O guia cigano

10 fatos que as pessoas precisam saber sobre os ciganos

13/06/2018 11:45 / Atualizado em 15/06/2024 23:20

As comunidades ciganas são uma das minorias que mais sofrem com o racismo na Europa. Desde a sua chegada no continente Europeu, partindo da Índia (por volta do século 13) foram vítimas de perseguição e até hoje são marginalizados. O conhecimento popular sobre a cultura cigana é baseado em mitos e descrições negativas, difundidos pelo sensacionalismo midiático.

Esse guia foi criado em colaboração com alguns membros das comunidades ciganas do leste Europeu (Romênia, Eslováquia e Hungria) residentes no Reino Unido, para mostrar o que eles gostariam que as pessoas soubessem sobre o seu povo, sua cultura e o seu modo de vida.

O guia cigano é uma parceria com a ONG Friends of Romano Lav e tem como objetivo estimular a desconstrução de estereótipos criando uma ponte para o diálogo intercultural.

1 – A maior minoria étnica da Europa

Os ciganos são a maior minoria étnica na Europa (European Comission: Acesse o site) – não existem estatísticas oficiais mas existe uma estimativa que existam de 10 a 12 milhões de ciganos em toda a Europa (Conciul of Europe Roma and Travellers Division: Acesse o Site). Eles não vêm somente da Romênia, como muitas pessoas pensam, mas sim de diferentes países Europeus.

2 – Originarios do Norte da Índia

Pesquisas em diversas áreas como linguística, antropologia cultural e genética descobriram que os ciganos são originários do norte da Índia (Factsheets on Roma: Acesse o Site). Apesar de não existirem dados precisos sobre quando deixaram a Índia, existem evidências que durante os séculos 3 e 5 começaram a sua jornada em direção ao Ocidente. Registros mais evidentes mostram uma presença forte na Europa desde o século 13. Existem ciganos vivendo em todos outros continentes.

3 – Cigano ou Romani?

O termo cigano carrega muitos preconceitos. Em 1971, no I Congresso Mundial Romani, sediado em Londres, as palavras Romani e Roma (“Rom” na língua cigana significa homem) foram escolhidas para definir esse grupo étnico. A terminologia Roma foi amplamente aceita por toda a União Europeia, apesar de alguns grupos ainda usarem a palavra cigano para descrever a si mesmos.

Para muitos a palavra cigano é ofensiva. Por exemplo, em um dos dicionários da língua Romena, a palavra “tigan” (cigano) é descrita com uma conotação negativa “uma pessoa de pele escura” ou “uma pessoa com maus hábitos”.

4 – Porajmos, o holocausto esquecido

Os ciganos foram vítimas de perseguição desde a sua chegada na Europa. Por 500 anos eles foram escravos na Romênia (Valáquia, Moldávia e Transilvânia). O Holocausto cigano (também conhecido como Porajmos) é sempre esquecido nas celebrações do dia da memória do Holocausto (27 de janeiro). Somente em 2015 o Parlamento Europeu votou por adotar uma resolução que reconhece “o fato histórico do genocídio dos ciganos que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial”.

(http://2august.eu/ep-recognition/). O dia da memória do cigano, celebrado no dia 2 de Agosto, evoca a vida de mais de 500.000 ciganos tiradas durante o Porajmos.

5 – Diversidade Cultural

Os ciganos são uma comunidade heterogênea, com diferentes línguas, culturas, religiões, tradições, regras e normas. Os diferentes subgrupos podem ser entendidos no contexto da história do seu país de origem.

Alguns ciganos falam Romani (língua comum entre muitos grupos ciganos) junto com a língua do seu país de origem. Outros falam apenas a língua do seu país de origem.

Apesar de ser um grupo heterogêneo, os ciganos mantêm o senso de pertença a uma cultura única.

6 – Nem sempre são nômades

Apesar dos ciganos estarem sempre associados a um estilo de vida nômade, 95% dos ciganos europeus têm moradia fixa. A maior razão da constante migração é para procurar oportunidades negadas no país de origem e fugir do racismo que ajuda perpetuar a sua marginalização.

7 – Preconceito

Os ciganos sofrem muito com os efeitos da pobreza e da exclusão social. Eles sofrem discriminação nas áreas da educação, emprego, moradia e saúde, e muitas vezes são impedidos de ter proteção social. Em países como a República Checa, Eslováquia, Hungria e Romênia, crianças ciganas são registradas em escolas para crianças com necessidades especiais. Em muitos locais, famílias são forçadamente desalojadas sem aviso prévio e em algumas cidades existem muros para separar ciganos dos seus vizinhos não-ciganos. Eles não têm um estado nacional independente para oferecer estrutura em uma certa área geográfica. Isso significa que os ciganos não têm um corpo político unificado para olhar e defender os seus melhores interesses.

