Produção de memórias: Super Camera propaga amor pela fotografia analógica

Belo Horizonte

Produção de memórias: Super Camera propaga amor pela fotografia analógica

Artesanal Fotografia

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Produção de memórias: Super Camera propaga amor pela fotografia analógica

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Motivada pela missão de tornar essa arte mais acessível, a graciosa loja no centro de BH produz artesanalmente filmes e câmeras reutilizando materiais

Publieditorial

Toda a magia da fotografia analógica começa logo depois do clique, quando a luz capturada pela lente da câmera provoca uma reação química e aglutina os cristais de sais presentes no filme. Esse material exposto à luz, depois de uma série de procedimentos no laboratório, vai dar origem a uma imagem negativa, que será invertida, ampliada e impressa no papel.

Esse processo químico é o que fascina Bernardo Silva, dono da Super Camera, uma simpática lojinha no Velho Mercado Novo, no centro de Belo Horizonte, que é um verdadeiro paraíso para os amantes de produtos relacionados ao universo da fotografia analógica.

A Super Camera é um verdadeiro paraíso para os amantes de produtos relacionados ao universo da fotografia analógica
Créditos: Allan Hipólito | Catraca Livre
A Super Camera é um verdadeiro paraíso para os amantes de produtos relacionados ao universo da fotografia analógica
Catraca Livre e Eisenbahn uniram forças para criar o Guia Artesanal, um roteiro que valoriza um estilo de vida calcado no fazer, com atenção e paixão em cada detalhe.

O que mais chama atenção na loja é o fato de ser um dos poucos lugares no Brasil onde é possível encontrar filmes para câmeras analógicas de qualidade, em diferentes formatos e por um preço bem camarada. E são eles mesmos que fazem os próprios filmes de forma artesanal reaproveitando películas cinematográficas, vendidos com o nome de Super Filme.

“Com a pandemia, quase tomamos um tombo, porque os filmes ficaram ainda mais caros, sobretudo com a interrupção do fornecimento da Kodak, que é uma importante parceira, para o Brasil”, explica Bernardo sobre a escassez de filmes pela qual passa o mercado de fotografia analógica no país. “E o propósito da Super Camera sempre foi democratizar o acesso à fotografia analógica, que ainda está em um lugar elitista, de altos preços.”

A solução encontrada pela Super Camera surgiu do garimpo. Bernardo conta que, em novembro de 2020, quando o mercado brasileiro já estava carente desse produto, um amigo disse que encontrou uma pessoa vendendo latas de 122 metros de filmes de cinema na internet.

“Existe uma prática de rebobinar as latas de filmes de cinema em cartuchos para máquinas fotográficas comuns. O cara tinha uma produtora de vídeo e guardava 42 latas lacradas de cinco tipos diferentes. Ele me passou o orçamento, que era um investimento bem alto, mas eu não podia perder essa oportunidade. E ainda corria o risco de estar tudo estragado, porque o filme tem matéria orgânica e apodrece”, lembra o fotógrafo.

A Super Camera produz seus próprios filmes usando película de cinema como matéria prima
Créditos: Super Camera | Divulgação
A Super Camera produz seus próprios filmes usando película de cinema como matéria prima

Por sorte, todas as latas estavam em perfeitas condições e o investimento foi o suficiente para produzir cerca de 4 mil filmes comuns. E, como não poderia ser diferente, o estoque desse produto, anunciado no site da Super Camera, foi quase todo vendido em pouquíssimo tempo.

Para rebobinar manualmente todo esse filme, Bernardo precisou desenvolver um novo processo artesanal. Com a ajuda de um marceneiro parceiro, do próprio Velho Mercado Novo, ele projetou um rebobinador grande o suficiente para rodar a lata de 122 metros e uma faca que corta a ponta dos filmes em forma curva, dando aquele charme especial.

A Super Camera ainda criou uma embalagem retrô cheia de graça, que é impressa em silk screen em uma gráfica, também do próprio mercado, e montada manualmente pelos colaboradores da loja. Ou seja, tudo é feito artesanalmente e com muito amor.

Além de produzir o próprio filme, o espaço revela filmes coloridos, em preto e branco, de cinema e slides; digitaliza todos os processos e vende câmeras antigas e acessórios.

Menos lixo, mais fotografia!

Cansado de ver as câmeras descartáveis reveladas no laboratório indo para o lixo, o empresário resolveu reaproveitar esse material para desenvolver artesanalmente a Supercamera 215E, um projeto sustentável e calcado na economia circular aliado à paixão pela fotografia analógica.

