25 anos de “Capão Pecado”: Ferréz celebra clássico e sonha em eternizar a literatura da quebrada

No Sesc, escritor fala em “dinastia da periferia”, anuncia novos projetos e mostra que o Capão continua ditando o futuro da cultura na periferia

24/09/2025 10:30

O Sesc Consolação virou palco de um daqueles momentos que parecem costurar o passado e o futuro ao mesmo tempo. Ferréz reuniu leitores, artistas e amigos para celebrar os 25 anos de “Capão Pecado”, livro lançado em 2000 e que mudou para sempre a forma como a literatura brasileira enxerga a periferia.

O clima era de festa, mas também de reflexão. Com o microfone na mão e o carisma de quem fala para sua gente, o autor deixou claro que não queria apenas revisitar memórias. O objetivo era projetar os próximos passos — e eles são ousados. Ferréz anunciou a criação de uma nova empresa, prevista para dezembro, com a proposta de funcionar “sem regras e sem filtro”. “Não temos que ter limites quando se trata da periferia e do nosso povo”, afirmou.

Um grito que ecoa há 25 anos

Quando chegou às prateleiras no início dos anos 2000, “Capão Pecado” era mais que literatura: era denúncia, era poesia das ruas, era resistência. Pela primeira vez, o Capão Redondo e a quebrada paulistana apareciam como protagonistas de uma narrativa, com linguagem crua, ritmo de rap e sentimentos que qualquer leitor podia reconhecer — dor, afeto, violência, amor.

O impacto foi tão forte que o livro acabou inaugurando um movimento: a chamada literatura marginal, que inspirou gerações de escritores e abriu espaço para novas vozes periféricas em editoras, universidades e saraus. Hoje, 25 anos depois, é comum ouvir jovens autores citarem Ferréz como referência direta para suas próprias trajetórias.

Durante o evento, Ferréz falou sobre seu desejo de construir uma “dinastia da quebrada”. “Está na hora de nomes da nossa quebrada ficarem imortalizados. Trazer uma nova forma de alimentar a história e trazer à tona a cultura de novas famílias”, disse, sob aplausos.

A comemoração também serviu para reforçar frentes já abertas pelo autor. A Comix Zone, editora de quadrinhos que ele dirige, segue em expansão; a marca 1Dasul continua firme como símbolo da periferia; e um novo site vem aí, junto com parcerias estratégicas. A ideia é que todas essas ações formem um projeto coletivo de longo prazo, capaz de gerar impacto real: “Pense comigo: tem que estar bom para muita gente. Só para uma minoria não adianta”.

Do Capão para o mundo

Ferréz nunca deixou de ser um homem do Capão Redondo. É dali que ele escreve, cria e empreende. Mas sua voz já atravessou fronteiras: além de “Capão Pecado”, ele publicou “Manual prático do ódio”, “Ninguém é inocente em São Paulo” e “Deus foi almoçar”, com traduções em países como Itália, Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, Portugal e Estados Unidos. Lá fora, a periferia paulista virou tema universal, mostrando que desigualdade, resistência e afeto têm sotaques diferentes, mas falam a mesma língua.

Quem acompanha Ferréz sabe: ele não cabe só na estante. Além de escritor, já foi rapper, empresário, agitador cultural. Sua trajetória mistura literatura, música, moda e empreendedorismo — tudo sempre atravessado pelo desejo de transformar a quebrada. Por isso, ao falar em mais 25, até 50 anos de futuro, ele não está apenas pensando em sua obra, mas em criar um ecossistema de cultura e economia que mantenha viva a potência da periferia.

No Sesc, entre abraços e memórias, o recado foi claro: “Capão Pecado” foi só o começo. O que vem pela frente é um projeto coletivo para que as próximas gerações possam não apenas escrever suas histórias, mas também viver delas.