Piauí: mãe de criança trans pede veto de prefeito à lei que proíbe debate de gênero em escolas municipais

Por: Camila Hungria

‘Meu nome é Amanda Vitoria de Oliveira Pitta, tenho 37 anos, sou autônoma e mãe de Victoria, Sophia e Paty. Esta última, a mais nova, nasceu biologicamente menino e é uma criança trans. A Paty desde os primeiros meses já mostrava ser diferente, sempre preferiu o universo feminino. Com apenas um ano e meio Paty deu seu recado para a família: “eu era uma menina ai veio uma fadinha e me transformou em um menino”‘

Este é o trecho inicial da carta enviada ao prefeito da cidade onde mora, Teresina (PI), Firmino Filho. Na carta, Amanda, que é mãe de uma criança trans, pede ao prefeito que vete um projeto de lei, aprovado pela bancada religiosa da Câmara Municipal de Teresina, que proíbe o debate de gênero nas escolas municipais do local.

“O senhor já parou para pensar que crianças também sofrem homofobia e transfobia? Com discussões tão avançadas sobre o tema, por que sancionar essa lei que atrasa o desenvolvimento da sociedade? Pois não falar no assunto não vai fazer as Patys, as Lauras, as Milenas e os Vitos desaparecerem da sociedade”, escreveu na carta.

No relato, Amanda narra o desafio que foi para a família entender e acolher Paty, mas também o desafio que estão enfrentando para encontrar uma escola onde a menina também seja acolhida e aceita como é:

‘No momento estamos enfrentando a segunda batalha, em relação a escola. Paty foi matriculada na escola ainda um menino, quando começamos a fazer a transição foi difícil para os adultos entenderem, enquanto as crianças aceitaram a novidade normalmente… A escola que a Paty estudava não conseguiu trabalhar de uma forma que ela se sentisse confortável, então resolvi mudá-la para um nova escola, onde ninguém a conhecesse e ela pudesse recomeçar, com a identidade feminina que ela tanto desejou.  Nenhuma das escolas que eu visitei (e podia pagar) me acolheu. Uma chegou a me pedir um laudo psiquiátrico alegando a ‘doença’ da minha filha; em outra as vagas desapareciam ou eram marcadas reuniões que nunca aconteciam. Estava claro que ninguém sabia lidar com o assunto… Foi um ano muito difícil, minha filha foi muito infeliz naquela escola. Em alguns dias, ela dormia antes da aula, outras vezes durante a aula ou se machucava de propósito para não ir à escola, além de chorar e dizer que todos riam dela’

Amanda procurou o Ministério Público de Teresina, que a orientou a matricular a filha em uma escola pública municipal, o CEI Presidente Médici, que é uma escola inclusiva. “Outra grande vitória foi quando o material didático da Paty veio com seu nome social”, disse.

Entidades apoiam o pedido de veto

Hoje (31/04),  entidades ligadas à defesa dos direitos humanos, da mulher e da comunidade LGBT se reuniram para discutir ações para evitar que o projeto de lei contra a discussão sobre gênero nas escolas da rede municipal.

De acordo com reportagem do portal O Dia, as comissões internas do Ministério Público Estadual, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública relacionadas às questões de gênero vão elaborar uma recomendação a ser enviada para o prefeito Firmino Filho, sugerindo o veto ao projeto.

“Esse projeto afasta o conhecimento das escolas, e faz isso de forma discriminatória, vilipendiando os direitos humanos e estimulando o preconceito”, afirma a promotora de direitos humanos e cidadania, Myriam Lago.

Debate de gênero nas escolas

A discussão do gênero e da sexualidade na educação básica é muito importante, pois é um caminho possível para desconstruir preconceitos cristalizados desde a infância que, no futuro, se manifestam em uma sociedade machista, transfóbica e homofóbica.

O Portal Aprendiz listou 7 razões para discutir o tema na escola, desde cedo:

  1. Gênero, sexualidade e identidade de gênero não são criações ideológicas. Eles existem;
  2. Violência contra a mulher está generalizada na sociedade. E na escola também;
  3. O mesmo se dá com a violência homo/lesbo/transfóbica;
  4. Violência de gênero e preconceito causam evasão escolar;
  5. Não discutir gênero vai contra diversos tratados internacionais ;assinados pelo Brasil;
  6. O machismo impacta o aprendizado e a auto-percepção de meninos e meninas;
  7. Preconceito não tem nada a ver com religião. Você é que está sendo intolerante.

Ainda assim, a inclusão do debate de gênero nos currículos das escolas divide opiniões em todo o Brasil. Em agosto do ano passado, por exemplo, a Câmara de São Paulo aprovou o texto do Plano Municipal de Educação de São Paulo (PME) excluindo todas as menções aos termos “gênero” e “diversidade sexual”.

Como disse Amanda em sua carta, a questão de gênero é uma realidade na rede pública Municipal. “Onde fica a orientação do MEC para trabalhar com temas transversais? O que será das outras crianças como a Paty? Como a administração municipal pretende fazer a inclusão nestes casos?”, perguntas importantes feitas por Amanda, que ainda esperam por uma resposta concreta da sociedade e do poder público.

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Com informações de Portal O Dia.