Jovem denuncia parceiro que retirou camisinha durante sexo
'Ele tentava disfarçar, mas eu percebia. Fiquei desesperada', diz vítima
“Stealthing” é um termo em inglês (“stealth” significa “oculto”) que tem sido usado cada vez mais por aqui. Embora a palavra não seja de fácil compreensão para a maioria dos brasileiros, seu significado e a prática são: trata-se da remoção da camisinha durante a relação sexual sem o consentimento do parceiro.
A jornalista Ana Carolina*, de 24 anos, foi recentemente uma das vítimas dessa prática. Há um mês, a jovem conheceu um rapaz pelo Tinder e combinou de ir ao seu apartamento.
Porém, chegando ao local, não gostou da maneira que o rapaz tentou conduzir a relação. Contra a sua vontade, ele introduziu o pênis nela sem ter colocado o preservativo. “Calma, espere um pouco mais”, ele dizia.
Ao censurá-lo, o homem enfim colocou a camisinha, mas depois retirou o preservativo pelo menos mais três vezes sem o consentimento da parceira. “Ele tentava disfarçar, mas eu percebia. Fiquei desesperada”, conta ao Catraca Livre.
A prática, muito longe de tratar de casos isolados, chegou a ser tema de uma pesquisa da advogada americana Alexandra Brodsky, que publicou o resultado de sua investigação no dia 20 de abril no jornal de gênero e direito da Universidade de Columbia (EUA).
“É terrível escrever sobre uma forma de violência de gênero pouco reconhecida e ouvir um coro de mulheres dizendo que passou por situações desse tipo”, diz a autora, no estudo. O problema, aponta ainda, acontece com mais incidência em casais heterossexuais.
Para ela, se um dos parceiros deseja ter uma relação sexual protegida, a retirada da camisinha faz com que o sexo que ocorria consensualmente passe a não ser consentido – e isso seria uma forma de violência.
O que a lei brasileira diz
Na pesquisa realizada por Brodsky, uma das vítimas diz considerar o stealthing como um “quase estupro”. Outra afirmou que é uma “violação do que tínhamos concordado”.
Nesse sentido, a autora do estudo diz que acredita ser necessária a criação de uma legislação específica para onde as vítimas da prática possam recorrer.
Para a lei brasileira, a prática não é caracterizada como estupro. Isso porque, segundo o artigo 213 do Código Penal, é crime “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
“Sendo assim, em virtude de a prática sexual ter sido autorizada pelos parceiros, o stealthing não pode ser considerado estupro”, diz a advogada Gabriela Souza, da Advocacia para Mulheres.
Consultada pelo Catraca Livre, Souza faz algumas recomendações para as mulheres que sofrerem esse tipo de abuso. Inicialmente, ela recomenda que a vítima compareça a um hospital para receber um coquetel anti-DSTs. É importante que a mulher também realize exames clínicos e faça teste de gravidez.
Já no âmbito da lei, a advogada sugere que as mulheres que desejarem denunciar o ocorrido registrem um boletim de ocorrência para iniciar um processo criminal contra seu agressor.
É o que ocorreu com Ana Carolina*. Após ser vítima de stealthing, ela decidiu prestar queixa numa delegacia de Polícia Civil em São Paulo. Mas, ao conversar com o delegado e o médico do local, acabou se sentindo desestimulada a prosseguir com a denúncia.
Em razão de casos como este, Souza recomenda que a denúncia seja feita em uma Delegacia da Mulher e, de preferência, que a vítima esteja acompanha de alguém que possa apoiá-la.
“Infelizmente, a realidade de atendimento policial ainda é muito opressiva à mulher. Ela pode ser desaconselhada e colocada em situações vexatórias”, diz.
Ainda assim, ela aconselha que a mulher que queira levar adiante a denúncia o faça imediatamente, pois em alguns casos pode ser necessário o exame de corpo de delito.
Alternativas legais
Embora a prática do stealthing ainda seja pouco reconhecida como violência sexual e não seja caracterizada como estupro pela lei, a vítima pode recorrer a alternativas legais.
Souza cita, por exemplo, os artigos 130 (perigo de contato venéreo) do Código Penal, o 131, que diz ser crime “praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio” e o 215, que aponta ser criminoso “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima”.
“É importante que a mulher que for realizar a denúncia na delegacia já esteja consciente desses crimes, para a tipificação da conduta do parceiro desleal”, diz a advogada.
Ainda existe a possibilidade da responsabilização civil deste ato por problemas como uma gravidez indesejada ou aborto, a necessidade de custeio de tratamento médico e efeitos de abalo moral sofrido.
Vítima de abuso após conhecer um rapaz pelo Tinder, Ana Carolina* correu para fazer exames após ter transado sem proteção para checar se estava tudo bem com a saúde. Por sorte, estava. “Mas foi muito humilhante o que aconteceu”, conclui.
*O nome foi alterado para proteger a identidade da vítima.
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