‘É no samba que nos encontramos’, diz João Cavalcanti sobre o Casuarina
Um dos representantes da nova geração do samba, o Casuarina completa 14 anos de estrada com seis álbuns e dois DVDs lançados. Formado por Daniel Montes no violão de 7 cordas, Gabriel Azevedo no pandeiro e voz, João Cavalcanti no tan tan e voz, João Fernando Pinheiro no bandolim e vocais e Rafael Freire no cavaquinho e vocais, o grupo começou a ocupar bares da Lapa para mostrar a música que faziam.
“O Casuarina é assim, como todo grupo, uma somatória de intersecções de vontades, respeitando sempre a dinâmica do grupo”, revela João Cavalcanti em entrevista exclusiva ao Samba em Rede. “Eventualmente, cada um flerta com outras coisas, mas o nosso barato em conjunto é realmente fazer samba.”
Pelo CD de estreia “Casuarina“- que completa dez anos de lançamento em 2015 -, o quinteto ganhou destaque na imprensa e abocanhou o Prêmio Rival na categoria Melhor Grupo, além de ter sido indicado ao Prêmio da Música Brasileira. O trabalho conta com 11 faixas e participações especiais de Teresa Cristina e Pedro Miranda.
Neste disco, destacam-se as músicas “Falso Moralista”, de Nelson Sargento, “Súplica Cearense”, de Nelinho e Gordurinha, “Já Fui Uma Brasa”, de Adoniran Barbosa e Marco César, “Laranja Madura” de Ataulfo Alves, e “Formiga Miúda”, de Wilson Moreira e Sérgio Fonseca. Escute aqui o álbum.
Quando perguntado sobre o processo de pesquisa das canções, João revela: “A escolha do repertório se deu muito mais pelos arranjos que estavam mais maduros e também pela ideia de contemplar um certo “lado B” do samba.”
Conhecidos por exaltar as composições do samba tradicional, o músico – filho de Lenine – compartilha lembranças do início de carreira e elege o mestre Aluísio Machado como uma figura importantíssima para o grupo.
João Cavalcanti teve a oportunidade de se lançar em carreira solo em 2012, com o CD “Placebo”, produzido por Plínio Profeta, com 11 faixas de sua autoria.
Confira a entrevista completa:
Foi em meados do ano de 2001 que o grupo Casuarina começava a tomar forma. Como tudo começou?
O embrião do Casuarina se deu enquanto nós – com exceção do Daniel Montes -, fazíamos um curso preparatório para o vestibular de música na UNI-Rio. Aquele curso ficou muito popular entre músicos amadores como uma maneira de se iniciar na percepção e composição musical.
Vocês sentiram alguma resistência ao mergulhar nesse universo da música pelo fato de serem todos muito jovens naquela época? Consegue lembrar de grandes entusiastas que os auxiliaram nesse caminhar?
Do ponto de vista familiar e nesse primeiro momento, acho que cada caso foi um caso dentro do Casuarina. Eu, por exemplo, sou filho de músico, e sempre acompanhei muito de perto as dificuldades do mercado da música, e não tive exatamente o que podemos chamar de estímulo.
Meu pai queria muito que eu fizesse outra coisa que não música durante bastante tempo, por saber as dificuldades que tinha e um pouco por não saber da minha parte, se isso era de fato uma vontade de ser músico ou se era uma brincadeira, uma diversão, um hobby.
Agora por exemplo, os pais do Rafa – que é quem morava na rua Casuarina, que deu o nome a banda e tal -: os pais dele foram grandes entusiastas a ponto de montarem um pequeno estúdio na casa onde a gente ensaiava e investirem no primeiro disco. Eles “paitrocinaram” o primeiro disco.
Nesse mesmo ano a Lapa carioca começava a passar por (mais) uma revitalização, tornando-se lentamente o ponto de referência que é hoje. Como configurar o Casuarina no processo de revitalização do bairro?
Eu evito esse termo “revitalização” porque a Lapa é, antes de tudo, um bairro residencial também, ou seja, sempre teve muita vida durante o dia. A revitalização também sugere que tenha havido um certo incentivo do poder público para que aquele espaço voltasse a ser o que ele é. E não houve.
O que houve foi uma reocupação do espaço, muito irresponsável por parte de nós todos, por conta de ser um ambiente muito perigoso, abandonado, totalmente carente de força policial. Era uma terra de ninguém.
Mas como o lugar apresentava uma vocação boêmia muito grande e uma certa ausência de vizinhos poderosos querendo embargar os sambas por causa do barulho, o pessoal que começou a ocupar Santa Teresa – um bairro adjacente a Lapa -, ou seja, Teresa Cristina, Eduardo Gallotti, Pedro Miranda e uma galera que vem de uma geração do Luis Filipe Lima, Paulão 7 Cordas e também representantes da Velha Guarda, como Wilson Moreira, Nelson Sargento, Walter Alfaiate, começaram a se apresentar na Lapa também.
Esse movimento começou no final dos anos 1990, quando já tinham pelo menos duas casas já estabelecidas na Lapa: o Bar Semente e o Empório 100, que é um antiquário da rua do Lavradio, e que abria de noite para samba.
Foi uma época que estávamos frequentando esses espaços, tínhamos todos 20 anos, e nenhum de nós se enquadrava naquele esquema de boate. Tínhamos uma dificuldade de pertencimento nos ambientes comumente frequentados pelos jovens da nossa geração. Então buscávamos alternativas. Normalmente eram forrós e ambientes com música ao vivo; e o samba começou a tomar um espaço muito grande a partir dessa ocupação da Lapa. Então foi esse o contexto da formação do Casuarina.