8 – O dia do cigano

O dia 8 de abril foi oficializado como o Dia Internacional do Cigano, declarado em 1990, in Serock, Polônia, no quarto encontro mundial dos ciganos.

Muitas cidades na Europa organizam atividades e eventos durante esse dia. No Reino Unido, a cidade de Glasgow organiza uma parada anual, desde 2013, onde ciganos e não-ciganos marcham juntos contra o racismo e o preconceito, celebrando a diversidade cultural.

9 – História oral

A língua Romani é principalmente oral, com pouca tradição escrita (Literature General Introduction). Durante séculos a cultura e as tradições ciganas foram transmitidos oralmente, através de recursos criativos como contos, fábulas e músicas folclóricas. Inicialmente, a literatura produzida pelos ciganos foi definida como literatura oral. No século 20, autores ciganos de diferentes países começaram a escrever sua literatura em diferentes línguas e dialetos, usando diferentes sistemas de escrita.

Da esquerda para a direita: Juscelino Kubitschek, Michael Caine, Pablo Picasso, Charlie Chaplin e Elvis Presley

10 – Ciganos famosos

Apesar dos ciganos terem pouca representatividade nos veículos de comunicação, existiram e existem muitas pessoas ciganas famosas como Elvis Presley, Charlie Chaplin, Michael Caine, Pablo Picasso, Shayne Ward, o presidente brasileiro Juscelino Kubitscheck.

Sou cigana e não sou como você imagina

Marcela Adamova é fundadora da ONG Friends of Romano Lav, que desenvolve projetos para a integração e combate à discriminação de comunidades ciganas em Glasgow, na Escócia

Marcela, nos conte um pouco sobre sua vida e os preconceitos que você sofre por ser cigana.

Sou cigana, tenho 37 anos e ainda não sou casada. Vivo na casa que foi construída pelo meu pai.

Por minha pele ser branca e meus olhos azuis, muitas pessoas dizem que eu não pareço cigana. Mas como uma pessoa cigana deveria se parecer?

Eu prefiro estar num vilarejo porque cidades são muito agitadas mas a minha sobrinha está sonhando em viver numa cidade grande.

Eu não tenho nenhum grande problema na minha vida só porque eu sou cigana. Mas existem muitos problemas que os ciganos enfrentam por causa da desigualdade e discriminação que sofremos.

Eu gosto da música cigana da minha região. Ela é muito diferente da música cigana espanhola. Não existe uma cultura cigana única. Os ciganos são um grupo heterogêneo.

Tenho orgulho de ciganos famosos como Elvis Presley, Charlie Chaplin, Michael Caine ou Shayne Ward assim como muitos outros. Existem muitas pessoas famosas de origem cigana mas a mídia não menciona coisas positivas sobre os ciganos.

Eu estudo numa famosa universidade internacional na Hungria. Nós ciganos também temos sonhos e aspirações como muitas outras pessoas no mundo tem.

Ser cigano não é um crime. As pessoas criam estereótipos sobre os ciganos sem conhecê-los bem. Por favor, olhe o que foi escrito. Eu sou tão diferente de você?

Ciganos pelo mundo

As comunidades ciganas no Brasil

Nicolas Ramanush LeiteSegundo a ONU, apesar de não existirem estatísticas oficiais, cerca de 500 mil ciganos vivem no Brasil, espalhados em 337 municípios de 21 estados. As pesquisas e relatórios da Associação Internacional Maylê Sara Kali (http://www.amsk.org.br/) são uma das poucas referências sobre as comunidades ciganas no Brasil.

Apesar de alguns progressos, como serem protegidos pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais e a oficialização do dia nacional do cigano (24 de maio) pelo ex-presidente Lula em 2006, a realidade das comunidades ciganas no Brasil ainda é marcada por invisibilidade e marginalização. Rita Izsák, uma relatora especial da ONU sobre a questão das minorias, apresentou um estudo em 2015 sobre os direitos humanos dos ciganos no mundo, incluindo a America Latina e criticou o Brasil por discriminar e marginalizar os ciganos (Acesse aqui o site) Nicholas Ramanush Leite, presidente da Embaixada Cigana do Brasil, uma organização de resgate e preservação da cultura cigana explica que um do maiores problemas que as comunidades ciganas enfrentam no Brasil são “o preconceito e os estereótipos”.

