Dimenstein: lição da demissão de Donata Meirelles da Vogue

Conheço há muitos anos o casal Nizan Guanaes e Donata Meirelles.
Apenas nos encontramos em situações literalmente sociais.
Sociais no melhor sentido: jantares ou almoços que promoviam educação e inclusão.
Ambos fazem parte da elite que ganha dinheiro, mas tem um olhar para o empoderamento comunitário.
Nunca ouvi deles – nem remotamente – qualquer frase que me parecesse preconceituosa ou racista.
Dias antes da polêmica festa, Nizan compartilhava o sonho de ajudar a bancar a vinda de Barack Obama para falar a movimentos negros na Bahia.
O nome de sua agência, aliás, é África.
O que ocorreu com Donata Meirelles, obrigada a pedir demissão da Vogue, serve como ensinamento.
As imagens de sua festa de aniversário passaram a sensação de uma visão preconceituosa dos negros, como se reproduzisse a escravidão.
Aquela cadeira estilo sinhá ao lado das negras serviçais ajudam a compor o cenário do apartheid.
Não era isso o que Donata queria passar.
Mas foi o que passou.
Na era das redes sociais – e Nizan sabe muito bem disso – os fatos e versões se misturam de um jeito acelerado e intenso, produzindo novos fatos a partir das interações que ganham vida própria.
Nizan é um leitor exímio do mapa dos ventos políticos, sociais e econômicos. Muita gente fecha a janela quando bate o vento. Ele transforma em força para movimentar um barco a vela.
Quando ele escreveu há muito tempo em Jair Bolsonaro iria vencer as eleições, eu e quase todos os jornalistas ( para não dizer todos), pensamos: “pirou”.
Não: ele tinha percebido antes o caminho dos ventos.
A sociedade brasileira está atenta, nas redes sociais, a qualquer sinal que mostre preconceito ou pareça mostrar preconceito.
Era a festa em que estavam negros como Preta Gil.
Ou grandes amigos de negros como Caetano Veloso, cujo parceiro na vida é Gilberto Gil.
Mas a percepção que ficou: uma festa racista, numa cidade em que os negros são maioria, mas a elite é branca.
Justamente esse apartheid brasileiro, visível na Bahia, nos faz ver como normais coisas que já não são normais para muita gente.
O resultado concreto foi pedido de demissão de Donata para não prejudicar a revista que tanto amava
Daí se entende por que, no mesmo dia em que Donata pede demissão, uma das principais e mais festejadas notícias foi o fato de que a Maju será a primeira mulher negra a sentar na bancada no Jornal Nacional.
Esse é o caminho do vento.