Crise de água em São Paulo pode ser “ponta do iceberg”
Faltam investimentos, mas oportunidade para cobranças é ótima: especialista em recursos hídricos explica como chegamos até aqui e o que sociedade e governo devem fazer para evitar uma catástrofe regional de abastecimento
Não precisa morar em São Paulo, basta ter lido alguma notícia sobre a cidade nos últimos meses para ter encontrado a expressão “crise da água” escrita em algum lugar. A metrópole passa, às vésperas das eleições, por uma situação delicada. O chamado “volume morto” do Sistema Cantareira já está em uso e a Sabesp estuda utilizar um nível ainda mais profundo de suas águas. O mesmo deve ser feito com o Alto Tietê. Cachoeiras estão secando e o nível de alguns rios está baixando. Apesar da negativa de racionamento do governo estadual, falta água com frequência para parte dos moradores da região metropolitana. Por causa disso, empresas reduziram suas atividades e, segundo a Fiesp, 3 mil demissões já ocorreram apenas em São Paulo.
As imagens da TV Folha ilustram bem a situação.
- Estudo revela como alimentos podem combater a perda de memória
- Holbox, o paraíso rústico mexicano que você precisa conhecer
- Como identificar os sinais de açúcar elevado no sangue e agir rápido
- O câncer colorretal pode avançar mais rápido devido a esse fator
Um estudo da Agência Nacional de Águas aponta que essa situação poderia ter sido evitada se, nos últimos quatro anos, R$ 22 bilhões tivessem sido investidos em abastecimento – valor semelhante ao gasto com a Copa do Mundo. A situação é de crise, mas também de oportunidade. Exemplos dentro e fora do Brasil mostram possíveis caminhos. Mas todos têm que agir.
“O Sistema Cantareira pode ser só a ponta de um enorme iceberg chamado crise de água no Brasil. Os demais estados do Sudeste caminham para o mesmo destino. E a ‘culpa’ é de todos: da estiagem, do consumo e, principalmente, da gestão”. Quem afirma isso é Glauco Kimura de Freitas, biólogo e especialista em recursos hídricos da WWF-Brasil.
Gestão deve ser prioridade
Kimura explica que o tripé estiagem, consumo e gestão é o grande responsável pela crise. Mesmo assim, e apesar da falta de chuvas, a ação humana tem peso grande. Para ele, a população não tem consciência do uso cotidiano da água. “Quase tudo que fazemos envolve água”, conta. “Uma xícara de café que você toma na padaria precisou de água para ser feita. Mas ninguém pensa nisso.”
Segundo uma pesquisa realizada pela WWF em parceria com o Ibope, 82% dos brasileiros acreditam que o Brasil terá problemas com falta de água no futuro e 70% reconhecem que desperdício, consumo exagerado e poluição são os motivos. Mas 60% confessam ter pouco controle sobre os gastos e 84% nunca ouviram falar dos Comitês de Bacia.
A falta de atenção ao tema, na opinião do especialista, se reflete na falta de ações dos governantes. O Governo do Estado afirmou em várias declarações ao longo do ano que o período anormal de estiagem, e não a gestão, deveria ser culpado pela crise. A Sabesp diz, em nota, que “estamos enfrentando a maior período de falta de chuvas registrada nos últimos 84 anos” e que “não há rodízio, racionamento nem restrição de consumo em nenhum dos 364 municípios atendidos pela empresa”.
“O Brasil sempre foi um privilegiado, mas assim como dinheiro, não se pode gastar toda a água que você tem sem pensar no futuro”, explica Kimura. “Nós temos uma das melhores legislações do mundo quanto ao tema, com a Política Nacional de Recursos Hídricos, mas ela não é utilizada da forma correta.”
O que fazer de imediato
“As ações tomadas pelo governo, ao incentivar a economia de água, são boas, mas devem ser lembradas sempre, não apenas em momentos de crise”, defende Kimura. Além da conscientização, contudo, algumas atitudes podem ser tomadas pelas administrações responsáveis.
Segundo o especialista, “a curto prazo, três ações devem ser tomadas: incentivar o uso racional, como já vem sendo feito, sanar os vazamentos, consertando os sistemas de distribuição, e recuperar as nascentes”.
Dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), mostram que 40% do volume total de água produzido no Brasil, quatro de cada dez litros disponíveis para consumo, ficam pelo caminho.
A situação dos mananciais também é complexa. Segundo um estudo do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da POLI-USP, metade de toda a área da região metropolitana de São Paulo está localizada em mananciais da Bacia do Rio Tietê. São 21 municípios de um total de 39 – a maior parte deles está poluída.
Exemplos a seguir
A crise de água pode ser a oportunidade ideal para que os recursos hídricos passem a ser discutidos entre governos e sociedade civil. E há bons exemplos que podem servir de inspiração.
No Brasil
No semiárido brasileiro, onde a crise existe de forma perene, a solução adotada foram as cisternas, estruturas feitas de alvenaria e instalada próximas às casas. A água da chuva é captada dos telhados por meio de calhas e armazenada em reservatórios de 16 mil litros, capazes de garantir água para atender uma família de cinco pessoas em um período de estiagem de aproximadamente oito meses. “Trata-se de uma tecnologia simples e barata”, explica Kimura. “É um ótimo exemplo, pois mostra que é mais fácil e mais barato o homem se adaptar ao meio ambiente do que o contrário.”
Lá fora
Na década de 1990, Nova York, nos Estados Unidos, se encontrava em meio a uma crise como a que passa São Paulo. A solução adotada foi uma nova política ambiental. Ao constatar que várias fazendas do entorno da cidade possuíam mananciais, a prefeitura decidiu pagar para que os proprietários rurais tratassem seus esgotos, preservassem as nascentes e desenvolvessem projetos de recuperação e conservação.
“Na época, eles fizeram as contas e chegaram à conclusão de que os gastos para preservação de mananciais eram menores do que para tratamento de águas poluídas”, lembra Kimura. “Todos saíram ganhando: a administração diminuiu gastos, os produtores rurais passaram a receber incentivos financeiros e a população a ter acesso a uma água de excelente qualidade”.
R$ 22 bilhões
Se prontamente algumas medidas podem ser tomadas para amenizar a crise e evitar danos ainda maiores, a médio e longo prazo a opção, de acordo com o especialista em recursos hídricos Glauco Kimura, é apena uma: investimento.
Em 2011, um estudo da Agência Nacional de Águas concluiu que, dos 5565 municípios brasileiros, 55% poderiam ter déficit no abastecimento de água dentro de poucos anos. Desses, 84% necessitavam de investimentos para adequação de seus sistemas produtores. Se R$ 22 bilhões fossem investidos até 2015, explicava a agência, essa situação poderia ser regularizada. A ANA não sabe dizer, atualmente, quanto desse montante foi investido.
“Claro que é difícil investir em água sendo que há saúde, emprego, moradia, educação e transporte como demandas da sociedade”, explica Kimura. “Mas sem água não haverá nada disso, então precisa investir. Ainda mais se pensarmos que o investimento para a Copa do Mundo foi de R$ 25,6 bilhões.”