Viajar para Roma no verão italiano requer planejamento

30/09/2016 20:30 / Atualizado em 07/05/2020 04:13

Viajar para a Itália no alto verão requer de tudo um pouco: estudo, pesquisa, condicionamento físico, emocional e a consciência de que, como você, milhares e milhares de turistas se preparam para a mesma jornada. Caso não tenhas feito a lição de casa (guias, hotéis, tempo e dinheiro), prepare-se para o caos.

Some a isso as roupas adequadas para uma bagagem enxuta, tendo em mente o calor escaldante da estação. Arrastar malas volumosas pelas estreitas ruas das cidades e reduzidos espaços em trens é brega e causa transtornos.

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Vista do Arco de Constantino, em Roma[/img]

O check in no Hotel Babuino veio com grata surpresa: up grade de quarto pelo mesmo valor. Atravessamos a estreita Via del Babuino (o hotel ocupa dois prédios) e deparamos com um duplex, cujas janelas davam para a movimentada rua… E para os antigos telhados romanos. O céu avermelhado às 21h e a lua prateada na madrugada faziam parte do cenário.

O centro de Roma, onde ficamos, é cool, seguro, cheio de lojinhas descoladas, restaurantes e muitas construções históricas. As Piazzas del Popolo e di Spagna, a duas quadras, concentra jovens, artistas, concertos e as belas Igrejas Gêmeas. Na direção contrária, um pouco mais distante, a Fontana di Trevi. Ou seja, dá para fazer tudo a pé, daí a importância de calçado rasteiro, confortável.

Sabendo que chegaríamos cedo, planejamos visita ao Coliseu, Fórum Romano e Palatino na mesma tarde. Um mar de turistas. Fechamos com a Livitaly (www.livitaly.com), que tem acesso exclusivo a pontos pouco prováveis como a arena do Coliseu –e calabouço. O ponto de encontro foi marcado na saída da estação de metrô Coliseum , bem ao lado do Coliseu. Um formigueiro de gente e vendedores ambulantes cujo carro-chefe era o famoso… ‘pau de selfie’.

Éramos apenas oito pessoas. Perita no assunto, a guia (italianíssima) Márcia nos levou a um maravilhoso passeio, explicando em detalhes história, cenário e as intervenções. Disse, por exemplo, que as centenas de buracos nas enormes paredes de pedra do Coliseu são decorrentes do furto de metais, mármore e estátuas, durante período de grande pobreza em Roma. Detalhista e com um daqueles livros que mostram como eram e como estão os monumentos.

O passeio, cujo trajeto, cheio de ruínas (casas de Augusto, Adriano, Lívia…), remete aos livros de história, durou cerca de três horas e terminou nos jardins do Palatino. Maravilhoso, porém, extenuante. Como fizemos todo o percurso a pé, o retorno foi cansativo e não víamos a hora de chegar ao hotel. Caldo, molto caldo. Roma é para se conhecer lentamente, desvendar ruelas e encontrar tesouros da gastronomia. Evitar fluxos turísticos e lugares óbvios deve ser regra, mas em determinados pontos não dar para evitar.

Uma das piores experiências foi justamente na Capela Sistina, Museu do Vaticano. Apesar de termos também fechado tour –caro– com antecedência, na Viatour (www.viatour.com), abandonamos o péssimo guia logo na entrada –tamanha confusão. E como o museu é enorme –lotado– não dá para recuar com milhares de visitantes na cola. O negócio é seguir a multidão. Mais de uma hora. A certa altura, esquecemos as obras e só queríamos sair de lá –árdua tarefa.

Já uma das melhores visitas foi à Basílica de São Pedro através de outro tour (Ufficio Scavi –[email protected]), encontrado após muita pesquisa. Com protocolo em mãos, dirige-se a uma entrada lateral, onde estão os guardas suíços com uniforme engraçado – que lembra fantasia de Carnaval –e mostra-se o ticket impresso, carimbado antes no furgão com as inscrições Ufficio Mobile, logo ao lado.

O tour, que demos sorte de fazer com uma brasileira, paulistana, foi fascinante e tranquilo (seis conterrâneos). Ao final, perguntei como ela tinha ido parar no Vaticano. Disse que estudava História, na USP, e optara por Latim –motivo de indagação entre os colegas. A resposta, em tom de brincadeira, era sempre a mesma: “Algum dia vou trabalhar no Vaticano!” “E aqui estou!”.

 
 

Trata-se do antigo Circo de Nero e onde São Pedro foi, de fato, crucificado. Desliza-se por um cemitério pagão subterrâneo, descoberto nos anos 1940, cuja escavação silenciosa tinha o propósito de evitar bombardeios nazistas. Os restos mortais do mártir estão bem abaixo do púlpito da igreja atual, junto a outros mausoléus que pertenceram a famílias escravas, trazidas da Grécia pelos imperadores e que chegaram a enriquecer com o trabalho de anos. Cristã, perseguida, a maioria ardeu nas tochas humanas de Nero.

O circuito dá acesso à Basílica sem precisar enfrentar a interminável fila. Uma vez lá dentro, prepare-se para uma multidão fanática que disputa a tapa um bom lugar para a foto. Escapamos ilesos e preferimos remar ao contrário, subindo uma escadaria que nos trouxe de volta às vias e lugares mágicos da cidade.

 
 

Desvendamos igrejas, pátios, ruelas… Atravessamos aquedutos sobre o Rio Arno, sempre cercados de belas estátuas que despontavam a cada esquina e… Fofas gaivotas. Os pássaros pousam nas grades do rio, nos carros estacionados e tingem as pobres esculturas com o serviço sujo.

Bater perna à noite é uma ótima opção. O tempo fica ameno e há poucos turistas. As maravilhosas fontes podem ser admiradas de perto, assim como a deslumbrante arquitetura dos prédios clássicos –alguns milenares. Acrescente as luzes da cidade. Um espetáculo. Bares e restaurantes abertos e táxi para todo lado.

Restaurantes com estrela Michelin precisam de reservados antecipadamente. Tentamos o La Pérgola, mas havia lista de espera de seis meses. No Ìmago (Hotel Hassler), optamos pelo menu degustação, que incluía duas taças de Dom Pérignon. Mas a estrela etílica da noite foi o Chardonnay Lídia Piemonte, com perfume e notas musicais (rs). O melhor vinho branco do mundo. Dez pratos mais sobremesa. Pequenas poções de amor.

Depois do café, bateu uma vontade louca de fumar um cigarro. O maître nos conduziu até o elevador e indicou o Palm Court, no térreo. O lugar, aberto, é simplesmente esplendoroso, com paredes de pedra, heras, fonte, estátuas e bar em formato de enorme ostra em neon. Boquiabertos, lastimamos não ter reservado jantar naquele oásis romano.

De volta ao hotel, calçamos havaianas, abrimos um champanhe e partimos rumo à Trevi –bebericando no gargalho da garrafa. Alguns vendedores suspeitos de flores (ou restos de flores) se aproximavam, mas, percebendo meu tamanho –e loucura–, não insistiam. Chegando ao destino, constatamos que a Fonte passava por reforma, ou seja, estava fechada e ponto (percebe a importância da pesquisa?). Vimos que outro casal teve o mesmo desfecho.

Imagens dela em atividade eram veiculadas no telão. Atrás das grades, centenas de moedinhas reluziam sob os feixes de luz. Para manter a tradição e retornar um dia à cidade, demos as costas e atiramos os metais no local específico –sob a vigília de dois guardinhas.

Decidimos que os próximos dias seriam dedicados ao ócio. Desvendaríamos Roma por conta própria. Mas havia outro restaurante reservado pela frente. Tentamos até desmarcar mas perderíamos dinheiro. Trata-se do Mirabelle (Hotel Splendide Royal), na Via di Porta Pinciana, cuja vista ao pôr do sol é de tirar o fôlego. De lá, vê-se Roma inteira. A comida chega à mesa como obra de arte mas o sabor não corresponde ao visual. O vinho e o sunset compensam.

Um adendo: os dois restaurantes exigiam blazer para os homens. Como obviamente não levei o item, comprei um na loja Zara que, diferentemente do Brasil, tem roupas lindas e baratas.

Na saída, pedimos ao taxista uma volta ao redor do Coliseu. Queríamos ver o prédio à noite, iluminado –o que o torna ainda mais bonito. Descemos na Piazza Navona, completamente envolvidos pela tênue iluminação e passamos um bom tempo admirando as esculturas nas Fontanas di Nettuno e del Moro, cercadas de prédios históricos.

Durante o dia, já tínhamos iniciado a peregrinação por lojas, bares e restaurantes do centro –a melhor região para esse tipo de incursão. Nas vias adjacentes à Babuino (Condotti, Borgognona, Corso, Frattina…) encontra-se todas as marcas de luxo: Diesel, Armani, Dior, Hermès, Prada, Gucci e por aí vai. Mas há, também, lojas como a Zara e Desigual, com preços mais acessíveis, e outras, pouco conhecidas, que se revelam boas surpresas.

Na pequena travessa Laurina, 43, por exemplo, fomos seduzidos pelas roupas estilo vitoriano, meio dândi, gótica, da Epicentro. O estilista, japonês, mora em Londres e vende o produto para pouquíssimas lojas da Europa (marcas Golden Steampunk, Phaze, Red Queen’s Black Legion e outras). E o que dizer das farmácias? Um mundo à parte, com esmaltes e produtos de beleza que levam as mulheres incautas a grande despesa.

Uma igreja aqui, um gelato ali, uma salada caprese, um spritz…. Aliás, os dois últimos itens são os mais consumidos na fervilhante Roma. Salada: rodela grossas de muçarela de búfala, tomate, manjericão, azeite e limão siciliano. Drinqu: licor aperol (à base de laranja), champanhe, água com gás e uma rodela de laranja.

Nada como sentar-se à mesa ao ar livre e observar os costumes dos outros. A mulherada arrepia nas lambretas (scooters) e os carrinhos pequenos (smart) invadem as ruas. A capital italiana tem trânsito caótico, ruas estreitas e pouco espaço para estacionamento.

A passagem por Roma foi tão intensa que nem tivemos tempo para o coquetel de recepção oferecido pelo hotel. Partimos para Florença com mais bagagem do que pretendíamos e, claro, foi um perrengue. É sempre bom chegar ao vagão antecipadamente para guardar as malas.

Viajamos ao lado de um casal brasileiro, de Minas. Estavam em lua de mel e tinham acabado de chegar de Veneza. Só paramos de conversar quando surgiram as casinhas de pedra, as ruínas, os campos de girassóis, as videiras e os trigais.

Relato por Leonardo Raposo, do blog Vila Madalena