Fotógrafos transformam suas casas em câmeras para retratar a vida em tempos quarentena

Ensaio foi concebido pelo fotógrafo Bruno Alencastro a partir de seu apartamento, no Rio de Janeiro

12/05/2020 17:10

A história da fotografia está diretamente relacionada ao ponto de vista de uma janela. Foi a partir dela que, em 1826, o Niepce fez a primeira fotografia da história. Oito horas de exposição, ali, desde o ponto de vista da janela da casa dele no interior da França!

Muito além da fotografia, ao longo de toda história da arte, a janela como ponto de vista é um motivo recorrente entre os pintores, retratistas, cineastas e artistas visuais de uma maneira geral. “Da Menina na Janela”, do Salvador Dalí, à “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock.

Bruno Alencastro e sua esposa Greyce Vargas em pose para o ensaio sobre a quarentena
Bruno Alencastro e sua esposa Greyce Vargas em pose para o ensaio sobre a quarentena - Bruno Alencastro/Divulgação

Um lugar que passa a ser ressignificado por diferentes artistas contemporâneos ao redor do mundo em tempos de covid-19. Nos dias de hoje, a janela passa a representar a fronteira e o abismo entre o mundo exterior e o interior. A liberdade e o confinamento.

“Como fotógrafo, eu também queria fazer o meu ensaio durante a quarentena, mas nenhuma ideia me parecia original. E foi nesse momento de pausa, em que a gente tem recorrido ao passado em busca de respostas para quando tudo isso passar, que eu tive um estalo: o princípio da câmera obscura! Ou seja: uma caixa ou uma sala completamente escura e com uma pequena entrada de luz projeta, na parte oposta a essa abertura, uma imagem invertida da cena externa”, explica o fotógrafo Bruno Alencastro.

Foto de Leonardo Savaris de Novo Hamburgo (RS)
Foto de Leonardo Savaris de Novo Hamburgo (RS) - Leonardo Savaris/Divulgação

Inspirado por tudo isso, ele isolou completamente as entradas de luzes do apartamento onde mora no 4º andar de um prédio no bairro Copacabana, no Rio de Janeiro, e fez um primeiro teste. “Até meu cachorro ficou parado por 4 segundos para que eu conseguisse uma exposição equilibrada entre o escuro da minha sala e a projeção do mundo lá fora!”, brinca.

Na impossibilidade de produzir outras imagens confinado, Alencastro convidou outros fotógrafos que aceitaram transformar suas casas em câmeras obscuras de grande formato e capturaram a vida em tempos da pandemia. Cada qual com a sua singularidade. Conquistas e perdas. Anseios e privilégios. Medos e esperanças.

A estudante de cinema Beatriz Grieco em sua casa em Niterói (RJ)
A estudante de cinema Beatriz Grieco em sua casa em Niterói (RJ) - Beatriz Grieco/Divulgação

“A partir de videochamadas e conversas pelo WhatsApp, eu fui dando dicas para eles de como chegar ao melhor resultado técnico e também do que eu gostaria que cada fotografia retratasse. Um deles estava de aniversário, então sugeri que ele segurasse uma vela para simbolizar essa situação inédita na sua vida: passar um aniversário sozinho”, conta Alencastro.

O resultado é o ensaio obs-cu-ra, caracterizado por uma atmosfera sombria e enigmática, tal como o indecifrável futuro que ninguém sabe ao certo como será. “Simbolicamente, o que vemos projetado é um mundo de cabeça para baixo, tal como o caos que acompanhamos ao redor do mundo”, reflete o fotógrafo.