‘Os brasileiros torcem muito por nós’, afirma refugiada síria
Ghazal Baranbo e o marido, Talal Al-tinawi, fizeram uma "vaquinha virtual" e conseguiram abrir um restaurante de comida árabe em São Paulo
As portas do restaurante Talal – Culinária Síria estão abertas dia e noite, de terça a domingo, em uma rua pequena e tranquila no Brooklin, zona sul de São Paulo.
Dentro, os clientes podem sentir um pouco da cultura e da gastronomia árabe pelo aroma da comida e a decoração, composta por toalhas bordadas, quadros e produtos importados. O local é administrado por Talal Al-tinawi e Ghazal Baranbo, um casal que fugiu da guerra da Síria e pediu refúgio no Brasil em dezembro de 2013.
Quando chegaram à capital paulista, os sírios viram que não seria fácil conseguir emprego. Por isso, para sustentar os três filhos, um menino e uma menina de 15 e 12 anos, nascidos na Síria, e a terceira, de 3 anos, nascida no Brasil, eles decidiram começar a vender comida árabe por encomenda.
No início, a produção era feita no apartamento em que viviam no Brás, região central. Mas, após a mobilização das pessoas por meio de uma “vaquinha virtual”, o estabelecimento pôde ser alugado e inaugurado.
Hoje, Ghazal passa horas na cozinha preparando as receitas, enquanto a filha bebê, chamada Sara, fica sentada no balcão ao lado observando a mãe.
Além de atuarem juntos no preparo dos alimentos e na administração do local, ela e o marido também participam de muitos eventos de gastronomia para divulgar o trabalho da família. Os dois filhos mais velhos ajudam no caixa e na recepção dos clientes.
A vida em Damasco
Antes da guerra, a vida da família era bastante confortável. Talal, de 44 anos, trabalhava como engenheiro mecânico, tinha escritório, lojas em que vendia roupas, imóvel próprio e carro. Já Ghazal, de 32 anos, era dona de casa e cuidava dos filhos, Riad e Yara, que ainda eram pequenos.
No entanto, quando o conflito teve início, o país ficou muito perigoso. Talal foi preso por engano e permaneceu detido durante três meses e meio. O governo sírio queria prender outro homem com o mesmo nome e sobrenome.
“Quando meu marido saiu da prisão, fomos para o Líbano por 10 meses e depois viemos para o Brasil, porque só aqui tem portas abertas para sírios. Nós chegamos a procurar outros países, como Suécia, Canadá e Alemanha, mas todos queriam visto”, relata Ghazal.
Toda a família da cozinheira ficou em Damasco. Hoje, seu contato com a mãe, o pai, os três irmãos e as três irmãs é feito pelo WhatsApp. Eles não se veem desde que Ghazal fugiu com o marido e as crianças, mas ela pretende visitar sua cidade natal no fim deste ano, se tudo correr como previsto.
Em busca de refúgio
O processo para a família solicitar refúgio no Brasil foi rápido e sem grandes dificuldades. Porém, os primeiros meses em São Paulo acabaram sendo mais complicados, de acordo com a síria.
“Não conhecia as pessoas, não sabia a língua e fiz aula do idioma três meses em uma mesquita. Depois, fiquei grávida e não tive mais tempo. Mas conheci muitas amigas brasileiras e fui aprendendo pelo contato com elas e os clientes”, diz.
Já a adaptação dos filhos foi fácil, pois chegaram ainda pequenos, aprenderam o português, estudaram em uma escola pública no Brás e hoje estão matriculadas em um colégio particular, localizado no Brooklin, com bolsa integral até se formarem no ensino médio.
No início, Talal procurou trabalho como engenheiro, mas não conseguiu. Em seguida, decidiu alugar uma loja no Brás para vender roupas, emprego que durou três meses, até ele começar em uma empresa em sua área, com um salário baixo, mas o local fechou em 10 meses. Foi nessa época que surgiu a ideia de vender encomendas de pratos árabes.
Em 2015, Ghazal e Talal cozinhavam os pedidos dentro de casa e vendiam pela internet ou em bazares da Adus e outras instituições. Uma voluntária que conhecia o sírio, então, sugeriu lançar a “vaquinha on-line” para investir no negócio, que arrecadou R$ 6.000 em 40 dias.
Felizmente, a partir da divulgação na mídia e do engajamento das pessoas, o valor atingiu R$ 60 mil, tornando possível o sonho de abrir o restaurante Talal – Culinária Síria.
O dinheiro inicial para comprar o básico acabou rápido. Desde a inauguração, a família trabalha todos os dias, inclusive em feriados, para manter o estabelecimento.
“Agora temos uma funcionária para o salão, outra para lavar louça e uma terceira para fazer as comidas, mas ela só me ajuda, não tempera nada. Eu que tempero as receitas e cozinho o principal”, explica a refugiada.
O amor pela culinária árabe é algo que está no sangue de Talal e Ghazal. Os dois sempre gostaram de ficar na cozinha com suas mães e aprenderam desde cedo os truques e temperos. Eles também dão aulas de algumas receitas mais procuradas e participam de eventos e bazares com frequência.
Vínculos e perspectivas
De acordo com Ghazal, seu tempo livre praticamente não existe. “É muito difícil trabalhar e cuidar dos filhos ao mesmo tempo”, afirma.
Em todos esses anos no Brasil, conseguiu fazer algumas viagens, como para o Rio de Janeiro e Curitiba, mas seu lugar preferido é Bombinhas, em Santa Catarina. Em São Paulo, a cozinheira conhece o Parque Ibirapuera e o shopping Morumbi, que ficam mais perto de onde mora.
Na capital paulista, ela acabou criando vínculos de amizade com mulheres que conheceu nas festas das ONGs. No Natal e no Ano Novo dos três últimos anos, a família passou as celebrações na casa de outros brasileiros. “Gosto muito dos brasileiros. Eles torcem muito por nós, para a gente crescer”, completa.
Essa relação de proximidade entre homens e mulheres é algo novo para a cozinheira. Na Síria, mulheres não falam com homens, e vice-versa. Aqui, não pode haver troca de contato físico ou sorriso, mas ela conta que conversa tranquilamente com pessoas de outro sexo, e seu marido também.
O sonho do casal é abrir outro restaurante, em um lugar menor, mas localizado em um bairro com mais movimento, como Pinheiros.
A ideia é vender poucos pratos, como sanduíche de kafta e falafel, e manter o estabelecimento no Brooklin, pois é maior e tem uma cozinha grande para fazer os alimentos. “Ainda não temos dinheiro, mas gostaríamos de realizar esse sonho.”
Sobre voltar algum dia a viver na Síria, Ghazal tem a certeza de que isso não é o melhor para seus filhos. “Só vamos visitar. Lá não tem trabalho, está caro e meu marido corre muito perigo”, finaliza.
- Serviço:
Talal – Culinária Síria
Endereço: Rua das Margaridas, 59 – Brooklin
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