Cientistas russos estudaram como o mofo preto neutraliza o fosfato de tributilo
O fosfato de tributila (TBP) é um composto químico usado em larga escala pela indústria nuclear, na produção de plásticos
Cientistas russos fizeram uma descoberta surpreendente ao estudar o Aspergillus niger, mais conhecido como mofo preto que aparece em cantos úmidos da casa. Esse fungo microscópico que todo mundo evita revelou uma capacidade extraordinária de degradar o fosfato de tributila, um dos poluentes industriais mais tóxicos e problemáticos, transformando o que consideramos uma praga doméstica em uma possível solução para descontaminação ambiental de resíduos químicos perigosos.

O que é o fosfato de tributila e por que ele representa risco ambiental?
O fosfato de tributila (TBP) é um composto químico usado em larga escala pela indústria nuclear, na produção de plásticos, herbicidas e fluidos hidráulicos. A produção mundial chega a dezenas de milhares de toneladas anuais, e resíduos desse material aparecem em água, solo, alimentos e até em tecido humano.
Os principais perigos desse composto para a saúde e o meio ambiente incluem:
- Toxicidade elevada que interfere nas enzimas responsáveis pela transmissão nervosa, podendo causar paralisia respiratória e morte em animais aquáticos e terrestres.
- Capacidade de penetrar membranas biológicas e se acumular em tecidos vivos, especialmente gordura e fígado, permanecendo no organismo por tempo prolongado.
- Efeito letal sobre microrganismos aquáticos mesmo em baixas concentrações, matando 25% dos protozoários em uma hora e até 60% dos crustáceos em diluições moderadas.
- Presença generalizada no ambiente por conta do uso industrial massivo, contaminando águas residuais, solos próximos a fábricas e até a cadeia alimentar.
Como o mofo preto consegue sobreviver a substâncias tóxicas?
A característica que torna o Aspergillus niger tão resistente e difícil de eliminar dentro de casa é exatamente o que o torna útil para biotecnologia ambiental. Esse fungo se adapta a condições extremas e consegue metabolizar compostos que matariam a maioria dos organismos vivos.
Pesquisadores testaram duas cepas desse fungo em meios de cultura contendo TBP e descobriram que ele não só sobrevive, mas cresce melhor quando essa substância tóxica é a única fonte de fósforo disponível. O fungo decompõe o TBP em produtos progressivamente menos tóxicos como fosfato de dibutila e fosfato de monobutila até chegar a fosfato inorgânico e butanol, que ele usa para seu próprio metabolismo.

Quais aplicações práticas essa descoberta pode ter na indústria?
A capacidade do mofo preto de neutralizar o TBP abre caminho para soluções ecológicas de tratamento de resíduos químicos perigosos. A cepa F-4816D, obtida por seleção artificial, mostrou a maior resistência e eficiência na degradação desse poluente.
As principais aplicações dessa tecnologia incluem:
- Desenvolvimento de biofiltros e biorreatores com fungos microscópicos para purificar águas residuais de indústrias que trabalham com TBP e metais associados a esse composto.
- Recuperação de solos contaminados em áreas de mineração e processamento de minério onde há acúmulo histórico de resíduos tóxicos no ambiente.
- Tratamento de efluentes de usinas nucleares e indústrias químicas que utilizam TBP como extrator no reprocessamento de combustível nuclear e separação de metais.
- Descontaminação de regiões com indústrias de mineração desenvolvidas, especialmente áreas que trabalham com metais raros e radioativos como a região de Murmansk na Rússia.
Por que essa pesquisa representa um avanço para a biotecnologia ambiental?
O que torna essa descoberta especialmente valiosa é a inversão de perspectiva sobre um organismo considerado indesejável. A mesma persistência que faz o mofo preto ser difícil de eliminar em ambientes domésticos o transforma em um agente de biorremediação extremamente eficaz.
Essa abordagem representa um método ecológico e economicamente viável para lidar com poluentes que não se degradam facilmente por processos químicos ou físicos convencionais. Enquanto tratamentos tradicionais de resíduos tóxicos demandam altas temperaturas, pressões ou reagentes caros, o uso de fungos oferece uma alternativa natural que opera em condições normais de temperatura e pressão, reduzindo custos e impacto ambiental do próprio processo de descontaminação.