O Casuarina, ao lado de uma nova geração de sambistas e chorões, foram essenciais para essa movimentação que mudou a cara da região, além de promover uma valorização do samba carioca. Como surgiu a opção definitiva por este gênero musical?
O Casuarina já nasceu com essa intenção de ser um grupo de samba. O Casuarina é assim, como todo grupo, uma somatória de intersecções de vontades, respeitando sempre a dinâmica do grupo. E é no samba que nos encontramos. Eventualmente, cada um flerta com outras coisas, mas o nosso barato em conjunto é realmente fazer samba.
O que talvez possa representar um momento de escolha definitiva foi lá por 2007 – que é a época do lançamento do álbum “Certidão” – , quando houve a opção definitiva por ser músico; nesse momento os cinco largaram seus outros trabalhos para se dedicarem à música.
Neste primeiro registro, você interpretam grandes mestres do samba e da música brasileira (Nelson Cavaquinho, Ataulfo Alves, Zé Ketti, Wilson Moreira, Nei Lopes, Novos Baianos, Gordurinha e Jackson do Pandeiro). Como foi o processo de pesquisa e consolidação do repertório?
O nosso primeiro trabalho foi um disco de regravações. A escolha do repertório se deu muito mais pelos arranjos que estavam mais maduros e também pela ideia de contemplar um certo “lado B” do samba. Foi isso que pautou as nossas escolhas na época.
Esse despertar para o samba nos integrantes do Casuarina é de berço? Se não, essa desvinculação dos ambientes mais tradicionais do samba, por exemplo, das agremiações, representou alguma dificuldade na inserção nesse universo?
Pelo fato de todos os integrantes do Casuarina serem aparentemente brancos, não termos origem em escola de samba nenhuma, e tantos outros fatores, sentimos uma resistência.
É uma resistência muito mais por parte do público de quem consome samba e advoga ter um certo privilégio de pertencimento do que por parte dos artistas. Os representantes mais cascudos do samba – que têm histórias lindas relacionadas com as próprias escolas, como o Wilson Moreira, o Paulinho da Viola, Monarco – sempre foram muito gentis, muito acessíveis e com muita vontade de de colaborar com a gente.
Isso se aplica praticamente a todos os gêneros de gueto.
Um dos diferenciais do grupo, presente neste primeiro registro, é o uso dos arranjos vocais nas canções. Como vocês inseriram essa prática no trabalho de vocês? Existe algum grupo que os inspirou?
Eu sou meio obcecado por harmonização vocal, acho uma coisa linda. A minha escola de harmonização vocal, embora o Brasil seja um solo riquíssimo em grupos vocais, vem de Beach Boys, The Police, Stevie Wonder. A minha escola está muito mais ligada à música negra americana e britânica do que à música brasileira. Foi o que eu ouvi através dos meus pais enquanto eu era criança e jovem.
Acho imprescindível a gente dar crédito a quem tem crédito. Existiu um grupo no Rio que foi muito fundamental pra consolidação da Lapa enquanto espaço de música nos anos 2000 e para uma criação de toda uma geração de músicos da qual a gente faz parte, que são os Anjos da Lua.
O grupo era formado originalmente pelo Eduardo Gallotti, o Rubinho Jacobina, Mariana Bernardes, Sandrinho – um dos fundadores do Farofa Carioca -, Pedro Miranda e Pedro Holanda. A tônica deste grupo sempre foi a harmonização vocal e sempre de uma forma muito intuitiva: ninguém fazia o arranjo, eles iam cantando e iam se enquadravam onde dava. Todos com um repertório muito grande. Foi uma grande escola para todos nós!
Qual é a música deste disco que mais emociona e remete ao momento inaugural do grupo? Por quê?
Não tem como fugir do “Minha Filosofia”. É uma música muito perene na nossa carreira, a gente nunca deixou de tocar desde o primeiro disco. E é do Aluísio Machado, que é um monstro, um gênio. Nós percebemos que cada vez mais o público achava que a música era nossa e passaram a conhecer através da gente e na voz do Aluísio; a música não teve a mesma repercussão que teve, por exemplo, “Disritmia” na voz do Martinho.
Como foi então mergulhar na história do samba tradicional? O que mais emociona ao lembrar dos primeiros contatos? Alguma história ou pessoa em específico?
Teve um episódio no Cine Jóia em São Paulo: coincidiu do Aluísio Machado também estar em São Paulo e o convidamos para cantar conosco. O Gabriel começou a cantar “Minha Filosofia” a capela e o Cine Jóia inteiro acompanhou. Decidimos sair e colocar o Aluísio no meio do palco. Foi emocionante!
Esse episódio foi como uma coroação do Aluísio Machado para nós.
Os dez anos desde o lançamento de seu primeiro álbum homônimo estão sendo comemorados em 2015. De que modo a música do Casuarina se transformou ao longo dessa década?
Nós mudamos muito em todos os sentidos. Na instrumentação, na incorporação de elementos, na maturidade como compositores, nossa relação com o palco, com a platéia. Hoje eu me sinto muito mais à vontade.
Acho que a única coisa que não mudou é a nossa vontade de fazer. Desde o início encaramos o desafio de colocar a mão na massa. Foi e continua sendo uma experiência muito enriquecedora e fomos muito beneficiados por tudo isso.