A cultura cigana no cinema
Muitas vezes reproduzindo estereótipos, outras desconstruindo, o cinema representou a cultura cigana através de diferentes gêneros; o documentários Latcho Drom (1993) dirigido pelo cineasta francês de origem cigana e argelina Tony Gatlif, faz uma viagem musical sobre a jornada dos ciganos do Norte da Índia até a Espanha. O cineasta e músico Emir Kusturica, ganhou o prêmio de melhor realização no festival de Veneza com a comédia “Gato Preto, Gato Branco”(1998) sobre ciganos dos balcãs. Ele também ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes com o longa metragem “The Time of the Gypsies” (1988) baseado nas histórias sobre o tráfico de crianças dentro das comunidades ciganas.

O filme biográfico “Papusza” (2013) é baseado na história de Bronis?awa Wajs, poeta cigana polaca que foi a primeira mulher cigana a escrever e publicar um livro.

A animação está se tornando um gênero muito explorado para discutir questões sociais. “Gypsies, Roma, Travellers: An Animated History” produzido pela Open Society Foundations, uma organização Internacional de Direitos Humanos, de forma inovativa mostrou quem são os ciganos, contando a história, desde o norte da Índia até a chegada na Europa entre os séculos XI e XII, passando pelos 500 anos de escravidão na Romênia, a imigração para outros países, o holocausto cigano e finalmente o ativismo cigano e as organizações que foram criadas para defesa dos direitos desse povo.

Gypsy Tales, série de cartoons animados pensados e produzidos por artistas ciganos, mostra as tradições populares e os valores da cultura cigana através da arte contemporânea cigana e técnicas modernas como 3D.

“Gypsies, Roma, Travellers: An Animated History”: Acesse o site

Acesse o youtube Gypsy Tales: Gypsy Tales

Colaboradores ciganos que ajudam a construir esse guia

Alexandra Anamaria Bahor é Romena, graduada Ciências Legais, Sociais e Políticas com especialização em Direito pela Lower Danube Galati University. Durante anos trabalhou como voluntária na Romênia e Hungria. Atualmente é trabalhadora de desenvolvimento comunitário de ciganos numa ONG em Liverpool, Inglaterra. Ela representando a voz das comunidades ciganas em colaboração com outras organizações para encontrar a melhor solução para a integração dessas comunidades.

Orsolya Orsos e húngara, com um mestrado em Políticas Sociais e recentemente concluiu um segundo mestrado em Políticas Públicas na Central European University. Nos seus estudos ela explorou as diferentes formas de desigualdades na educação de crianças ciganas nas sociedades pós socialistas. Durante 7 anos trabalhou na área de inclusão de comunidades ciganas em diferentes países europeus. Atualmente ela é gestora de projetos na NGO BHA for Equality em Manchester, onde supervisiona 3 projetos com o objetivo de melhorar a inclusão social das comunidades de imigrantes ciganos.

Ionut Cioarta é Romeno, pós-graduado em Sociologia e Serviço Social pela Bucharest University e foi estudante no programa Roma Graduate Preparation Program (RGPP) pela Central European University. Ele é envolvido no ativismo cigano por mais de cinco anos. Por três anos ele trabalhou em uma das mais importantes organizações ciganas na Romênia, Romani CRISS (Roma Centre for Social Intervention and Studies). Foi estagiário num centro de educação cívica na Alemanha e também trabalhou como mentor numa organização dedicada a pessoas em risco de rua em Edimburgo, Escócia. Atualmente trabalha numa organização em Canterbury, na Inglaterra.

Marcela Adamova é Eslovaca, graduada em Desenvolvimento Comunitário pela University of Glasgow. Ela é uma das fundadoras da ONG Friends of Romano Lav, uma organização que faz desenvolvimento comunitário com comunidades ciganas, especialmente jovens, em Glasgow Escócia. Atualmente faz um mestrado em Administração pública na School of Public Policy na Central European University e é Consultora Sênior na ONG Friends of Romano Lav.

Sobre
O guia cigano faz parte do projeto The World Profile (O Perfil do Mundo) que investiga temas marginalizados e a realidade de indivíduos, grupos e minorias em todos os continentes.

Jornalismo, Quadrinhos, Gifs Animados e Animação são as ferramentas para estimular um olhar crítico para a atualidade.

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