Uma jornada pelo aprendizado por projetos

A jornada através do projeto desenvolve não apenas o aprendizado dos conteúdos como também apoia e sustenta o desenvolvimento da autonomia e das habilidade

Em janeiro de 2018 comecei um novo desafio na Escola Concept de São Paulo: iniciamos o ano com mais de 200 horas de treinamento quando nos aprofundamos em tornar o pensamento de nossos estudantes visível (o Project Zero, de Harvard); no desenvolvimento das habilidades socioemocionais através dos hábitos da mente e a cereja no topo desse bolo era ele, o aprendizado através de projetos.

Pensei comigo: fácil! Afinal de contas a única coisa que deveria fazer para ter um ótimo projeto seria conectar todas as disciplinas a um tema principal, certo? Foi aí que me enganei.

Sim, todos os projetos tem um tema central, no qual as disciplinas e os conteúdos estudados estão relacionados. No entanto, eu via e interligava o tema central do projeto com as disciplinas e conteúdos a serem estudados como atividades interdisciplinares dentro de uma unidade didática. Então a matemática, os conteúdos de português e de inglês, os textos lidos, os conteúdos estudados em ciências e história e geografia estavam sempre voltados ao tema central do projeto.

A jornada através do projeto desenvolve não apenas o aprendizado dos conteúdos como também apoia e sustenta o desenvolvimento da autonomia e das habilidades socioemocionais
Créditos: Softulka/iStock
A jornada através do projeto desenvolve não apenas o aprendizado dos conteúdos como também apoia e sustenta o desenvolvimento da autonomia e das habilidades socioemocionais

O meu primeiro projeto feito com as crianças, em 2018, foi sobre invenções (eles trouxeram esse tema como interesse de estudo). Com o desenvolvimento do projeto, em história a geografia, estudamos sobre a evolução dos meios de comunicação e dos meios de transporte, lemos sobre a polêmica da invenção do avião entre Santos Dumont e os irmão Wright – que apoiou o aprendizado de português e inglês, em ciências estudamos sobre os diferentes tipos de materiais e em matemática, além da resolução de problemas, também focamos no estudo dos sólidos geométricos, muitas vezes utilizados nas invenções.

Eu achava que estava indo no caminho certo. Até quando tivemos uma reunião com a nossa diretora, Priscila Torres, que nos disse que esse formato não era projeto, mas sim unidades didáticas interdisciplinares e que o aprendizado através de projetos ia muito além, que tínhamos que extrapolar os muros da escola e pensar em produtos finais que fossem relevantes para a sociedade. Tivemos também uma formação com o Alexandre Sayad, que nos mostrou inúmeras maneiras de tornar nossos produtos relevantes.

Me lembro que no meio disso tudo minha cabeça não parava um minuto, me perguntava como chegar nesse produto final relevante tão esperado. As primeiras ideias que vieram à minha cabeça eram coisas mirabolantes e por isso impossíveis.

O ano foi evoluindo e já no segundo semestre fizemos um projeto sobre animais e como protegê-los. Nesse processo as crianças tiveram uma ideia de criar uma ONG para a proteção de animais. Eles foram divididos em pequenos grupos e através do processo de Design Thinking cada grupo criou uma ONG que visava proteger um certo tipo de animal e/ou habitat. Foi aí, nesse momento, que comecei a me dar conta do que era um projeto e o que era um produto final relevante.

Para criar a ONG os estudantes desenvolveram um logo, um jingle, criaram um website onde contavam o propósito de cada ONG. Ao final do projeto, eles tinham idealizado ONGs incríveis, prontas para sair do papel e criar vida. Um dos objetivos havia sido alcançado: um produto final relevante. Mesmo entendendo que essa ONG idealizada por eles não iria sair do papel, eles conseguiram ter um entendimento do papel social de uma organização não governamental e também do que é necessário para se criar uma marca – qual a lógica por trás do logo, do jingle e do website de cada marca.

Apesar de um degrau ter sido conquistado no entendimento do que é um projeto, ainda faltavam alguns, e talvez os mais importantes: como integrar o conteúdo a ser estudado sem que estes se transformassem em conteúdos interdisciplinares? Coloquei como meta para o ano de 2019 conseguir fazer isso acontecer, afinal já sabia como focar em um produto final significativo.

