Existe moda na infância?
Por Carolina Delboni
Ou dá para falar de moda dentro do universo infantil? Deveríamos relacionar moda com criança ou deveríamos apenas vender roupa para crianças vestirem? O título é uma provocação necessária para que se possa olhar o que é moda infantil hoje e pensar como construir o futuro. Porque moda e infância não deveriam estar no mesmo pacote.
A indústria da moda infantil funciona como a do adulto. É cíclica, tem suas tendências e sazonalidade e precisa de lançamentos constantes para se manter viva no mercado de varejo. Porque antes de ser infantil, é moda e também tem que funcionar dentro da engrenagem do mercado. Somado a isso, uma parcela do mercado enxerga e lê a criança como voz ativa de consumo e deposita nessa figurinha os anseios da compra. Tanto é que muitas vendedoras são treinadas para perguntar à criança o que ela quer e o que ela achou do produto. Quase que uma afronta à infância, visto que o papel de escolha e decisão é dos pais. A criança vai aprender, ao longo dessa fase, pela observação e ensinamentos dos pais. É a partir daí que ela vai criar parâmetros e referencias do que deve ou não deve para poder escolher.
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O desafio é fazer com que esse mercado gire de forma rentável e que respeite premissas básicas da infância. Por enquanto, como forma de se renovar e poder justificar a compra constante dos pais, algumas marcas vendem moda em seu portfolio. Produzem coleções com apelos usando artifícios do universo adulto, como uma escolha de cartela de cores, modelagens, estampas e até temas. Faz sentido? Faz sentido vender moda para uma criança? Certamente não. Paga-se um preço alto envolvendo a criança na roda da moda para justificar o crescimento da empresa no mercado. Basta observar as redes sociais de crianças ou os concursos de mini misses que crescem mundo afora, inclusive dentro do Brasil. Matérias fazem chamadas perigosas como “siga as 10 mini fashionista mais estilosas” ou “as 10 minifashionistas para seguir no Instagram”. Jura mesmo que isso é uma referencia positiva na infância? Usar roupas de marcas, saber o que é uma grife ou o que é tendência. Obviamente criança deveria se preocupar com o brincar e nunca com o que ela vai vestir. Quando esse peso inverte é sinal de que a aparência tomou um lugar de destaque e importância além do que seria esperado. Culpa da moda? Um conjunto de fatores leva a isso.
Conversas como “escola não é lugar de desfile de moda”, “essa roupa não é adequada para esse ambiente ou sua idade”, “você não precisa de nada, seu tênis ainda serve” são muito importantes. É o que ressalta a médica ginecologista Diana Vanni. “Isso passa por um processo de desconstrução da importância da estética e do consumo”.
“Vejo de forma ainda mais assustada a erotização das roupas infantis. Não, as meninas não menstruam mais cedo ou transam mais cedo porque elas usam roupas de oncinha. É muito mais grave do que isso”, fala a ginecologista. “Elas aprendem a valorizar nelas mesmas apenas a imagem, o físico. O gosto pela moda é ensinado desde cedo, faz parte da construção do gênero feminino. Só que elas não compram essas roupas sozinhas, e elas só são vendidas porque existe um mercado. E nós pais somos esse mercado”, pontua.
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O estudo “A Voz das Crianças “realizado pela empresa Officina Sophia, mostra em números e estatísticas que as crianças estão cada dia mais questionando, querendo saber mais. Estudos como este apontam novos caminhos para empresas de diferentes setores. A moda pode ser uma importante ferramenta para ajudar a ilustrar essa voz. Fazer roupa pensando na criança do futuro, nos valores que ela carrega e no desejo que ela tem para o mundo. Certamente teríamos coleções mais perenes e mais fortes. Que usassem uma quantidade maior de tecidos orgânicos e recicláveis em suas produções; que se preocupassem com a qualidade e a origem das tintas que usam nas estampas; que não usassem trabalho infantil e escravo; que talvez pudessem contar em etiquetas ou tags a história daquela peça, qual o nome da costureira que fez por exemplo. Humanizar a indústria de moda para a criança. Como ela humaniza o mundo ao seu redor.
Afinal, desde que o mundo é mundo, a roupa é uma ferramenta de comunicação. Seres “amódicos” simplesmente não existem. O problema é quando o motor dessa expressão é o consumo inconsciente. E como pais e consumidores não podemos nos esquivar do papel fundamental de ensinar aos nossos filhos a forma correta de usar mais essa linguagem. Na pré-adolescência e adolescência então a dificuldade é enorme.
“Acho importante também eles terem referências de cenários como os descritos no filme The Real Cost. Que eles entendam que na base de pirâmide dessas 55 camisetas de personagens desnecessárias que eles têm existe o trabalho de crianças como eles. Que não existe mágica, e que se na nossa época tínhamos apenas uma roupa de sair e eles têm muitas, certamente isso não sai de graça, tem um preço social e ambiental que optamos por não enxergar”, completa a médica Diana.
“Pessoas, planeta e lucro”, o tripé da economia sustentável que desenvolveu e defende o sociólogo e acadêmico inglês John Elkington, autoridade em economia sustentável dentro de grandes empresas. Em entrevista recente à revista da faculdade ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, John fala do desafio em substituir o crescimento econômico linear pelo crescimento circular. Ou seja, menos o consumo pelo consumo e mais um consumo consciente que devolve algo de onde foi retirado. Preocupação com o clico inteiro. É a economia verde que se fala há bons anos. Utopia? Pode parecer, mas não se constrói um mundo que não se idealiza. Está aqui um começo, certamente, de onde a moda pode partir para criar.