaram usar o banheiro, eu tirei as calças de hospital que eles me deram, fui tirar minha roupa íntima e não senti nada. Eu ainda lembro da sensação das minhas mãos tocando minha pele sem agarrar nada. Eu olhei para baixo e não havia nada. Aquele tecido fino, a única coisa entre a minha vagina e todo o resto, não estava lá. E tudo dentro de mim entrou em silêncio. Eu ainda não tenho palavras para aquela sensação. Para conseguir continuar respirando, eu pensei que talvez os policiais tivessem usado uma tesoura para cortar a peça e levá-la como prova de algo.
E então, eu senti folhas de pinheiro arranhando a parte de trás do meu pescoço e comecei a tirá-las do meu cabelo. Eu pensei que talvez as folhas de pinheiro tivessem caído de uma árvore em cima da minha cabeça. Meu cérebro estava brigando com o meu instinto para não desmaiar. Porque meu instinto estava dizendo: “socorro, socorro”.
Eu fui de sala em sala com um cobertor enrolado no meu corpo, as folhas de pinheiro deixando rastro atrás de mim. Eu deixava uma pequena pilha de folhas em cada quarto ou sala em que eu entrava. Pediram para que eu assinasse papéis que diziam “Vítima de Estupro”, e eu percebi que alguma coisa realmente tinha acontecido. Minhas roupas foram confiscadas e eu permaneci nua, enquanto as enfermeiras colocavam uma régua sobre os vários arranhões no meu corpo e os fotografavam. Nós três nos esforçamos para tirar as folhas de pinheiro do meu cabelo, seis mãos para encher um saco de papel. Para me acalmar, elas diziam que eram só a “flora e a fauna”, “flora e fauna”. Eu tive diversos cotonetes inseridos na vagina e no ânus, agulhas para injeções, comprimidos. Tive uma Nikon apontada diretamente para as minhas pernas abertas. Eu tive longos tubos pontiagudos inseridos em de mim e tive minha vagina lambuzada de tinta azul fria para procurar por escoriações.
Depois de horas disso, eles me deixaram tomar banho. Eu fiquei lá examinando meu corpo sob a água corrente e decidi: eu não quero mais meu corpo. Eu estava apavorada com ele, eu não sabia o que tinha estado dentro dele, se ele havia sido contaminado, quem havia tocado nele. Eu queria tirar meu corpo como um casaco e deixá-lo no hospital com todo o resto.