‘Fragmentado’ é thriller que fragmenta gêneros cinematográficos

Novo filme de M. Night Shyamalan é um thriller com excelentes interpretações e que manipula a expectativa do público ao invés de seguir as fórmulas seguras.

O diretor de filmes como “O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado” M. Night Shyamalan é conhecido por seus “filmes com segredo”, aqueles com uma revelação bombástica que faz você entender o longa inteiro de forma diferente depois. “Fragmentado”, que estreia nos cinemas neste dia 23, também tem um segredo, mas não é exatamente narrativo. Para evitar qualquer spoiler, saiba apenas que o segredo é sobre o tipo de filme que você está assistindo.

O longa apresenta três adolescentes raptadas por um homem que sofre de um distúrbio de personalidade múltipla chamado Kevin Wendell, interpretado de forma incrível por James McAvoy (conhecido por ser o Professor Xavier nos filmes de “X-Men”). As atrizes também fazem um trabalho incrível, com destaque para Anya Taylor-Joy (de “A Bruxa”) como uma garota também com um passado perturbador, e Betty Buckley vivendo uma psicóloga que teoriza que o distúrbio de Kevin é mais profundo do que parece.

É assustador ver a interação dessas personalidades, 23 no total. Desde uma senhora religiosa, a um homem obcecado com limpeza e um garoto de 9 anos. A atuação de McAvoy é particularmente surpreendente em momentos em que ele interpreta uma personalidade interpretando ser outra! Além de como ele consegue se tornar uma pessoa diferente apenas mudando o corpo, os trejeitos, termos e expressão facial, já que o filme é bem econômico em efeitos visuais.

Cena de “Fragmentado”

Fragmentando gêneros cinematográficos

A pesquisa para compor o personagem de Kevin também foi muito fundamentada na realidade. “99% do que você vê no personagem é real em pacientes com o distúrbio de personalidade múltipla,” o diretor disse em um encontro com jornalistas em São Paulo. Uma recriação de pessoas que possuem mais de uma pessoa dentro de si, quase em sua totalidade após abusos e traumas fortes na infância.

“Fragmentado” navega por gêneros diferentes. Começa como um “torture porn” ao estilo “O Albergue” e “Jogos Mortais”, migra para um thriller psicológico com muito em comum com “Rua Cloverfield, 10” e, ao final, você descobre que era outro tipo de filme completamente. O que faz valer assistir novamente depois o longa sob esse filtro, depois que ele já brincou com suas expectativas.

M. Night Shyamalan é um cineasta que pode acertar bonito ou errar feio, mas é de se respeitar que até mesmo os seus piores filmes são pelo menos criativos. E isso é extremamente bem-vindo em uma Hollywood obcecada em fazer remakes e reboots para “levar a experiência a uma nova geração”, como diz o marquetês. Você pode não gostar de um filme de Shyamalan, mas dificilmente você assistiu algo muito parecido antes.

Cena de “Fragmentado”

Uma “não-continuação”

“Fragmentado”, ao contrário, é uma espécie de “não-continuação”, que esconde ou no mínimo mantém discreta a sua relação com filmes anteriores do diretor, dando indícios de um universo expandido. Shyamalan também sempre gostou de criar uma mitologia própria em seus filmes, e faz o mesmo em seu novo longa, mas com um sobrenatural muito mais sugerido do que escrachado.

A economia de recursos, sendo que a maior parte do filme se passa em um porão fechado, pode ser justificada em parte pelo orçamento de 9 milhões, enxuto para os padrões de grandes produções. Mas as atuações são tão boas e o diretor faz um uso tão criativo dos recursos que o filme nunca parece barato. Como todo bom cineasta, Shyamalan fez do seu orçamento a sua estética. “Eu acho muito mais assustador estar em um quarto claustrofóbico sem saber o que tem fora dele do que gastar milhões fazendo um monstro de computação gráfica,” definiu o diretor.

O tom sombrio de Shyamalan está mais atual do que nunca em 2017. É impressionante como ele consegue lidar com temas como abuso sexual infantil, canibalismo e rapto de adolescentes de uma forma madura e sem exploração barata dos temas. “Fragmentado” é um excelente thriller, que manipula a expectativa do público ao invés de seguir as fórmulas seguras de como contar uma história cada vez mais usadas e reusadas pelos estúdios. Vale ser visto e revisto.

https://www.youtube.com/watch?v=CWixUrbq6y8