Entre Pedros e lobos

Por Guillermo Planel*

10/08/2017 00:00 / Atualizado em 02/05/2019 20:12

Seis meses antes de sua morte, em fevereiro de 2016, o filósofo e escritor Umberto Eco declarou que as redes sociais dão voz a uma “legião de imbecis”, que, no passado, falavam bobagens nos bares sob efeito do vinho e em nada prejudicavam a sociedade.

Segundo Eco, a TV já havia colocado o “idiota da aldeia” em um patamar no qual ele se sentia superior. “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, iniciando assim uma análise atual de extrema importância a ser discutida.

Neste momento em que tanto se fala no nefasto fenômeno das fake news, em que diversos impérios da comunicação cortam na carne esta transição definitiva entre o impresso e o virtual, gigantes da comunicação se posicionam a este respeito sem um norte definido. Seria importante definir o que são os erros da notícia e aquela informação publicada por motivos de ódio.

A discussão mundial atualmente define a mentira como “pós-verdade”
A discussão mundial atualmente define a mentira como “pós-verdade”

Existe uma grande diferença a ser entendida pelo erro inocente da vaidade ao publicar notícias falsas e aquela publicação com o firme propósito de destruir a imagem daquele que dialogamos seja qual for o meio.

Neste momento, não basta impor suas ideias sobre o outro. O importante, em determinados casos extremos, é destruir a integridade de seu interlocutor, numa distorção doentia daquilo que se apresenta como um saudável diálogo democrático. Não basta o diálogo natural. Tem que se aniquilar tudo o que a diferença do próximo representa. A credibilidade do outro é a primeira vítima, mesmo que de forma involuntária ou mesmo inconsciente.

Nas décadas de 70 e 80, o repórter policial Tião Aço, uma lenda do jornalismo carioca que trabalhou no jornal “O Dia”, tinha uma característica peculiar de apurar suas notícias. Se a matéria não rendia a dramaticidade que ele desejava, principalmente na parte fotográfica, ele interferia na cena do crime para aumentar o impacto necessário no estilo jornalístico da época.

Em certa ocasião, ao se deparar com um cadáver caído nos Arcos da Lapa, Tião não titubeou em encostar o defunto nos Arcos para aumentar o apelo visual do crime. Ao ser interpelado pelo fotógrafo responsável pela imagem, que reclamava daquele absurdo ético, ele respondeu que estava apenas fazendo a reconstituição do crime.

Daquela época aos dias de hoje, muita coisa mudou. Mas alguns procedimentos de apuração continuam similares. Há poucos dias, um casal foi espancado em plena luz do dia em Araruama (RJ), torturado em plena rua, teve seu carro incendiado e escapou, por pouco, de linchamento depois que uma mensagem postada no Whatsapp alertava para um casal que circulava em um carro branco sequestrando crianças.

Informações como essa, publicadas de forma irresponsável e sem nenhum fundamento real, remetem a um dos mais tristes e infames episódios protagonizado pelo jornalismo brasileiro, o caso Escola Base.

A discussão mundial atualmente define a mentira como “pós-verdade”. É importante perceber também que esta discussão envolve conglomerados de imprensa mundial em crise pelo crescimento incontrolável das redes sociais. Atualmente, os grandes impérios da comunicação se sentem ameaçados diretamente por uma sociedade de pijamas no conforto de seu quarto, publicando o que mais lhe parece interessante. Consumindo e produzindo informação de forma pessoal, maniqueísta e egoísta, em alguns casos, e em outros, como forma honesta de praticar com prazer o direito fundamental da informação.

Estes mesmos impérios da comunicação tradicional, na realidade, foram substituídos por outros, como Facebook , Google e Whatsapp, que perceberam que, ao democratizar a informação, cada cidadão se tornou editor de suas próprias notícias. Para o bem ou para o mal. Na lenda, Pedro só anunciava o lobo para chamar a atenção para si, por meio da mentira. Quando o lobo apareceu finalmente, deu merda. E isso os tradicionais conglomerados pré-internet do jornalismo não podem aceitar e lutam pelo retorno do poder de informar da melhor maneira que seus interesses demandam.

*Guillermo Planel nasceu em Montevidéu, no Uruguai, e vive no Rio de janeiro desde 1971. É jornalista, fotógrafo, documentarista, bacharel em Comunicação Social e pós-graduado em Comunicação e imagem.