Em entrevista, Doria afirma que vai parar ampliação de ciclovias
O empresário João Doria (PSDB) concedeu uma entrevista ao jornal Estadão dois dias após vencer a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Na reportagem, o futuro prefeito reafirmou seus principais compromissos, como revogar a redução da velocidade nas Marginais, eliminar parte das ciclovias, vender Interlagos e Anhembi e ajudar o governador Geraldo Alckmin a conquistar a vaga tucana na eleição presidencial em 2018.
Ao ser questionado sobre o possível crescimento das mortes no trânsito, Doria afirmou: “Houve queda de mortes nas estradas estaduais sem nenhuma redução de velocidade. É preciso lembrar que o processo de recessão pelo qual passa o País reduziu em 11% o número de veículos circulantes na cidade, o que influencia. Sou gestor e vou ser prefeito. Não tenho medo de nada. Não tenho medo de tomar atitudes corretas”.
Já em relação às ciclovias, o empresário disse que vai preservar aquelas que funcionam bem, com movimento e ciclistas frequentes. No entanto, ele ressaltou que não haverá um projeto de ampliação das ciclovias, apenas se tiver uma “necessidade real e comprovada”.
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“As ciclovias que foram assimiladas pela população vão continuar e serão mantidas pela iniciativa privada porque a Prefeitura faz mal hoje essa conservação. Vamos escolher uma área e permitir ali a publicidade. As empresas interessadas poderão adotá-las por um ano ou mais”, explicou.
Pedalada pacífica
Para lutar pelos direitos dos ciclistas, foi organizada uma pedalada pacífica até a casa do João Doria nesta quarta-feira, dia 5. O evento no Facebook, com mais de mil confirmados, propõe um ato apartidário em nome da resistência cicloativista, que vem muito antes da prefeitura de Fernando Haddad.
Uma das propostas do movimento é praticar algumas ações em frente à residência, como o “Die-in”, em que todos deitam na rua, com a bicicleta, para simbolizar as mortes e acidentes de trânsito envolvendo ciclistas. Saiba mais sobre neste link.
Carta aberta de um ciclista ao futuro prefeito
Diante das propostas de João Doria, o ciclista André Pasqualini escreveu uma carta aberta a ele sobre o aumento da velocidade nas marginais e o futuro das ciclovias. Confira abaixo:
“Carta aberta ao João Dória, de um ciclista com muito medo
Olá prefeito João Dória, parafraseando a Regina Duarte, “Estou com muito medo!”
A diferença é que meu medo tem mais fundamento, é um medo real de MORRER, vítima de um dos milhares de assassinos ao volante que, no Brasil, são responsáveis pela morte de 40 mil pessoas por ano.
Para começar quero deixar muito claro que não sou petista, sou um ciclista que usa a bicicleta como principal (não único) meio de locomoção há pelo menos 22 anos. Desde 2004 venho lutando por melhores condições, não só para os ciclistas, mas para todos que não estão protegidos por uma blindagem metálica em nossas cidades. Muito por consequência dessa luta, acabei me tornando um consultor de mobilidade urbana, especializado em bicicleta. Tanto é que já fui parceiro dos governos estadual e municipal, principalmente na gestão Serra/Kassab, em diversos projetos ligados a mobilidade por bicicleta.
Por consequência dessas parcerias, em 2011, fui convidado pela campanha do candidato José Serra para ajuda-los na montagem do plano de governo voltado para bicicleta. Aceitei pela causa, tanto é que se o convite viesse do PT também aceitaria, se é para o bem da cidade, facilmente colocarei minhas preferências pessoais segundo plano.
Falando em plano, esse que elaboramos era muito bom, bem melhor que o do Haddad, ao menos no papel. Aliás, nesse plano, além de constar também uma promessa 400 km de ciclovias, havia uma proposta de continuidade no programa de proteção a vida da gestão anterior, que tinha como premissa a redução das velocidades máximas de todas as vias da cidade, ou seja, o candidato do seu partido já tinha um pensamento alinhado com o nosso.
