Famílias aderem à economia colaborativa e ensinam valores comunitários às crianças
Por Carolina Delboni
O que antes se limitava às caronas em porta de escola e troca de roupas entre famílias, expandiu. Dentro do princípio da economia colaborativa, onde o compartilhamento é a base de tudo, pais e mães têm se ajudado cada vez mais. Por um sentido em comum, isso já acontece intuitivamente. Algo da natureza humana. De reconhecer no outro suas necessidades e dificuldades, e se solidarizar. Mas o universo ampliou e a consciência de mundo está fazendo com que muitas famílias repensem sua forma de educar os filhos e revejam os nortes que querem pra vida. Porque continuar vivendo da forma que estamos já não se sustenta mais. Devemos consumir menos, reciclar mais, reutilizar mais e trocar mais. É a sustentabilidade do planeta, da vida, e do ser humano. Um novo modelo de negócio, se assim podemos chamar.
Na economia colaborativa familiar, você pode compartilhar os serviços da babá, , as compras do supermercado, o lazer com os filhos, viagens, serviços e o que mais você achar que vale dividir com o outro. É a troca de experiências e vivências. Que começa nas redes sociais e nos grupos de mães que pipocam na internet. São inúmeros os grupos no Facebook, por exemplo. Todos partem do pressuposto que trocar informação, conselhos e se ajudar é o melhor caminho para ser mãe. No ‘Filhote pra Filhote’, muitas mães que se conhecem apenas virtualmente solicitam ajuda umas das outras para ficar com o filho num determinado período, por exemplo. Ou seja, não tenho babá e não posso contar com um familiar neste momento. O que eu faço? Conto com a ajuda de outra mãe ou de outra família amiga. São as “famílias amigas”, como eles mesmos denominam em comunidade. Daí você deve estar se perguntando “Mas como assim, deixar um filho com alguém que você nem conhece???”. Pois bem, aqui vai mais um princípio da economia colaborativa: confiar nos seres humanos e resgatar sua crença na humanidade. Sim! Existem pessoas boas e honestas neste mundo. Que querem apenas ajudar. Poder dar aquilo que têm ao outro, sem querer nada em troca. Vale a máxima do prover acesso e não ter posse.
“Podemos contar uns com os outros, o que nos deixa tranquilos se precisamos deixar os filhos aos cuidados de alguém”, fala Mônica Sewald, sócia proprietária da Caldo de Mãe e mãe de uma menina. “Poder ter confiança nas pessoas deixa a vida mais fácil”, diz Rodrigo Rosa, revisor de livros e pai de um menino. Ele e a mulher montaram uma creche parental dentro da própria casa, que é compartilhada com mais quatro famílias. Isso porque tiveram inúmeras vivências em comunidade no ano passado, como bioconstrução e permacultura, e ficaram com vontade de passar pela experiência de compartilhar moradia para um bem comum. “Há uma convivência diária de segunda a sexta entre todos, e a principal colaboração entre nós é o cuidado com as crianças, todas na faixa de 1 a quase 2 anos. É um cuidado diferenciado, no qual todos são pais e mães”, conta Rodrigo. Em paralelo, consequentemente, as outras famílias ajudam a dele em relação às necessidades da casa, como limpeza e manutenção, por exemplo. Todos fazem mutirões para cuidar do terreno, onde há plantações. “No mais, trocamos e doamos entre nós objetos, utensílios, roupas, máquinas, tempo, conhecimento e carinho. Tentamos sempre nos ajudar facilitando o dia a dia do outro”.
O mesmo acontece com a família da massagista autônoma Alessandra Fleming, que tem uma agenda totalmente flexível, de acordo com seus pacientes. Os filhos ficam na escola durante a tarde. Mas, quando o período escolar acaba, voltam pra casa pra esperar o horário das atividades extras. Dois colegas da escola voltam junto com seus filhos pra casa dela e esperam ali a próxima atividade. A empregada leva, uma outra mãe pega e deixa as crianças em casa. Outra mãe é professora de yoga e viaja muito pra cursos. Alessandra fica com os filhos dela no tempo em que está fora. Em troca, essa mãe oferece aulas de yoga aos filhos de Alessandra, que também faz massagem nela. “Além de poupar as viagens de ‘paistoristas’, estamos sempre atentos aos nossos filhos e aos dos amigos”, fala Alessandra. “Eles ficam menos com motoristas e babás, estudam juntos e ainda aprendem a viver em comunidade”. Uma via de mão dupla que não tem obrigação como forma de cobrança. Tem carinho, tem troca, tem ajuda. Sem vantagens.
A colaboração é espontânea e casual. “Acredito que experiências de colaboração fundamentadas em questões de vantagens não valem a pena, viram um mero toma lá dá cá”, pontua Rodrigo Rosa. Não se pode esperar retorno a algo que se dá, que se doa. O retorno vem naturalmente, flui. “A questão da vantagem pertence ao que já existe há séculos: negócios, transações, comércio, relações de poder. A velha economia, não a economia colaborativa”, como entende ele. “Na minha opinião, nada disso deu certo. Por isso buscamos alternativas fundamentadas em outros paradigmas. A colaboração tem valor, não preço.” Bingo! A economia colaborativa familiar, ou seja lá qual for, tem valor humano e social, e não monetário.
E as crianças, como lidam ou se relacionam nesse meio? Como toda criança: com a maior naturalidade possível. Crescer num ambiente compartilhado, onde a troca existe de forma natural e inerente ao dia a dia, é um ganho enorme de socialização e educação. Crianças dividem, além de brinquedos, espaço, comida, babá, colo, atividades, carinho, atenção, passeios, cama, quarto e até viagens. Não há posses. Convivem de certa forma com a energia da frase “o que é meu é nosso”. Os filhos da Alessandra adoram, porque a casa está sempre cheia de amigos e ficam felizes em ajudar. “Somos uma família de amigos”, define a mãe. Onde todos ganham. As crianças são mais confiantes e tranquilas. O pensamento não fica apenas nelas e na sua família, mas em todos ao redor. “Ela entende que, para que o mundo funcione, precisamos da colaboração de todos. Acredito que serão indivíduos menos egoístas”, fala Mônica. Perceber o outro e ajudar sempre são valores que, com certeza, levarão pra vida adulta e em sociedade. Como parte dela e não como centro dela. Porque gentileza gera gentileza.
Carolina Delboni é jornalista e consultora em comportamento e tendência infantil. Toca a agência Small+ e tem uma coluna no blog do Estadão sobre crianças. Também escreve pra Vogue Kids, onde começou a trabalhar no jornalismo há mais de 15 anos. Carolina já passou pelas redações da Vogue, Folha de São Paulo, o Chic e o SPFW. Teve uma temporada de 5 anos como dona de confecção infantil e depois que vendeu se especializou no segmento.