Dona Ivone Lara, a mulher que quebrou estigmas dentro do samba

23/02/2018 00:00 / Atualizado em 26/03/2020 09:33

É impossível falar de protagonismo feminino dentro do samba e não pensar em Dona Ivone Lara. Autora de uma obra musical marcada pela luta e resistência, Yvonne Lara da Costa ou apenas Dona Ivone, possui grande valia dentro da seara musical brasileira e sua influência é aclamada por gerações de grandes sambistas.

Conhecida como a Dama do Samba, emplacou os sucessos “Sorriso Negro”, “Acreditar” e “Sonho Meu”, conviveu com figuras como Mestre Aniceto, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira, e ainda quebrou muitos estigmas ao tornar-se a primeira mulher a integrar a ala dos compositores de uma escola de samba, em 1965.

Grande dama do samba foi uma das homenageadas do Samba em Rede Mês da Mulher
Grande dama do samba foi uma das homenageadas do Samba em Rede Mês da Mulher

Dona Ivone, no papel de sambista, fez sua parte por ter tido a coragem de desafiar os padrões esperados para as mulheres da época, tornando-se uma das principais referências femininas do gênero.

Por essas e por outras que Dona Ivone Lara merece todo o nosso respeito e nossa humilde homenagem.

Infância 

Nascida em Botafogo no dia 13 de abril de 1921, Ivonne Lara da Costa demonstrava um talento excepcional desde a infância, a facilidade na composição. O gosto pelo samba é um reflexo do ambiente familiar e musical que a envolveu desde cedo: filha de mãe cantora, pai violonista e com um tio cavaquinhista – era na casa dele onde assistia às rodas de samba e choro.

Aos 12 anos, ela escreve sua primeira canção, o samba de partido-alto “Tié, Tiê”. A inspiração veio a partir de um presente dado pelos rimos e futuros parceiros, Hélio e Fuleiro, um pássaro “Tiê-sangue”. Durante a adolescência, teve como professores de música erudita Zaíra de Oliveira, esposa do compositor Donga, e Lucília Villa-Lobos, casada com o maestro Heitor Villa-Lobos. Até então, música era apenas um prazer.

Início de carreira 

Aos 17 anos, Ivonne começa a estudar na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto e passa a trabalhar como plantonista de emergência. Embora tenha dedicado sua vida adulta à área da saúde, reservava as horas vagas para participar das típicas rodas de choro organizadas na casa do tio, Dionísio Bento da Silva, que tocava violão de sete cordas e fazia parte de grupo de chorões que reunia nomes como Pixinguinha, Donga e Jacob do Bandolim.

Aos 25, é contratada pelo Instituto de Psiquiatria do Engenho de Dentro, onde permanece por 37 anos até se aposentar. Especializada em terapia ocupacional, Ivonne trabalhou no Serviço Nacional de Doenças Mentais com a doutora Nise da Silveira, médica que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil.

Nesta mesma época, casa-se com Oscar Costa, filho do fundador da escola de samba Prazer da Serrinha. Sempre priorizando o trabalho de enfermeira, mas com um pé na música, programava suas férias em fevereiro para participar dos desfiles de Carnaval.

Império Serrano

Com o fim da escola Prazer da Serrinha, começa a frequentar a escola de samba Império Serrano. Compõe alguns sambas e partidos-altos para a agremiação – que eram mostrados aos outros sambistas pelo primo Fuleiro, como se fossem dele – no entanto, o preconceito não abria espaço para mulheres compositoras.

Apesar das desavenças, Dona Ivone foi a primeira mulher a integrar a ala dos compositores de uma escola de samba. Em 1965, a mais nova integrante da Ala dos Compositores do Império Serrano compôs, com Silas de Oliveira e Bacalhau, o clássico samba-enredo “Os Cinco Bailes Tradicionais da História do Rio”.

O envolvimento cada vez maior com a agremiação rendeu-lhe, entre outras alegrias, a convivência com Mestre Aniceto, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira, que mais tarde seriam seus parceiros em algumas canções.

Senhora da canção

Somente aos 56 anos de idade, Ivone passa a dedicar-se exclusivamente à música, lançando em 1978 seu primeiro disco, “Samba Minha Verdade, Samba Minha Raiz”, gravado pela gravadora Copacabana e produzido por Sargenteli e Adelson Alves.

Mesmo tendo assumido a carreira musical tardiamente, nas décadas seguintes consagra-se como grande compositora com músicas gravadas por Clara Nunes, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Beth Carvalho e Marisa Monte. 

Recentemente, a rainha maior do samba foi homenageada pela Ocupação Dona Ivone Lara, que contou com a curadoria da equipe do Itaú Cultural, do músico Tiganá Santana e do jornalista Lucas Nobile; pelo projeto Sambabook e através da publicação do livro “Dona Ivone Lara – A Primeira Dama do Samba”, de autoria de Nobile.

Ouça o álbum “Sambabook Dona Ivone Lara”: 

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