Baccarelli 20 anos: Leandro Cândido, flauta brasileira

Em comemoração aos 20 anos do Instituto Baccarelli, organização sem fins lucrativos, o Quem Inova mostra a história 20 alunos e ex-alunos. O personagem de hoje é Leandro Cândido, 10 anos, que estudou flauta e deu aulas no instituto.

Foi na raça mesmo. É assim que Leandro Cândido explica seu começo na música. Ele, aos 6 anos, já havia tocado flauta doce em um projeto social em Piracicaba. Seu pai tocava trompete, o avô foi cantor de rádio. “Então tinha a herança. Mas quando, com 11 anos, fui tocar flauta na Banda da Guarda Mirim, tive que me virar, não tinha professor, fui descobrindo tudo sozinho”, ele conta. “Mas tinha que ser, porque desde o começo eu soube que queria fazer música”. Mas as dificuldades não foram poucas.

Aos 17 anos, Leandro foi pai pela primeira vez. “Foi a hora em que me dei conta de que, se eu gostava de música, também precisava viver dela, para poder sustentar minha filha. Então fui estudar mais. Entrei no Conservatório de Tatuí, para ter um ensino mais formal, para aprender mesmo música. Depois, entrei na faculdade, na Unesp”.

A rotina era puxada. Ainda vivendo em Piracicaba, vinha estudar em São Paulo, mas também já dava aulas para crianças em Ourinhos. “Era puxado, mas tinha muita coisa em jogo, e eu queria conquistar uma situação melhor para mim. Vir para São Paulo era um passo necessário. Mas eu mal tinha dinheiro para comer, não tinha a minha própria flauta. Lembro de ganhar um concurso, pegar o cheque, colocar no bolso, mas não ter como pagar a pizza com os amigos para comemorar”.

Na Unesp, conheceu um professor que dava aulas de violoncelo no Instituto Baccarelli. E, em 2008, entrou para o projeto. “Foi uma experiência incrível, tive aulas com o Rogério Wolff, era um momento especial”. Entrou para a Sinfônica Heliópolis, mas o nervosismo o atrapalhou nos ensaios de seu primeiro concerto, a ponto de ser substituído pelo maestro. “Passei seis meses então estudando para fazer a  reavaliação e o pessoal gostou do resultado. A sonoridade melhorou, a relação com o instrumento e também a concepção do que era fazer música”.

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Nesse sentido, foi fundamental a experiência de viajar para a Alemanha com o grupo, em 2010. “A gente vê a música erudita como algo sério demais, sempre rodeado de tensão para quem toca. Mas lá era o contrário, aquela música fazia parte da vida das pessoas, era como se fosse a música popular deles. Era tudo mais livre”, relembra.

Com o tempo, começou a dar aulas no instituto. A filha cresceu, está com 15 anos, já passou pela Baccarelli, estudou violoncelo, mas hoje quer ser bailarina. Ele casou de novo, teve mais um bebê, que completa em breve dois anos. “O Baccarelli transformou-se de fato em uma família. Muitos de nós continuamos morando aqui, vivendo juntos, para não perder esse aspecto, tão importante. Volto sempre para Piracicaba para cortar o cabelo e ouço histórias de amigos que foram presos, alguns morreram. O senso de comunidade que temos aqui é muito valioso”.

Não é por acaso que Leandro pretende continuar colaborando com o instituto pelo tempo que puder. Enquanto isso, ganha forma em sua mente um outro projeto. Fico pensando no uso que fazemos da flauta aqui no Brasil, do choro até a música erudita. Há uma linhagem de intérpretes que sugere a existência de uma espécie de escola de flauta brasileira. A gente olha a música brasileira e o instrumento pelo olhar estrangeiro ainda. E a minha ideia é fazer o contrário, estudar um caminho nosso de uso da flauta, pesquisando repertório e encomendando novas obras”.