O ano de 2019 começou e minha meta seguia estabelecida. Começamos o ano focados no Objetivo de Desenvolvimento Global da Vida na Terra (Sustainable Development Goals estabelecidos pela ONU). No começo do projeto sentei com a coordenadora de tecnologia da escola –Graziella Matarazzo– e pedi ajuda: por onde ir e como fazer um produto relevante?

Foi então que, junto com as crianças, decidimos que focaríamos na despoluição dos rios e que cada grupo – os estudantes foram divididos em 6 grupos – iria criar um protótipo de uma máquina para despoluir os rios de São Paulo.

Para que isso ocorresse cada aluno idealizou uma máquina de despoluição e, em formato de elevator pitch apresentou para o resto da sala. Após a apresentação, os estudantes votaram nos pitchs que haviam mais gostado utilizando 3 critérios: inovação, utilidade e rentabilidade. Os seis projetos mais votados foram os escolhidos para serem desenvolvidos nos grupos. O produto final estava escolhido.

Eu já sabia aonde iríamos chegar e agora tudo que minha diretora nos dizia no ano passado fazia sentido! Ela batia na tecla que quando trabalhamos com projeto utilizamos o backwards design (UbD) –onde você sabe onde vai chegar e a partir disso pensa em como chegar lá.

Estava com o produto final em mãos, sabia onde iríamos chegar, era hora de pensar em como chegar lá. Foi então que olhei para a BNCC e o conteúdo exigido para o 5˚ ano e separei quais conteúdos estavam ligados ao tema do nosso projeto. Comecei então a entender que o tema central do projeto iria apoiar e sustentar o aprendizado dos conteúdos e não o caminho contrário. Mas de que maneira isso acontece?

Ao pensar na máquina que cada grupo iria criar, os estudantes tiveram que pensar no material a ser utilizado. Se a máquina vai ficar na água e flutuar – ou afundar – eles tiveram que pensar também na densidade, na massa e no volume da máquina desejada. Todo esse repertório que eles precisariam para pensar no produto final de seu grupo deu apoio para que os conteúdos de ciências e matemática fossem inseridos.

Quanto aos conteúdos de línguas (portuguesa e inglesa) os estudantes criaram um website fazendo a propaganda do seu produto. Para isso tiveram que pensar na linguagem a ser utilizada, qual o formato de um website, quem é o público alvo do deste website. A partir dessas pesquisas eles escreveram textos para serem publicados em cada website. Ao longo do processo os estudantes receberam dois especialistas: Felipe Correira –para falar sobre como realizar um pitch e qual a importância do mesmo e André Ursulino –para falar sobre marketing e quais conteúdos colocar em um website.

Uma vez que os estudantes estavam com os protótipos de suas máquinas prontas, com o website no ar, e com a apresentação de seus produtos pronta, os estudantes apresentaram para uma banca de especialistas que ao final da apresentação deram feedback sobre como eles poderiam melhorar suas invenções.

Com esse processo todo citado acima, eu consegui entender minimamente como trabalhar com projeto. É uma desconstrução diária, é se permitir ser vulnerável e, mais importante de tudo, é deixar que os estudantes sejam, de fato, o protagonista de seu aprendizado. Nós enquanto educadores iremos direcionar e facilitar qual será o aprendizado dentro de cada projeto, mas o caminho a ser seguido e como segui-lo é uma escolha dos estudantes.

Ainda não digo que trabalhar com projeto flui de maneira natural, afinal sigo engatinhando, mas o pouco que já conquistei nessa jornada posso dizer que os estudantes se sentem muito mais empoderados e curiosos, percebendo que estão criando o seu aprendizado. A jornada através do projeto desenvolve não apenas o aprendizado dos conteúdos como também apoia e sustenta o desenvolvimento da autonomia e das habilidades socioemocionais. Mas esse já é assunto para outro texto.

Por Carolina Ursulino, educadora da Escola Concept de São Paulo (SP)