ONGs lançam petição pela manutenção de bônus na conta de água em SP

Em carta aberta ao governador, a Aliança pela Água exige multa para os consumidores que desperdiçam água e revogação de aumento na tarifa

A Aliança Pela Água, rede que reúne mais de 60 entidades entre ONGs, especialistas e movimentos sociais, lançou nesta terça-feira, dia 26, a campanha #CadeMeuBonus. Em petição pública dirigida ao governo do Estado de São Paulo, a iniciativa exige a manutenção do bônus na conta de quem economiza água na capital paulista, além da revogação de reajuste tarifário previsto para este semestre.

A partir de campanha nas redes sociais, realizada pela plataforma Panela de Pressão, a petição será endereçada ao Secretário Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, à Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo) e à Sabesp (Cia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).

A petição é direcionada ao governador de São Paulo

A iniciativa é acompanhada ainda de uma carta aberta ao governador do Estado de S. Paulo, Geraldo Alckmin, assinada pelas organizações e movimentos integrantes da Aliança e pelo Coletivo de Luta pela Água. Ao longo da semana adesões de outras redes e movimentos serão coletadas. Confira o link para a carta e para a petição.

“Ainda estamos longe de um nível seguro de armazenamento de água nas nossas represas e São Paulo já voltou a sofrer com a falta de chuvas. Por isso precisamos manter e incentivar todas as medidas de economia” afirma Marussia Whately, coordenadora da Aliança Pela Água, em comunicado à imprensa.

Confira abaixo a íntegra da carta aberta:

“Carta Aberta da Aliança pela Água contra aumento o encerramento do Programa de Bônus e da Tarifa de Contingência que levou à economia de 200 bilhões de litros de água em São Paulo.

No final de março, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP aprovou o pedido da SABESP para acabar, a partir de 1º maio, com o Programa de Bônus, que gera desconto para quem economiza água, e com a Tarifa de Contingência, que gera multa para quem aumenta o consumo.

A população não foi consultada sobre o encerramento do programa, apesar do papel decisivo para a economia de água. Segundo dados da própria SABESP, o engajamento dos consumidores por meio do bônus foi responsável por 30% da economia de água desde o início da crise. A decisão foi tomada pela ARSESP menos de uma semana depois de feito o pedido, sem qualquer consulta pública ou mesmo divulgação de justificativa técnica para seu encerramento.

Na sequência, em 12 de abril, a Agência aprovou aumento da tarifa em 8,45%. Os reajustes, de novembro de 2013 até o momento, totalizam um aumento acumulado de 37,25%, valor bem acima do IPCA no mesmo período (que foi de 22,62%). Descontada a inflação, a Agência autorizou um aumento real de 14,63% para a SABESP no período, também sem qualquer consulta pública.

O Programa de Bônus teve início em fevereiro de 2014 para a região abastecida pelo Sistema Cantareira. Com o agravamento da situação dos mananciais, no início de 2015 a medida foi ampliada para todos os consumidores da Grande São Paulo e teve como resultado, segundo Relatório de Sustentabilidade 2015 da SABESP, a economia de 200 bilhões de litros ou o equivalente a 5,6 m³/s. Nesse mesmo período foi implantada a Tarifa de Contingência, medida prevista na Lei Nacional de Saneamento para situações de emergência, que criou a “sobretaxa” sobre aumento do consumo em relação à média do ano anterior. Desde sua criação, ainda segundo o Relatório SABESP, a “sobretaxa” atingiu em média 19% das economias, das quais 8% foram isentas do pagamento por estarem dentro da faixa de consumo mínimo – até 10m³/s mensais.

A combinação das duas medidas com a redução de pressão nas redes – que foi responsável por 50% da economia de água – teve um impacto significativo para a diminuição de 25% do consumo per capita da RMSP (de 159 litros por habitantes ao dia em 2013 para 120 litros por habitante ao dia em 2015). Essa conquista é resultado de sacrifícios e de investimentos individuais dos consumidores da Grande São Paulo com coleta de água de chuva, reaproveitamento de água e redução de desperdício. A conscientização foi incentivada por meio de campanhas publicitárias que custaram milhões aos cofres públicos e também da atuação da imprensa e da sociedade civil organizada. Mas por que, então, encerrar programa tão exitoso?

Em dezembro passado, a Agência já havia alterado sem consulta prévia as regras para o desconto, que na prática tornou muito mais difícil sua obtenção, mas mantinha o Programa de Bônus e Tarifa de Contingência e do Programa de Bônus até final de 2016 (deliberações ARSESP 615 e 614, publicadas no D.O em 24/12/2015). A decisão foi baseada em ofício da SABESP com dados favoráveis sobre os resultados do Programa e justificativa de que, mesmo com a tendência positiva de recuperação dos reservatórios por causa das chuvas, continuavam vigentes as restrições de retirada de água do Sistema Cantareira impostas pela Agência Nacional de Água – ANA e pelo Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE. Essas restrições continuam em vigor.

No Relatório de Demonstrações Financeiras 2015, divulgado pela SABESP no final de março, é possível verificar que o Programa de Bônus teve impacto negativo no lucro líquido da empresa, que foi de R$ 536,6 milhões, inferior a 2014 quando a empresa teve lucro de R$ 930 milhões. Segundo o relatório, o Programa de Bônus “custou” R$ 912,1 milhões e a tarifa de contingência gerou R$ 499,7 milhões. A explicação para o pedido de encerramento de medidas tão importantes, ao que tudo indica, tem razões meramente financeiras e é absolutamente desproporcional ao processo de educação do consumidor para decisões de consumo mais conscientes e responsáveis.

Neste sentido, é alarmante o silêncio e omissão das instâncias de gestão de recursos hídricos e saneamento, que deveriam promover processo de consulta com a sociedade e uma avaliação mais criteriosa sobre os impactos do potencial aumento do consumo de água quando as represas ainda não atingiram níveis satisfatórios para essa época do ano. O encerramento prematuro e sem reflexão do Programa de Bônus e da Tarifa de Contingência reforçam o atual modelo tecnocrata das águas e transmitem uma mensagem equivocada: prejudica quem investiu e incentiva o retorno a padrões de consumo que não são mais viáveis em um futuro cada vez mais incerto em relação à disponibilidade de água na Grande São Paulo.

A estiagem 2014/2015 foi um momento agudo de uma crise estrutural que é resultado de um modelo de gestão que prioriza buscar água cada vez mais longe em detrimento de cuidar das fontes de água existentes, combinado com sérios problemas de participação de controle social.

A construção de segurança hídrica, portanto, passa necessariamente pelo enfrentamento de suas causas, e não será bem sucedida se não for o resultado da articulação de esforços de diferentes instâncias de governo e da sociedade.

Cientes de que o legado de enfrentamento da crise deve ser compartilhado, defendemos:

1 – A revogação imediata da deliberação ARSESP nº 643/2016, que autoriza novo reajusta anual tarifário.
2 – A revogação imediata das deliberações ARSESP nº 640 e 641 e manutenção do Programa de Bônus e Tarifa de Contingência enquanto vigorarem as regras de restrição de retirada de água do Sistema Cantareira impostas pela ANA e DAEE;
3 – A revisão das regras para obtenção do desconto definidas pela deliberação ARSESP nº 614 /2015, de forma a evitar desestímulo à economia de água;
4 – A promoção pela ARSESP, em conjunto com as instâncias de recursos hídricos, municípios e sociedade civil, de debate sobre inclusão descontos e multas no âmbito do processo de revisão tarifária, que, segundo dados divulgados na imprensa, deve ser enviada pela SABESP para a ARSESP ainda em 2016.”