Mas é bom lembrar que esse programa de redução de velocidades começou na gestão Kassab, conduzido pelo excelente secretário Marcelo Branco, quando estabeleceu um limite de 60 km/h para todas as vias arteriais da cidade. Ou seja, antes uma via como a Groelândia, os motoristas andavam a 70 km/h, veja o tamanho do absurdo.
Infelizmente o Serra não ganhou e fiquei triste. Mais uma vez achei que continuaria tendo que “sobreviver”ao tentar pedalar pela cidade. Você tem noção do que é achar que pode morrer a qualquer instante, só porque preferiu adotar a bicicleta como um meio de locomoção? Por favor, pegue uma bicicleta e dê umas voltas perto da sua casa, sinta na pele a agressividade que alguns motoristas terão por você para ter uma pequena noção da minha realidade, minha e da maioria dos ciclistas brasileiros. Mas uma dica, não use camiseta vermelha, pois nesse caso você correrá um seríssimo risco vida!
Apesar de triste, não é que o Haddad me surpreendeu? Primeiro começaram a surgir faixas vermelhas no chão, no começo haviam vários equívocos, mas compreensíveis, até porque não estamos na Alemanha, aqui é Brasil, um país que desde a década de 50, decidiu privilegiar apenas quem anda de carro, deixando todo resto em segundo plano. Portanto um técnico que só sabe fazer vias para os carros, as vezes demora a entender que a lógica dos ciclistas é diferente, mas não demorou muito não, logo as ciclovias passaram a ficar mais numerosas e melhores.
Tem falhas? Claro que tem, mas para quem já pedala, preferimos andar numa ciclovia esburacada do que numa rua esburacada, pois na ciclovia só preciso me preocupar com o buraco.
Mas quando achava que o Haddad não poderia me surpreender, não é que ele reduziu a velocidade de todas vias da cidade, algo que cobrávamos há anos dos outros gestores? Algo que inclusive é realidade nas cidades mais civilizadas do mundo? Como um bom milionário, você deve viajar muito e duvido que numa via arterial, seja de Londres, Paris, NY, você consiga andar com seu carro a mais de 50 km/h. A não ser que você seja como alguns motoristas revoltados com a tal “Indústria da Multa”, que insistem em realizar uma espécie de desobediência civil, andando acima do limite, colocando em risco todos aqueles que respeitam as leis, mas acredito que você não seja essa tipo de pessoa.
Falando só das marginais, saiba que dentro de CET, existe uma equipe de técnicos especializados em segurança, conheço vários deles, excelentes profissionais. Pelo menos desde 2004, quando passei a acompanhar a questão mais de perto, esses técnicos vinham tentando reduzir as velocidades das marginais para 70 km/h, mas nenhum prefeito teve coragem de implantar essa redução. Nenhum até surgir o Haddad, por isso, mesmo não sendo petista, mesmo tendo aversão a esse partido (na verdade tenho aversão a quase todos), torci muito para o Haddad ganhar, principalmente depois que você publicamente fez pouco caso das ciclovias e mais ainda, quando anunciou que iria aumentar as velocidades das nossas vias, tornando o trânsito ainda mais perigoso do que já é, não apenas para os ciclistas, mas também para os motoristas em geral.
Mas como um bom otimista, se o Haddad me surpreendeu pro lado positivo, porque o mesmo não pode acontecer com você? Por isso resolvi escrever essa carta aberta.
Saiba que existe um plano de mobilidade na prefeitura, plano esse que apesar de ser montado na gestão anterior, ele não tem partido, é um plano nosso, dos ciclistas e da cidade. Esse plano consta que até 2030, a cidade terá 1500 km de ciclovias. Você pode até achar que esses 400 quilômetros são suficientes mas não são. A cidade tem 18 mil km de vias, tem muitas regiões da periferia, onde ocorrem a maioria das mortes de ciclistas, que precisam de infraestrutura urgente.
Pode até não parecer que somos muitos, mas somos, segundo a pesquisa Origem e Destino do Metrô, as viagens de bicicleta são em maior número que a de táxis. Tudo bem que somos pequenos, não ocupamos espaço, não fazermos barulho e até somos minoria, mas um bom gestor não é aquele que defende as minorias contra a opressão da maioria? Por acaso, só por optarmos andar de bicicleta, somos cidadãos de segunda categoria, que não tem direito a mesma segurança daqueles que optaram por andar de carro?
