Será que, em meio a uma cidade cinza, onde todos caminham apressados, sem desgrudar os olhos do celular, ainda é possível formar conexões genuínas entre as pessoas? Esse foi o desafio das empreendedoras Claudia Kievel e Gladys Tchoport em 2013, ao criar a Feira Jardim Secreto, dedicada aos produtores artesanais independentes.
“Enquanto discutíamos nossas ideias, pensamos no filme ‘The Secret Garden’ (1993), que conta a história de uma órfã que vai morar com o tio em uma mansão e descobre um jardim secreto no terreno. Ela cuida daquele espaço, transformando-o em um lugar incrível, aonde todos querem ir. Era essa a experiência que queríamos proporcionar com a feira”, conta Claudia.
A receita para o sucesso envolvia um evento a céu aberto, com muito verde, repleto de música e atividades culturais, oficinas para estimular a criatividade e pequenos produtores apaixonados pelo fazer manual. E o que começou ocupando pequenos quintais pela cidade passou a dar nova vida à Praça Dom Orione, no Bixiga, reunindo mais de 200 expositores, sem contar as edições especiais no MIS – Museu da Imagem e do Som e na Cinemateca.
“O fazer a mão é algo que envolve muito afeto, né? Em SP ficamos muito carentes de ter contato com coisas que tenham um motivo de existir de verdade sem ser financeiro. Eu entendo o fazer artesanal como um resgate à ancestralidade, porque é um momento de conexão único, como se fosse uma meditação. Você se concentra somente naquilo e o trabalho só vai ficar bom se você realmente estiver presente”, reflete Kievel.
Para a dupla, inclusive, esse desejo de conexão estava presente em uma espécie de inconsciente coletivo. E isso se traduziu em números: “saltamos de um público de 300 pessoas para um evento que reuniu 20 mil pessoas em dois dias em 2016”, completa Claudia. Assim, a Feira Jardim Secreto se transformou em um importante espaço de intercâmbio de experiências e saberes.
Criando conexões poderosas
Depois de um ano e meio alegrando as ruas do Bixiga, as sócias sentiram a necessidade de ampliar o relacionamento entre os expositores. Nascia assim, em 2018, mais um projeto: a Casa Jardim Secreto. Também no Bixiga, o espaço ficava aberto permanentemente, permitindo que as marcas se aproximassem ainda mais, estimulando-se mutuamente a criar.
“Na verdade, a casa era muito pequena para tudo o que poderia acontecer. Começamos a ver marcas crescendo, se estruturando e se tornando empresas mesmo. Foi muito bonito acompanhar isso, porque significava que os empreendedores não ficariam na informalidade, todo aquele investimento pessoal se tornaria algo sólido”, orgulha-se Kievel.
Esse movimento acontecia em paralelo com a Feira Jardim Secreto, conquistando novos adeptos a cada dia. De repente, a casa precisou migrar para um galpão. Nove projetos foram convidados por Claudia e Gladys para ocupar um lugar maior no centro de SP. A ideia germinou: mais de 130 produtores estiveram presentes no Galpão Jardim Secreto ao mesmo tempo, pregando consumo consciente e fazendo a economia girar para essas marcas.
“Todos os encontros presenciais são legais, porque é uma oportunidade para os empreendedores se fortalecerem, se conhecerem e saberem que não estão sozinhos. Todos relatam que, na semana pós feira, as vendas crescem, porque ganham visibilidade e as ideias borbulham na cabeça. E um incentiva o outro a produzir da maneira mais sustentável possível”, afirma Claudia.
Mas o sonho de apoiar os trabalhadores artesanais não parou por aí. A Jardim Secreto se tornou um selo de qualidade. As marcas podem se inscrever se cumprirem os seguintes critérios: matéria-prima responsável / ecofriendly, comércio justo (envolve o custo de produção, a remuneração da mão-de-obra e o valor cobrado do consumidor final), produção local (precisa valorizar a cultura regional), feito à mão (pelo menos um dos processos precisa acontecer dessa forma) e inovação no design / função / estética. A premiação sempre acontecia durante o Festival Jardim Secreto, uma versão bem maior da tradicional feira.
No entanto, a pandemia de Covid-19 obrigou as sócias a se reinventarem. A conexão entre as pessoas migrou para o ambiente virtual. Surgiu assim a loja online, em funcionamento desde maio de 2020. Os visitantes encontram acessórios, itens de papelaria e decoração, roupas, produtos para a pele e o cabelo, aromatizadores, comidinhas e outros mimos bem criativos. E, infelizmente, o Galpão Jardim Secreto fecha as portas no dia 10 de maio. “Mas em breve teremos novidades”, antecipa.
Da mesma forma, o processo de curadoria dos produtores enfrentou mudanças. Antes, havia uma inscrição online e a dupla fazia uma triagem e marcava reuniões com os selecionados. Era a chance de conhecer profundamente aquelas histórias fascinantes.
Agora, tudo está restrito ao virtual. O cenário não é o ideal, mas as sócias seguem na batalha pela valorização do fazer artesanal e pela criação de espaços onde as pessoas possam respirar, sem a obrigação de consumir desenfreadamente.