‘Precisamos conquistar nosso espaço como mães, não podemos nos anular por medo de perder o emprego’
Cinthia Dalpino, criadora do “Mãe at Work”.[/img]
O esquema não deu mais certo quando Janaina, a cuidadora que Cinthia contratou para ficar com Eva decidiu deixar o emprego. Os filhos de Janaina ficavam na creche em tempo integral e ela tinha decidido parar de trabalhar para poder cuidar deles.
Com um ano, Eva teve que ir à escola, mas Cinthia não conseguiu se adaptar e deixar a pequena na escola o dia todo. Foi então que ela tomou a decisão de largar tudo, abriu mão da carreira para cuidar da filha e entrou de cabeça na maternidade. Neste mergulho, engravidou novamente e nasceu a Aurora.
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A jornalista fez uma pesquisa e constatou que 90% das mulheres estavam incompletas com as escolhas que fizeram. “As que trabalhavam estavam em conflito porque terceirizavam o cuidado com a criança integralmente. As que estavam em casa também sentiam vontade de voltar ao trabalho, mas não viam oportunidades”. Muitas acabavam empreendendo, abrindo pequenos negócios para ter o tal tempo ao lado dos filhos. Mas seria a solução? E quem não quer, não pode ou não sabe empreender?
Para nos trazer mais histórias e informações e continuar discutindo na nossa campanha Licença M/Paternidade, Cínthia respondeu algumas perguntas para o Catraquinha. Confira!
Catraquinha: Como gestoras mulheres podem contribuir para a mudança deste cenário, assim como a Ana Maria Braga te apoiou?
Cinthia Dalpino: Se eu fosse gestora, estaria, sem dúvida, observando o perfil de cada funcionária que fosse mãe, e debatendo com ela qual seria ‘o mundo ideal’, para que pudéssemos chegar num consenso. Por exemplo – se parte do trabalho pode ser feita em home office, ela não precisa estar presente fisicamente no escritório. Se ela precisa de flexibilidade para buscar, levar filho na escola, isso pode ser discutido.
Cada lugar tem suas características. Cada ambiente de trabalho tem uma demanda específica. Mas na maioria das vezes as pessoas acreditam que a produtividade esteja ligada ao número de horas trabalhadas, o que não é verdade.
No entanto, vejo mães que chegam a mim através do Mãe At Work contando que inventam histórias para levar o filho ao pediatra, por exemplo, ou em reunião escolar do filho. Já vi casos de mulheres que deixaram criança três horas esperando na escola porque não tiveram coragem de interromper uma reunião e dizer que precisavam sair. Precisamos conquistar nosso espaço, como mães. E para que as pessoas saibam que existem demandas específicas, não podemos ficar nos sacrificando ou anulando, por medo de perder o emprego.
Outro dia uma mãe me disse que não poderia fazer a adaptação na escola do filho porque não tinha coragem de pedir para trabalhar por meio período na primeira semana de janeiro. Claro que os gestores podem e devem propor mudanças – principalmente para reter o talento feminino no mercado de trabalho, já que a maioria dessas mulheres está deixando o barco. Mas as mulheres que estão nessa situação podem tentar negociar quando têm necessidades específicas, ou no dia a dia. Porque se você está no trabalho e está disposta a trabalhar, tem que ficar claro que quer fazer aquilo, mas que precisa ajustar tempo. Dar perdido no chefe, pisar na bola, coloca tudo a perder.
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Por outro lado, o número de gestores sem noção é assustador. Conheço muitas mulheres que desenvolveram doenças por causa da pressão exercida. Não poder desligar celular. Estar em casa dando banho na criança o telefone tocar depois das oito e tomar pito porque não atendeu. Tem gestores que passam dos limites. E aparentemente com os ambientes de trabalho mais ‘enxutos’, eles apertam mais. E a mulher fica com medo, porque não quer ser demitida.
E ser mãe acaba virando critério na hora de corte, porque aquela mulher não pode mais fazer hora extra porque tem que ir pra casa na hora X. Aí a mulher fica sempre acuada. Porque se ela fala sua necessidade pessoal, ela é hostilizada. Se ela não fala, ela vai ficando cada vez mais insatisfeita, se sentindo péssima por não estar presente na vida do filho.
A mudança no cenário vem da consciência de que coisas precisam ser ajustadas, já que no modelo que está, não dá para ficar. Uma mãe voltar da licença maternidade e ficar doze, quinze horas longe do bebê do dia pra noite é massacrante para qualquer um. Não tem ser humano que aguente. É a própria sociedade que vai pagar por esse abandono.
Catraquinha: O que é uma empresa motherfriendly?
Cintia: Na teoria é uma empresa que tem uma licença maternidade bacana, que conta com espaço para que a mãe tire leite e armazene quando volta da licença. Pra mim deveria ser muito mais que isso.
Respeitar a maternidade deveria ser sagrado. Acho abusivo quando uma mulher me escreve contando sobre seu retorno da licença maternidade. Casos de assédio moral são tão comuns nesse momento que ninguém percebe a crueldade que está sendo feita.
A mulher acaba de gerar uma nova vida, volta para o trabalho e é hostilizada ao máximo. Estamos falando sobre o depois. O que acontece quando a mulher retorna ao trabalho e a vida volta a ser como era antes que ela tivesse filhos?
Na grande maioria das vezes – ou melhor, em 90% dos casos – o retorno não é nada amigável. Porque nos acostumamos e adaptamos a um modelo onde encaixamos nossa vida ao redor do nosso trabalho. E não o contrário.
No Brasil ainda estamos engatinhando com o tema – e aí está nosso papel – o de levantar as possibilidades e trazê-las a tona para que as empresas entendam como é vantajoso pra todo mundo se adotarem politicas de trabalho que sejam amigáveis com as mães. No mundo todo, empregadores perceberam como a satisfação da mulher quando retorna ao trabalho está diretamente ligada à produtividade, e resolveram investir em políticas que trazem benefícios à mulher que também é mãe.
A maioria delas tenta se adequar trazendo horários de trabalho flexíveis, jornada reduzida, vantagens que promovam a carreira profissional das mulheres, entre outros benefícios. Enquanto alguns locais incluem berçários na empresa, outros investem em serviços de aconselhamento de carreira para mulheres, ajudando os empregados a montarem agendas de trabalho adequadas às suas necessidades pessoais. Uma grande parcela dos empregadores comprometidos de verdade com a causa, treinam seus gerentes para se preocuparem em proporcionar uma relação equilibrada entre trabalho e família. Os destaques na categoria motherfriendly ao redor do mundo, são empresas que investem em grupos de apoio, seminários e conferencias para mulheres, além de dar à elas possibilidades de um espaço para crianças- que na maioria das vezes ficam próximas às suas mães.
Catraquinha: E com relação às babás, as cuidadoras. Como discutir a questão que envolvem essas mulheres, uma vez que são elas que deixam seus filhos em casa ou nas creches para cuidar dos filhos de outras mulheres?
Cintia: Acho vital falar sobre isso! Quando a Janaina, minha funcionária pediu demissão porque chegava tarde em casa e ficava pouco com seus dois filhos, de dois e três anos, eu não tinha enxergado isso. Eu estava olhando para a minha realidade e só enxerguei a da Janaina, minha funcionária, quando ela me disse que sentia falta de ficar mais tempo com os filhos dela. E aí que coloquei a Eva na escola, e fui sentir o que a Janaina sentia – que era ficar o dia todo longe da minha filha. Mas isso com certeza deve ser muito mais difícil quando se está cuidando de outra criança e longe da sua.
Por isso hoje bato muito na tecla de que o funcionário precisa também dizer e expor suas necessidades.Já estive nos dois lados e não fui capaz de enxergar, entende? Por outro lado, hoje a Jana trabalha comigo de novo, mas em esquema meio período para poder pegar os filhos na escola e educá-los mais de perto.
Eu não sei como olhar a questão como um todo, mas tento olhar para quem está perto de mim e tento fazer como gostaria que fizessem comigo. Gosto de falar que deveríamos humanizar as relações de trabalho para percebermos as necessidades uns dos outros.