“Comecei a receber muitas câmeras descartáveis e não fazia sentido jogar tudo fora, pois era muito plástico e componentes eletrônicos. Um dia, desmontei a câmera inteira, fiz algumas adaptações e descobri uma forma de recarregá-la. Depois de alguns testes, tinha um resultado lindo”, acrescenta.

A Supercamera 215E é um projeto sustentável da marca e calcado na economia circular, já que dá novo uso à câmeras descartáveis
Créditos: Super Camera | Divulgação
A Supercamera 215E é um projeto sustentável da marca e calcado na economia circular, já que dá novo uso à câmeras descartáveis

Para consolidar a ideia, a loja foi convidada para participar do MECA, um importante festival de música que aconteceria no Instituto Inhotim, um museu incrível que funciona dentro de um jardim botânico na cidade de Brumadinho. Além de fornecer 100 dessas câmeras para a produção, a Super Camera montou um laboratório em um contêiner no meio da floresta.

As câmeras foram, inclusive, parar nas mãos de feras como o fotógrafo carioca Fernando Schlaepfer, do coletivo I Hate Flash, e da cantora Duda Beat. E, devido ao sucesso da experiência, pouco tempo depois, a loja foi convidada para participar do festival Sarará.

Desde então, Bernardo começou a alugar a Supercâmera 215E, o que esgotou o produto em pouco tempo. O cliente comprava a câmera por um determinado valor e, na hora de revelar as fotos, podia pagar metade da quantia para recarregá-la com filme. Quando não precisasse mais da máquina, era só devolvê-la.

O equipamento não-mais-descartável também foi usado pela fotógrafa Iulle Pieroni para criar a foto que estampa a capa do disco “BE$T $ELLER OF DJONGA”, do DJ Coyote Beatz, que trabalha com o rapper Djonga.

Por conta da escassez de filmes no mercado e de alguns equipamentos que não foram devolvidos, o projeto de aluguel da Supercamera 215E precisou ser interrompido momentaneamente. Mas Bernardo segue garimpando oportunidades e pretende retomar a iniciativa em breve.

Descoberta pelo processo

O que despertou o interesse do empresário pela fotografia analógica foi a câmera digital que Bianca, sua irmã gêmea, ganhou de sua tia por volta de 2008, quando ela entrou para a faculdade. Aquele objeto cheio de botões, que quase sempre produzia imagens meio escuras e fora de foco, fez com que o jovem começasse a estudá-lo cada vez mais.

Alguns anos mais tarde, quando já estava arrasando nos cliques, Bernardo largou um bom emprego fixo para virar fotógrafo de casamentos. E a paixão pela fotografia analógica nasceu aí.

“Depois de um tempo, comecei a ter certo desconforto com o trabalho nos casamentos, pois achava tudo bem genérico e que o mercado inteiro entregava um resultado muito parecido. Então, comecei a estudar os processos analógicos para entender o que poderia fazer diferente e passei a misturar o analógico e o digital”, relata.

A curiosidade pelos processos químicos fez com que Bernardo montasse um laboratório de revelação, em 2017, no espaço que o Coletivo Mofo – um dos principais grupos responsáveis pela recente redescoberta da fotografia analógica em BH – mantinha na ocupação artística do Edifício Almeida.

O ambiente da loja física da Super Camera no Velho Mercado Novo é um sonho pra qualquer apaixonado por fotografia analógica
Créditos: Super Camera | Divulgação
O ambiente da loja física da Super Camera no Velho Mercado Novo é um sonho pra qualquer apaixonado por fotografia analógica

Depois que o coletivo precisou sair da ocupação artística, Bernardo e um amigo receberam o convite para abrir uma loja dedicada exclusivamente à fotografia analógica no Velho Mercado Novo. A galeria antiga, que até então estava praticamente abandonada, passou por um bonito processo de revitalização e renovação, ganhando nova vida.

Assim, em dezembro de 2018, nasceu a Super Camera, uma mistura de loja e laboratório, que logo se tornou um lugar importante para a comunidade da fotografia analógica em BH.

Para Bernardo, a foto analógica faz parte de um processo de construção de memórias. “Hoje, produzimos registros e não memórias. Uma coisa não é melhor que a outra, mas a fotografia analógica ganha um status diferente à medida que você precisa de um tempo para vê-la acontecendo, para tornar uma imagem latente”, filosofa o empresário.

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