Estudante passou 146 dias sem internet e conta as situações engraçadas da experiência

O estudante Rômulo Cabrera de Medeiros, de 25 anos, que mora na sossegada região do Alto Tietê, em Suzano, para além do leste de São Paulo, decidiu parar de checar as notificações de seus amigos no Facebook, os e-mails, deixou de ver filmes em streaming e de jogar games on-line. Ele estava disposto e, a partir de 31 de maio deste ano, partiu para sua aventura de “desintoxicação” de internet. Acredite.

“Entre outras coisas, tive que usar orelhões (sem celular, precisei me adaptar). Sobre os videogames, não é uma regra geral, mas alguns se conectam a rede. Então para não comer bola, passei a usar meu Super Nintendo. A certeza de não estar conectado era precisa”, diz Rômulo. E foram cinco meses assim, enfrentando perrengues, com descobertas e aventuras.

Seus hábitos mudaram relativamente pouco, ressalta, mas enviou cartas, tinha mais tempo para ler livros e passou a devorar noticiários de TV para se sentir por dentro dos assuntos. Teve de rolar, inclusive, umas gambiarras. “Como eu não tinha fácil acesso a séries e filmes, fiz uma conta numa locadora e passei a alugar filmes. As séries ficavam por conta dos meus ‘traficantes’. Eles despejavam os ‘produtos’ no meu pendrive e eu podia assistir tranquilamente”, descreve aos risos.

Ele usou orelhão, enviou cartas e alugou filmes
Créditos: Rafael Melo
Ele usou orelhão, enviou cartas e alugou filmes

Uma vez o filósofo francês Pierre Lévy, que estuda a cultura virtual contemporânea, falou em seu livro “Cibercultura”, lá de 1999, que “por meio dos computadores e das redes, as pessoas mais diversas podiam entrar em contato, dar as mãos ao redor do mundo”. Nessa época, veja bem, não existiam Facebook, Twitter ou Instagram, mas o especialista “previu” que as redes era o que unia (ou passou a unir) as pessoas, de alguma forma.

E Lévy foi mais longe: “a emergência do ciberespaço, de fato, provavelmente terá um efeito tão radical sobre a pragmática das comunicações quanto teve, em seu tempo, a invenção da escrita”. Trazendo a máxima para os anos 2000, a revolução virtual proporcionou uma interação nunca antes possível.

“Percebi durante meu celibato virtual que eu me sentia isolado, deslocado dos outros. Quando eu digo que me senti afastado, diz respeito a mim mesmo: as pessoas continuavam socializando e se comunicando nos mesmos lugares, só eu que havia me privado desses meios”, conta o estudante.

Lévy explica: “As mídias clássicas praticam uma comunicação unidirecional na qual os receptores estão isolados uns dos outros”. Logo, o trunfo da internet é ser comunitária (e você não se sente sozinho).

Rômulo foi até a Paulista conversar com as pessoas

“Eu sentia que era eu quem deveria tomar partido das coisas; eu que deveria me encontrar com as pessoas, até porque elas não sabiam do meu paradeiro” reflete Rômulo, entre gargalhadas. “Foi por essas e outras que eu decidi fazer uma experiência na Avenida Paulista. Fui ao encontro dessas pessoas (desconhecidos, eu sei, mas valeu a pena)”. Para as tantas de outubro, ele voltou a dar o ar da graça nas redes sociais.

“O que sei é que sim, há vida fora das redes (eu sou prova disso), mas é impossível, ao menos numa grande metrópole, você se sentir plenamente desconectado. Uma coisa é uma experiência de desconexão numa ilha deserta, numa cidade remota aonde o sinal de celular ou internet, não chega. Outra coisa é tentar ficar afastado disso nas grades cidades. Hoje tudo converge ao digital, terminais estão conectados, as pessoas estão conectadas, é humanamente impossível se sentir totalmente desconectado”, conclui.

Este celibato virtual, como o próprio Rômulo citou, faz parte de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ele é estudante de jornalismo e está prestes a terminar o curso. Em uma entrevista descontraído ao Catraca Livre (pelo Facebook, sim!), revelou que o título de seu livro-reportagem em que contará toda a peripécia será “146 dias sem ela”.

Por fim, Rômulo deixa o recado de que não recomendaria essa experiência. “Na verdade, não recomendaria da maneira como eu fiz. Talvez um retiro de uma semana sem se conectar seja bacana, mas não como eu fiz. Não sei explicar, mas creio que a experiência só saciaria a curiosidade; não temos como fugir dessa realidade. Para falar a verdade, a nossa realidade hoje está intrinsecamente ligada ao virtual”. Você concorda?