David Baker fala sobre os desafios da tecnologia nos próximos anos

"Acho que a tecnologia não prejudica as pessoas, nós que prejudicamos a nós mesmos com a tecnologia", afirma o escritor

Por Fernanda Miranda e Heloisa Aun

Acordamos ao som do despertador e, após desligá-lo, já começamos o dia interagindo com as dezenas de notificações no celular. Você já parou para pensar por que estamos sempre conectados? E quais malefícios esse hábito pode trazer? Para abordar essas questões, o Quem Inova conversou com o jornalista, escritor e consultor David Baker, baseado em Londres.

Foto: David Baker/Divulgação

Baker foi um dos fundadores e editores da revista Wired e hoje escreve regularmente para famosas publicações, como Financial Times e The Guardian. Durante essa semana, ele esteve em São Paulo para ministrar um curso sobre empreendedorismo na The School of Life.

Confira a entrevista com Baker, que conta um pouco sobre suas experiências com ciência e tecnologia e como o tema é essencial para todos nós.

Como a tecnologia entrou na sua carreira?

Sempre me interessei por ciência, mas era um amador. Fico intrigado porque acho que você não precisa ser cientista para saber sobre o assunto. Eu sou jornalista e professor, mas se você começa sua carreira em um lugar, isso não quer dizer que você não pode desbravar outros assuntos e profissões.

Fui um dos fundadores do Wired e comecei a escrever sobre inovação e os efeitos que a tecnologia traz às pessoas, não só positivos, mas também negativos.

E quais são os aspectos negativos da tecnologia?

Acho que a tecnologia não prejudica as pessoas, nós que prejudicamos a nós mesmos com a tecnologia. Eu sou velho o suficiente para lembrar como era a vida antes da internet e do celular, mas a diferença daquela época para essa é que agora tudo é mais rápido.

Antes eu me comunicava com outras pessoas através de cartas, que demoravam para ser enviadas, então havia tempo para pensar profundamente sobre o que escrever. Agora, não é fácil pensar cuidadosamente, porque as pessoas querem sua resposta em cinco minutos. Por isso, nós esperamos que os outros nos deem respostas também imediatas.

O problema é que a comunicação não é mais “face a face”. Em uma conversa entre amigos no bar, há sempre alguém usando o celular. Isso é rude, até desumano. E de repente, nós perdemos o respeito, o amor, o contato e a empatia entre as pessoas.

É possível se desconectar atualmente?

Não é fácil se desconectar, mas não precisamos estar sempre conectados. Nós que inventamos a cultura de estar sempre online.

Eu acho que a tecnologia deveria ser uma ferramenta. Nós temos várias ferramentas, mas não as utilizamos ao tempo todo. Eu não acordo de manhã e vou, por exemplo, usar uma serra na minha casa, pois eu a utilizo somente quando preciso. Nós deveríamos pensar na tecnologia desse modo: quando precisar, eu uso a tecnologia; se não, a deixo de lado, porque a vida humana é melhor.

Eu acho que as pessoas deveriam se desafiar a ficar sem celular por um tempo. Por duas horas, um dia inteiro ou até mesmo durante um final de semana. Algumas famílias já fazem isso e limitam seus filhos a ficar pelo menos um dia da semana sem. Eu mesmo já consegui ficar 21 dias desconectado.

Como foi essa experiência de passar 21 dias desconectado?

Não foi tão ruim quanto eu imaginava. Estava na minha casa em Londres e tive que ouvir meus CDs das prateleiras, porque não podia usar o Spotify. E os efeitos foram interessantes, porque a gente usa esse programa de modo fragmentado. Eu não ouvia álbuns, mas uma música e depois outra de um cantor diferente. Com os CDs, eu tive que ouvir o álbum inteiro. 

Sem celular, a experiência no ponto de ônibus também foi diferente. Ao invés de ficar usando o aparelho enquanto o ônibus não chegava, eu ficava olhando em volta, refletindo ou lendo um livro. E isso é bom, porque o tempo fica mais lento, mais prazeroso, você observa mais ao redor.

Eu também não pude usar o Google Maps, então tive que utilizar um livro com mapas que comprei em 1986. Eu era a única pessoa na rua usando mapas. Com o Google Maps, ficamos preguiçosos. Já com esse mapa, somos obrigados a imaginar a rota. E isso ativa uma função diferente no cérebro, o que é bom.

Desde que fiz essa experiência, tento manter tudo que aprendi. Ainda ouço CDS, utilizo mapas e fico observando as pessoas enquanto espero o ônibus.

Que dicas você daria a novos empreendedores?

Eu não tenho dicas, mas sim alertas. Em breve, todos nós teremos que pensar como empreendedores, pois precisaremos ver onde estão as frustrações do mundo e se podemos fazer algo para melhorá-las.

Em alguns anos, o que a gente faz será feito pelos computadores e o mundo do trabalho irá mudar. Se os computadores não pagarem nossos empregos, outros países irão fazê-lo, e parte por causa da internet e da conectividade. Ou seja, o que nós fazemos pode ser feito por outros. Nós teremos que ser empreendedores para tirar o máximo de proveito da capacidade de nossa habilidade.

Por que você costuma falar sobre a questão da simplicidade na comunicação?

As pessoas gostam de pertencer a grupos exclusivos, e dentro desses grupos as pessoas falam entre si em uma linguagem própria e com termos difíceis aos outros. E isso significa que quem não pertence ao grupo será excluído. O que é horrível, porque acredito por duas razões que todos os grupos deveriam se integrar.

Primeiro, porque quem está de fora precisa aprender. Segundo, porque grupos se beneficiam do olhar de quem está de fora. George Orwell escrevia tão bem e de um modo tão simples. Eu acho que o jornalismo e todas as outras profissões também deveriam fazer o mesmo.