“Nada a Temer”: ilustradores usam humor e sarcasmo em crítica ao atual cenário político brasileiro

Inspirados pelo movimento #NadaATemer, ação coletiva convida artistas urbanos, ilustradores e desenhistas em campanha contra a manobra política em curso no Brasil

Em 21 anos de ditadura militar, o Brasil, à sombra da tortura, desaparecimento e morte, viu nascer expressões artísticas inspiradas na violação.

Na marginalidade de Hélio Oiticica ou nas composições de Julinho da Adelaide, um vasto acervo de músicas, peças teatrais , dramaturgias, ilustrações, poesias retratavam ao mundo os horrores dos anos de chumbo.

Cinquenta e dois anos depois, o Brasil não vive uma ditadura anunciada, embora viva nas chacinas das periferias, no feminicídio da rotina, homotransfobia dos jornais. Assiste incrédulo e condescendente a mais uma manobra política que marca o histórico de um país que, nos últimos 90 anos, testemunhou apenas cinco gestões presidenciais completas.

Fernanda Oliver

Num cenário de exceção, restrição e cerceamento, um grupo de artistas, encabeçado pelos paulistas Edson Ikê e Marcelo D’salete, idealizou uma uma ação coletiva contra os recentes retrocessos sociais e políticos anunciados desde a posse do presidente interino, Michel Temer (PMDB-SP).

Em mãos armas lúdicas e ilustrativas: traços , ideias, rabiscos e retratos do que eles chamam de golpe de estado.

Não estão sozinhos. São vários e são muitos: mulheres, homens de diferentes cantos e berços, cujos propósitos se encontram em uma série de denúncias artísticas que questionam o atual estado de exceção.

Assim surgiu a página “Nada A Temer“, que se apresenta como “Uma resposta humorada e sarcástica ao golpe , arte como expressão e resistência contra a barbárie em curso no Brasil “

Confira a ideia que o Catraca Livre trocou com Ikê e D’Salete sobre o projeto colaborativo:

Levando em conta o papel da arte como expressão e resistência, a exemplo do graffiti ou pichação, como surgiu a ideia de criar a página?

Inicialmente pensei em povoar a internet, as redes sociais, com ratazanas em alusão ao novo governo ilegítimo de Temer. Conversei com o ilustrador e quadrinista Marcelo D’ Salete e chamei alguns amigos e falei da ideia, no decorrer os ilustradores e ilustradoras foram contribuindo com novas ideias e fortalecer a #nadaatemer que já existia.

Acredito que a resistência tem que se dá por vários meios, e não é de hoje que existe arte contra a ignorância, na ditadura militar Henfil, Jaguar, Millor, entre outros, questionava e usava a arte como meio de discussão de ideias. Seria muito legal que esta indignação ocupasse a rua com graffiti, pichação, comunicação de guerrilha…

Como tem sido a participação dos artistas? Tem uma ideia de quantos autores já colaboraram ?  Quem são os colaboradores?

Edson Ikê e Marcelo: Não cheguei a contar, mas posso cita alguns: Taline Schubach, Alexandre de Maio, Janaina WH, Fernanda Oliver, Talita Rocha, Fernanda Ozilak, Rayra Costa, Daniel Bueno, Marcelo D’Salete, Vicente Mendonça, Robinho Santana, Andre Ducci, Laerte Coutinho, Pato, Kiko Dinucci, Al Stefano, Geuvar, Bruno Will, Adriano Araujo Panda, Angelo Arede, Fabiana Shizue, Daniel Esteves e João Ricardo…

Qual o papel das redes sociais em um momento de mobilização social tão propício – levando em conta a ideia de unir diferentes colaboradores de todos os cantos e levar a mensagem mundialmente?

Edson Ikê | Nós somos a mídia! Temos que acreditar que podemos comunicar de outra forma, e a internet é o canal de informação contra hegemônica e neste momento é necessário pensar formas inteligentes e diferentes pra atingir as pessoas e dizer do absurdo que é o golpe que estamos vivendo, dizer o prejuízo que será este governo na democracia brasileira, o retrocesso que será a volta das privatizações, cortes em áreas sociais, educação, cultura… o retrocesso da bancada evangélica.

Marcelo: é preciso mostrar que estamos contra o golpe. Não apoiamos esse ato criminoso das elites. A imagem, pela forma direta que atinge o público, é um instrumento poderoso nesse contexto. E vale dizer que diversos artistas estão fazendo isso há tempos e de modo bem contundente, como o Kiko Dinucci.

O que representa a queda do governo Dilma para você ?

Edson Ikê:  Não sou militante petista e questiono muito os acordos e políticas adotadas no governo do PT, mas não tenho dúvida que o governo ilegítimo de Temer é o retrocesso para as conquistas sociais que o governo Lula e Dilma promoveram no país, e é nítido a campanha de desmonte do PT, da criminalização dos movimentos sociais, da sinalização do avanço do que é de mais atrasado e retrógado na política brasileira, é um retorno ao uma nova colonização, ao um neoliberalismo mais selvagem e quem vai pagar são os trabalhadores.

Marcelo: sim, além disso, é uma perda enorme para todos os grupos organizados negros, quilombolas, indígenas, de mulheres, LGBTs etc. As pautas que já eram difíceis antes incluir, agora são praticamente ignoradas. A luta contra o racismo e outras formas de discriminação é a luta por uma democracia de fato no Brasil.

Se a democracia está ameaçada, todas essas lutas são afetadas. Lutar pela democracia é lutar contra o racismo e outras formas de opressão. Vale lembrar, um dia depois do golpe, o Alckmin em SP fez diversas desocupações forçadas nas escolas estaduais, sem mandado judicial. Estamos caminhando para um Estado de repressão ainda maior. Isso é preocupante também para as artes em geral, basta ver a tentativa de corte do minc e a ofensiva obscurantista de criminalizar artistas.”

Confira outros trabalhos divulgados pelos artistas: