Quando um grupo de amigos se une em torno de uma paixão, você pode esperar um resultado incrível. Adriano Nascimento, Flávio Vignoli, Gabriel Nascimento, Luis Matuto, Olavo D’Aguiar, Ricardo Donato e Vitor Paiva são os responsáveis pelo 62 Pontos, um coletivo dedicado a uma missão muito nobre: preservar as técnicas de impressão tipográfica, uma arte quase em extinção.
Apaixonados por imprimir cartazes artesanalmente, os sócios apostam na tipografia feita com tipos móveis (moldes com formato de letras e outros caracteres), além de gravuras. E a criatividade é a marca registrada desses profissionais!
É como se cada tipo móvel fosse uma caixinha. No topo, fica uma letra gravada em relevo e espelhada. Basta combiná-las para formar o texto desejado, como se fosse um carimbo, mas com maior nível de rigor e precisão. E essa lógica permanece a mesma desde os tempos imemoriais. Figuras importantes como Gutenberg, em 1450, na Alemanha, e Bi Sheng, em 1045, na China, trabalhavam dessa mesma forma.
Entretanto, isso não significa que essa é uma arte parada no tempo. O sócio Gabriel Nascimento defende que a prática apenas evolui de maneira diferente. Embora o princípio seja o mesmo, não se faz tipografia como os humanistas ou os iluministas faziam.
“Apesar de diversos, nossos trabalhos são pautados pelos desafios impostos pela própria técnica tipográfica, como o número restrito de tipos móveis que possuímos, as limitações de maquinário e as próprias dificuldades do processo. Por isso, nossos caminhos criativos são uma mistura de muito planejamento e improviso”, detalha.
Foi assim que nasceu, por exemplo, o cartaz Esotérico. Tudo começou com uma brincadeira realizada em um momento em que faltou a letra R e o coletivo percebeu que, se imprimisse um P e o sobrepusesse com um Y de cabeça para baixo, isso poderia lembrar o R.
“A partir desse improviso, estruturamos o cartaz tentando montar as letras por meio dessa mistura. Isso não era gratuito, pois percebemos que, assim, conseguíamos traduzir melhor a ideia de mistérios com a estranheza causada por essa apresentação inusitada das letras”, comenta.
Arte gráfica artesanal
O coletivo 62 Pontos quer mostrar para as pessoas que as técnicas de impressão não são completamente substituíveis. Cada método possibilita acabamentos e resultados diferentes e únicos.
“O respeito que precisamos ter à técnica, os percalços e os improvisos fazem o ato de imprimir algo bem vivo e dinâmico. As texturas, pequenos erros e encaixes são sempre surpresas que dão muita vida ao nosso material”, completa o sócio.
Por ser manual, a impressão tipográfica é feita de maneira meticulosa. Não só as cores são transferidas para o papel separadamente, como os próprios cartazes são impressos um a um. Não há espaço para a pressa nesse processo!
O mais incrível é que, resumidamente, os materiais utilizados por esses artistas do design são apenas uma matriz, a tinta, o papel e a máquina para fazer pressão. Mas as possibilidades criativas são infinitas, até porque essa matriz pode ser montada com tipos de chumbo e de madeira, de xilogravura (impressão feita a partir de entalhes na madeira), de linoleogravura (a partir de recortes de linóleo colados em uma base) ou de qualquer outro material com a altura de 62 pontos (ou 23,56mm). Basta soltar a imaginação.
“Mesmo inseridos nesse mundo imediatista, a tipografia nos obriga a reduzir o ritmo. A pressa, aqui, ou vai deixar o material quebrado ou algum dedo. Esse ato de repensar o tempo é extremamente necessário, ainda mais em uma época em que o tempo e a qualidade dentro do ato do trabalho e do ofício estão tão precarizadas”, reflete Gabriel.
Ao mestre, com carinho
A jornada dos sete amigos por esse mundo teve início com o Seu Matias, considerado um dos últimos tipógrafos tradicionais ainda em atuação. É ele quem comanda a Tipografia Matias, uma gráfica muito especial em Belo Horizonte (MG).
Quando o volume de trabalho desse mestre reduziu, dois professores da Universidade FUMEC (Rafael Neder e Flávio Vignoli) estruturaram um workshop de impressão tipográfica que despertou o interesse de todos os futuros integrantes do coletivo 62 Pontos.
O encantamento com esse universo fez com que eles percebessem a importância de preservar essa memória e de tornar a tipografia o mais sustentável possível, sem ser custosa para todos os envolvidos.
Com isso em mente, em 2017 nascia o 62 Pontos, espaço pensado para as pessoas se dedicarem às suas produções sem ocupar a Tipografia Matias, que tem as suas demandas comerciais.
E para espalhar ainda mais a palavra da impressão tipográfica, o coletivo realiza workshops e eventos de gráfica aberta, além de marcar presença em feiras com demonstrações ao vivo do seu trabalho.