Jornalistas mineiras desvendam a história dos pisos pela cidade

O projeto 'Chão Que eu Piso' tem o objetivo de valorizar a beleza e o passado dos pavimentos que não notamos ao caminhar

04/12/2014 09:57 / Atualizado em 06/05/2020 17:57

Apaixonada por detalhes arquitetônicos, em meados de 2013, a jornalista Paola Carvalho começou a fotografar os pisos dos prédios que visitava, em sua cidade natal, Belo Horizonte, e também em viagens. Nas redes sociais, os amigos perceberam sua predileção e passaram a contribuir, enviando fotos dos pavimentos que julgavam interessantes. “De vez em quando, alguém comentava, dizendo que a minha sandália era bonita, mas não era isso que eu queria mostrar”, lembra Paola. Na verdade, o que conta para ela não é nem mesmo a estética do local onde está pisando. “O que me interessa são as histórias que os pisos guardam”, explica.

Para compilar essas histórias e fotos, foi criada neste ano a página Chão Que Eu Piso no Facebook e no Instagram, redes sociais alimentadas por Paola, em parceria com a também jornalista Raíssa Pena. As duas contam com a colaboração de amigos e desconhecidos de diferentes partes do mundo. Sempre com legendas informativas, o projeto reúne mais de 200 imagens mirando o que está embaixo dos pés de quem caminha por cidades como BH, Rio, São Paulo, Paris, Munique e Xangai. O enfoque quase sempre são locais históricos, contudo, há também fotografias que se relacionam mais com a atualidade do que com o passado, como, parte do leito do Rio São Francisco que se transformou num solo trincado durante o último inverno ou o gramado do Mineirão, fotografado e postado em plena Copa do Mundo.

Imagens feitas em locais antigos levam a imaginar quantas pessoas já transitaram por ali. “Gosto de pensar nos 16 ex-governadores que passaram pelo Palácio da Liberdade, em BH, e em quem no passado chegava à cidade de mala e cuia, pela Estação Central”, conta Paola. Para Raíssa,  que também tem formação em design, um dos melhores achados do projeto são os “pisos gêmeos”, como a dupla batizou os pavimentos parecidos ou idênticos situados em diversos lugares do mundo. “Eles são uma materialização de como as correntes estéticas de cada época se espalham pelo mundo e ajudam a ilustrar, do ponto de vista do design, a influência cultural de uma nação sobre a outra”, explica ela. Uma amostra disso é como a arquitetura francesa esteve presente nas construções da capital mineira. O piso da Passage Choiseul, galeria parisiense construída em 1825, tem o mesmo piso do Museu das Minas e do Metal, sediado num prédio de 1897.

Olhe por onde pisa — cinco passos para observar em Minas:

 
 

Piso das Termas de Caxambu, no Sul do Estado, local onde em 1868, a princesa Isabel e o seu marido, o Conde d’Eu, buscaram a cura para a infertilidade.

 
 

O edifício, que abriga o Museu da Vale, foi inaugurado em 1897. Ele foi projetado pelo engenheiro pernambucano José de Magalhães e seguiu as tendências do estilo eclético oficial, com predominância de elementos neoclássicos do Segundo Império Francês. O meticuloso trabalho de restauro constatou que a decoração interna seguiu o gosto afrancesado da época, com estética neoclássica e art nouveau

 
 

Por muitos anos o Palácio da Liberdade foi a residência dos governadores de Estado e o epicentro de decisões, homenagens, protestos em Minas Gerais.

 
 

O pioneirismo arquitetônico do Cine Theatro Brasil, no Centro de BH, abriu caminho para edificações do mesmo estilo, fazendo com que BH se tornasse uma das cidades brasileiras com a maior presença art déco. Durante bom tempo, foi o prédio mais alto da cidade. A sociedade que frequentava o cinema/teatro pagava ingresso para visitar o terraço de onde se avistava da Praça Sete à Serra do Curral. Além dos ladrilhos, a construção conserva ainda hoje parquets (assoalhos que têm desenhos simples ou complexos, lembrando mosaicos) bem bonitos.

 
 

Da sacada da residência escrava Xica da Silva , (17321796), no Centro Histórico de Diamantina, é possível avistar o calçamento de pedras da Praça Lobo Mesquita e a Serra dos Cristais. Na Diamantina do século XVIII, uma cidade onde multidões tentavam enriquecer graças à extração de pedras preciosas, Xica foi uma escrava alforriada que chocou a sociedade por alcançar um novo status como mulher do rico contratador dos diamantes João Fernandes de Oliveira. O casarão (assim como seu piso!) serviu de cenário para essa história de amor que durou 15 anos.