‘A Lavapés nunca terá fim’, diz neta de Madrinha Eunice
“A Lavapés teve começo mas nunca terá fim”, resume Rosemeire Marcondes, atual presidente da Lavapés, neta e afilhada de Madrinha Eunice, fundadora da agremiação. A escola de samba mais antiga em atividade de São Paulo enfrentou mais uma queda, sendo rebaixada para última divisão do Carnaval paulistano, o Grupo 4 da União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP) – entidade responsável pelos desfiles oficiais das agremiações dos grupos 1, 2, 3 e 4 e dos blocos especiais.
“Restou uma dívida de quase R$9 mil para pagar e a última parcela vem daqui a 15 dias e o pessoal já tá cobrando”, conta Rose em entrevista exclusiva concedida ao Samba em Rede. A escola fundada em 1937 já emplacou 19 títulos de campeã, a maioria no Grupo Especial, mas entrou em declínio a partir de 1977. Foi parar na última divisão e perdeu até seu barracão em 2005.
Como não tem uma sede própria, as reuniões da diretoria da Lavapés acontecem no apartamento de Rose. Já os ensaios são realizados em praças, salões do bairro e quadras de agremiações vizinhas. “Sem um local para ensaiar e agregar as pessoas, a escola perde sua identidade e seu apelo”, comenta. A presidente explica que a escola reaproveita muitas fantasias e materiais de um ano para o outro, o que ajuda a diminuir os custos. Mas a falta de verba ainda é um problema.
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A cota da UESP para o Grupo 4, composto atualmente por 12 escolas, é de R$ 18 mil. A situação é bem diferente do Grupo Especial, repleto de patrocínios milionários. “Este ano a gente pediu R$20 por componente, mas apenas um ou outro ajudou, então também não conseguimos arrecadar muito por fora”, conta Rose sobre os esforços de arrecadar dinheiro para financiar o desfile. “O resto eu coloco do próprio bolso.”
De queda em queda, esta é a terceira vez que a escola é rebaixada para a última divisão do Carnaval paulistano. “Percebi o erro. Entramos sem alegoria, o carro quebrou na concentração e não tinha condição de entrar na avenida. Partiu o eixo, cada roda foi para um lado”, explica. A escola desfilou com o tema “Oito décadas de samba… Minha Lavapés, orgulho da garoa”, uma homenagem aos 80 anos da fundação da agremiação. “Eu já sabia que ia perder esses pontos por causa da alegoria. Mas eu não imaginava perder por causa de enredo”, protesta.
A oficialização do Carnaval de São Paulo, em 1968, representou, simultaneamente, o fortalecimento e o surgimento de escolas de samba cada vez mais competitivas, e o fim de diversas entidades que não souberam adaptar-se à nova lógica imposta pelo Carnaval. A Lavapés manteve-se até 1977 entre o primeiro e o segundo grupos. Com o falecimento da Madrinha Eunice e integrando o último grupo do Carnaval paulistano, a agremiação quase acabou.
“É muito triste comemorar os 80 anos de história desta forma, com rebaixamento. Mas a escola que entra sem uma alegoria perde muito conteúdo de enredo”, comenta Kaxitu Ricardo Campos, presidente da UESP. “A gente lamenta, mas o processo no regulamento é esse.”
Para o presidente, o Carnaval de São Paulo está equiparado em nível de organização com o do Rio de Janeiro e igualmente enquadrado numa lógica empresarial. “Hoje, o objetivo da maior parte das agremiações da UESP é chegar até o grupo de elite do Carnaval de São Paulo. As que não se encaixam muito neste modelo acabam perdendo força e ficando pra trás”, explica Kaxitu. “Nossa missão também é a de preparar essas escolas em termos de estrutura e organização para chegar até o Grupo Especial. Fica muito difícil fugir destes parâmetros de avaliação.”
Os desfiles tornaram-se um negócio, onde o luxo e a riqueza visual tomaram o espaço de elementos tradicionais como música e dança. Kaxitu relata que os quesitos do visual pesam muito na hora da apuração e no inconsciente das pessoas, por isso o público prefere desfilar em agremiações que tenham carros e fantasias bonitas, ressaltando outra dificuldade vivida pela Lavapés, a falta de componentes.
“A UESP determina que os quesitos de desempate sejam, exclusivamente, dos módulos música (bateria, harmonia e samba-enredo) e dança (evolução, mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente), diferente do Grupo Especial que faz um sorteio e o desempate pode ocorrer a partir dos quesitos do visual (alegoria, fantasia e enredo)”, afirma Kaxitu.
Apesar das dificuldades estruturais e financeiras, Rosemeire não desiste de resgatar a autoestima do pavilhão. “Vou superar tudo isso e continuar porque eu tenho obrigação de não deixar a Lavapés morrer”, afirma Rose, ao configurar a escola como ícone de resistência a este processo de espetacularização do Carnaval. “As escolas de samba de São Paulo hoje existem por causa dessa escola aqui”, defende.
A criação da Lavapés, em 1937, foi fruto da inspiração gerada por uma visita ao Carnaval carioca, na saudosa Praça Onze, por Deolinda Madre, a Madrinha Eunice, junto ao seu marido Francisco Papa, conhecido como Chico Pinga, e seu irmão, José Madre, o Zé da Caixa; a partir de então, o trio começou a reunir amigos e vizinhos para perpetuar batuques e rodas de samba de bumbo na cidade de São Paulo.