Glória Bomfim, a Yalorixá mensageira da liturgia afro-brasileira
A cantora baiana é considerada uma das revelações musicais mais fascinantes dos últimos tempos
Quando Paulo César Pinheiro e Luciana Rabello contrataram esta baiana de Areal não imaginavam o que viria depois. A casa se inundava com o seu canto, incluindo músicas do patrão – antes que ela soubesse que ele era o autor.
Um dia, não podendo mais ignorar o grande talento da empregada doméstica a cantarolar pela casa todos os dias, o casal decidiu produzir um disco dela. Em 2007, a Yalorixá Maria da Glória Bomfim dos Santos, mais conhecida como Glória Bomfim, lançou seu primeiro disco, “Santo e Orixá”, e seu nome tem crescido em prestígio no cenário musical.
Dona de um timbre rascante e de uma voz afinada, o canto ancestral de Glória vem na linha de de Clementina de Jesus e sua obra dá continuidade a uma vertente pouco divulgada da cultura brasileira: a música de santo.
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Nascida em 3 de novembro de 1957, em Areal, interior da Bahia, a menina cresceu cercada pela oralidade das histórias narradas por seus familiares e pelos batuques dos terreiros de candomblé. Logo, tornou-se mãe de santo ou Yalorixá.
Glória aprendeu a cantar ainda na infância para acompanhar seus irmãos, músicos amadores à época, e projetou-se como cantora aos oito anos de idade em aniversários, batizados, casamentos da região e festas da cidade.
Contando com os poucos recursos, a menina foi doada por seus pais para ser criada por uma outra família em Salvador. Glória não recebeu cuidados tampouco estudos, pelo contrário, foi vítima de exploração do trabalho infantil e foi obrigada a trabalhar como cozinheira e empregada doméstica.
Antes de completar 13 anos de idade, Glória se mudou para o Rio de Janeiro para trabalhar na casa de Josenilda, irmã de sua patroa soteropolitana. Apesar das adversidades, a jovem jamais desistiu de nutrir sua veia artística.
Uma de suas primeiras experiências como cantora profissional foi em um programa de calouros do Silvio Santos em São Paulo, onde a cantora interpretou a canção “Lama”, de Mauro Duarte. Na ocasião, conheceu o cantor e pianista Benito Di Paula, que a convidou para participar em um de seus shows no Rio.
Começou assim uma nova fase na carreira da cantora, que passou a aparecer com frequência em rodas de samba do Rio de Janeiro. Nos anos 1980, Glória passa a frequentar a escola de samba Portela, onde interpretava canções de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, e era amiga de bambas como Mestre Marçal.
No entanto, o sonho de se tornar uma intérprete foi tragado pelas durezas do dia a dia, e Glória volta seus esforços para trabalhar como manicure, cozinheira e posteriormente, como empregada doméstica, na casa de Paulo César Pinheiro e Luciana Rabello.
Em 2007, com o devido apoio do casal, Glória faz sua estreia em disco aos 50 anos de idade. Lançando pela gravadora carioca Acari Records através do selo Sambaqui, o CD “Santo e Orixá” presta homenagem aos rituais e à simbologia do candomblé.
O repertório traz 14 faixas inéditas compostas por Paulo César Pinheiro, entre elas “Ogum Menino”, “O Mais Velho”, “Sultão do Mato”, “Revolta dos Malês” e “Encanteria”. Em 2011, seu primeiro CD foi relançado pela gravadora Biscoito Fino com o título “Anel de Aço”.
Escute o álbum “Anel de Aço”:
Com mais de dez anos de estrada e às vésperas de completar 61 anos de idade, Glória Bomfim possui uma das vozes mais representativas do canto afro-brasileiro e seu nome tem crescido em prestígio no cenário musical. Em sua obra, Glória recria a tradição de terreiro e, claro, honra a ancestralidade negra presente no samba.
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