Bem, dito tudo isso, gostaria de fazer alguns pedidos, pois apesar de não ter votado em você, ainda sou um cidadão paulistano e como você mesmo disse, tem que governar com todos.
1) De continuidade ao plano de mobilidade, realmente melhore ciclovias existentes e não retire nenhuma ciclovia, a não ser que você nos dê uma opção melhor nos casos que isso for feito. Essa história de ciclovias vazias, isso sim é balela. Seguindo essa lógica, significa que as calçadas com poucos pedestres você irá retira-las? O mesmo você fará com as ruas onde passam poucos carros? Portanto não há sentido em tirar um metro de ciclovia sem criar uma opção melhor e mais segura.
Mas entenda que a melhor tem que ser para os ciclistas, e não para um cidadão que está incomodado só porque há uma faixa na frente da sua casa. Esses cidadãos precisam aprender que a via é um espaço público, que todos tem o direito de ter um carro, mas onde eles vão estacionar é um problema deles e não da cidade.
Ah, um adendo, sou cicloturista, ou seja, faço muitas viagens pelas estradas brasileiras. Se é para se basear só em fotos, com base nas minhas, onde raramente um carro aparece, você terá a impressão que estou num planeta onde os carros não existem, só bicicletas.
2) Parece que você está irredutível em relação ao aumento das velocidades, então vamos propôr o seguinte. Você pode aumentar a velocidade o quanto quiser, por mim pode colocar 200 km/h nas marginais, mas quero de você outro compromisso.
Todo mundo sabe que houve uma redução significativa nos mortos e feridos em acidentes de trânsito na cidade de São Paulo, segundo o Infosiga (vou usar até os dados de um órgão do estado para não dizerem que os da CET são chapa branca) enquanto no estado inteiro o número de mortes no trânsito caiu 5,5%, só na cidade de São Paulo, o número reduziu 16,7%, ou seja 3 vezes mais e especialistas em segurança de trânsito atribuem a a queda a redução dos limites de velocidade.
Não sei como é seu pensamento sobre essa questão, mas para mim, todas as vidas são importantes, tanto a de um mendigo que mora na marginal, como a do filho um empresário de sucesso, todas estão mesmo patamar importância. Portanto, não podemos sacrificar mais vidas só para alguns motoristas poderem acelerar seus carros. Quer correr, arrende Interlagos para esses motoristas e que eles se matem lá, não em vias públicas.
Mas vamos combinar, esses números ainda estão altíssimos, então que tal você se comprometer a reduzir em 15% o número de vítimas de trânsito na cidade inteira? Que tal 15% ao ano? Que tal termos, ao final da sua gestão, o mesmo número de mortes que há em Londres por exemplo? Ah, lá os limites caíram para 30m/h (48km/h) e pelo menos 25% das suas vias reduziram ainda mais, para 20m/h (32km/h).
Outro detalhe, segundo esse estudo da Infosiga, ocorreram apenas 3 mortes na Marginal Tietê e 1 morte na Pinheiros. Se você aceitar esse compromisso e manter a promessa de aumentar a velocidade só das marginais (embora considere um pretexto para aumentar tudo, espero estar enganado), portanto mesmo aumentando os limites você terá que zerar o número de acidentes fatais, pelo menos na Pinheiros.
Como você fará isso sem reduzir a velocidade aí é com você. No mundo inteiro, ninguém conseguiu baixar o número de mortes sem reduzir as velocidades, se você conseguir fazendo o oposto, com certeza ficará mais famoso que o Trump.
Então, aceita esse desafio? De dar continuidade ao plano de mobilidade, melhorando e ampliando as ciclovias, e diminuir o número de acidentes fatais na mesma proporção que o governo anterior?
Estou ansioso por sua resposta.
André Pasqualini.
Ciclista, consultor de mobilidade urbana especialista em mobilidade por bicicleta e Cicloativista.”