Após enfrentar exclusão, mulher trans abre empresa com equipe formada por pessoas LGBT+

Neste Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, conheça a trajetória de uma empreendedora que criou um espaço de acolhimento e potência para pessoas trans

16/05/2025 19:01 / Atualizado em 26/05/2025 11:16

No Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, celebrado neste sábado, 17, a história de Fernanda Kawani Custódio, de 35 anos, é um marco de força, inovação e resistência.

Mulher trans, com veia empreendedora e fundadora da TravaTruck — empresa de gastronomia comandada por pessoas trans —, Fernanda encontrou, nas coxinhas da mãe e na urgência por renda, uma forma de abrir caminhos para si e para outras pessoas historicamente excluídas.

Fernanda Kawani Custodio é empreendedora em São Paulo (SP)
Fernanda Kawani Custodio é empreendedora em São Paulo (SP) - Acervo pessoal/Caia Marvento Ramalho

Começo de tudo e exclusão do mercado de trabalho

Natural de São Caetano do Sul (SP), Fernanda cresceu em Araraquara (SP) e depois viveu em Curitiba (PR) por cinco anos, onde fez sua transição de gênero.

Em 2016, ela chegou à capital paulista em busca de oportunidades. Porém, mesmo graduada em estética e cosmetologia pela UNIARA, ela nunca conseguiu atuar na área.

Percebi que minha transição foi o motivo da minha exclusão da sociedade, dos espaços de lazer, do mercado de trabalho. Como eu disse, só vim conseguir emprego aos 26 anos anos, e na área de varejo. Isso, mesmo sendo uma ótima aluna na faculdade […], tendo muitas alunas, muitas pacientes na clínica do estágio. A transição de gênero muda a forma que a sociedade nos vê, mudando a nossa auto-percepção. E isso gera diversos problemas psicológicos”, pontua Fernanda.

Para pessoas trans, conquistar um espaço no mercado formal segue sendo um desafio marcado por exclusão e preconceito.

Eu cresci uma pessoa saudável, com família, estudava e adoeci ao longo da vida naturalmente, porque eu não entendia, eu ficava: ‘por que que eu estou sendo excluída?’; ‘por que eu não estou sendo vista?’; ‘porque eu não estou sendo amada?’; ‘porque eu não estou conseguindo trabalho?’. Pra gente, é natural ser quem nós somos, é a forma na qual a sociedade nos vê que não é natural. E talvez eles ainda nem perceberam isso.”

Fernanda é natural de São Caetano do Sul (SP)
Fernanda é natural de São Caetano do Sul (SP) - Acervo pessoal

A experiência de Fernanda no varejo acabou motivando sua trajetória no empreendedorismo. Foi quando ela abriu uma loja colaborativa, chamada Translúdica.

No entanto, por causa da pandemia de covid-19, ela precisou fechar o negócio e, mais uma vez, recomeçar.

Como surgiu a TravaTruck?

A ideia surgiu em casa, em meio ao desespero financeiro: “Falei: ‘mãe, faz aquela coxinha que você fazia pra gente’. Provei a coxinha da minha mãe e percebi que eu podia vender […]. E aí comecei a fazer os alimentos dela em versão vegana.”

Assim nasceu a TravaTruck, em junho de 2021. “É uma pequena empresa de serviços de alimentação. Nós oferecemos coffee break, catering e happy hour para outras empresas”, explica.

Negócio é comandado por pessoas trans
Negócio é comandado por pessoas trans - Acervo pessoal

Hoje, cerca de 30 pessoas trabalham no negócio, que se destaca não apenas pela comida, mas pelo impacto social.

A TravaTruck não inclui pessoas trans, ela é feita por pessoas trans, exclusivamente. Tenho orgulho de ser uma empresa 99% de pessoas trans.”

A proposta vai além do empreendedorismo. É um ato político: “nosso negócio é um espaço de resistência, de trabalho, de luta, de afeto, que acolhe os corpos que não são servidos pelo mercado. A gente luta e segue nossas vidas acreditando que um dia a sociedade vai compreender os nossos corpos.”

Desafios para serem superados

Mas os desafios ainda são muitos, especialmente no ambiente corporativo. “Ainda hoje é um desafio ter uma empresa feita por pessoas trans sendo contratada por empresas convencionais e tradicionais, que dificilmente tem no seu quadro de funcionários pessoas trans.”

O negócio de Fernanda é justamente prestando serviço para outras empresas. Mas nem tudo são desafios e ela reconhece suas próprias vitórias.

As alegrias estão em ser essa empresa que contrata pessoas trans, que ensina, que dá oportunidade para quem, na maioria das vezes, é marginalizado e discriminado. A gente acolhe.”

Desde 2021, a TravaTruck só cresceu, mas precisa de mais estrutura. “A gente precisa comprar mesa nova, armários novos… Escrevi alguns editais pra reformar o espaço. Ano que vem faremos cinco anos, quero uma nova TravaTruck, mais moderna, mais equipada pra pegar melhores trabalhos.

Onde o preconceito não tem vez

A trajetória de Fernanda também já rendeu visibilidade. Ela participou do programa “Shark Tank Brasil”, da Sony Channel, venceu o reality “SelfMadeBrasil” e foi destaque na revista “Marie Claire” em junho do ano passado. Mas sua missão vai além dos holofotes.

“Eu tenho uma veia empreendedora, eu gosto do empreender“, diz Fernanda
Eu tenho uma veia empreendedora, eu gosto do empreender“, diz Fernanda - Acervo pessoal

Quero deixar uma mensagem pra toda nossa comunidade: dizer que família e amigos é que nos acolhem. O verdadeiro amor parte do acolhimento. O verdadeiro Deus é o Deus do amor. Não existe Deus, família e pátria que não acolhe, que não ama. […] Vigie quem realmente acolhe, quem ama, e essas são as pessoas que nós devemos valorizar.”

Para quem sonha em empreender, mas ainda tem medo, ela aconselha: “Estruture o seu projeto na ponta do lápis. Pense com clareza: o que você quer? Como vai executar? Como vai se sentir diante disso? Que benefício vai trazer pra sociedade? E coloque em prática.

No Brasil, onde a expectativa de vida de uma pessoa trans ainda gira em torno dos 35 anos, histórias como a de Fernanda são faróis. Mostram que, com oportunidade, coragem e, principalmente, respeito, é possível construir novos futuros — não só para si, mas para toda uma comunidade.