Minha experiência de ódio nas redes sociais
Uma poderosa articulação de sites para ofender: "JornaLivre", "Sul Connection", "Fofoca News", "O Reacionário", "Folha Política", "Avança Brasil", "Guerra Política", "Boa Informação", "Olhar Atual" e "Reaçonaria".
Nas seis últimas semanas, fui cobaia de mim mesmo numa investigação para rastrear um esquema de ofensas e notícias falsas na internet. Compartilho agora, com provas, o que aprendi apanhando com o ódio nas redes sociais.
Tudo começou por acaso –e jamais imaginaria que acabaria onde acabou. Li na página do líder do MBL e vereador Fernando Holiday uma grave acusação contra mim: a de que eu faria críticas ao prefeito João Doria com o intuito de acuá-lo e proteger um “boteco” que eu teria na Vila Madalena. Segundo o post, eu seria um dos responsáveis por produzir as críticas da Folha contra o prefeito. Detalhe: há muitos anos não trabalho na Folha.
Era uma notícia tão estapafúrdia que eu estava convencido de que tudo seria esclarecido numa amigável conversa. Telefonei para Holiday, com quem nunca tinha conversado –e, aliás, nunca escrito nada sobre ele. O vereador reafirmou as acusações. Perguntei-lhe qual seria sua fonte. “JornaLivre”, respondeu. Um site do qual eu nunca tinha ouvido falar.
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Fui então à fonte. Descobri que o site não tinha expediente nem fonte de contato. Ou seja, fantasma. Com a ajuda de programadores, tentei descobrir os responsáveis pesquisando em vários endereços. Impossível: estavam protegidos em sigilo. Mandei perguntas por escritas ao vereador, mas ele se recusou a responder.
O que dava para ver era uma conexão editorial íntima entre o MBL, Holiday e o site. Mais: o “JornaLivre” estava em campanha presidencial por João Doria, seguindo a orientação do MBL.
No momento em que comecei a investigar esse site, viro alvo de ataques de todos os lados –e dos mais diferentes lugares. O que era um problema tornou-se uma solução: rastreando os ataques, fui fazendo a lista que fazia parte desse esquema que misturava sites verdadeiros, fantasmas, perfis falsos e perfis reais, formando uma ofensiva coordenada de ataque. Ataques do “JornaLivre” apareciam reproduzidos em várias páginas do Facebook e chegando, no fim, ao sistema de buscas do Google.
Os ataques se juntavam a milhares de comentários na minha página, muitos deles reproduzindo os mesmas ofensas.
Estranho que os ataques partiam de lugares inesperados. Um site chamado “Sul Connection”, por exemplo, localizado em Santa Catarina. Por que, afinal, um site catarinense teria intenção de me atacar? Ele, entretanto, se alimentava do “JornaLivre”, mas também servia de fonte. Entraram no tiroteio “Fofoca News”, “O Reacionário”, “Folha Política”, “Avança Brasil”, “Guerra Política”, “Boa Informação”, , e “Reaçonaria”.
Depois de três semanas de investigação, o Catraca Livre conseguiu revelar no dia 4 de abril um primeiro rosto por trás do site “JornaLivre”, associado ao MBL –e, a partir dele, mais descobertas estão mostrando conexões clandestinas.
Quem se apresentou como editor do “JornaLivre”, conhecido por ofender jornalistas, políticos e empresários, foi Roger Scar, cujo nome na verdade é Roger Roberto Dias de André. Ele mora em Joinville (SC), mas, em seu perfil nas redes sociais, não aparece um detalhe: até dezembro do ano passado, ele era diretor de formação política da juventude catarinense do DEM. Ele nega, porém, que seja filiado ao DEM –o mesmo partido de Fernando Holiday, líder do MBL e um dos principais personagens tanto das páginas pessoais de Scar quanto do “JornaLivre”.
Sua explicação para o anonimato: temia que, com o PT no poder, o Brasil virasse uma Venezuela, o que o levaria para a prisão. Detalhe: o governo Temer já está há vários meses no poder.
Seguindo a orientação do MBL, o site apoia a campanha presidencial de João Doria. Mas o prefeito garante que não conhecia o site e condena sua atitude. “É inadmissível que uma publicação jornalística use do anonimato para ofender as pessoas e disseminar mentiras. A obrigação da polícia é investigar os responsáveis. Isso até parece uma sabotagem”, diz Doria.
A razão de esconder sua vinculação com o DEM é simples: evitar comprometer Fernando Holiday, acusado pelo Catraca Livre de ter vinculações com um site-fantasma, agora investigado pela Delegacia de Crimes Eletrônicos da Secretaria de Segurança de São Paulo.
Com a descoberta de Scar, foi possível estabelecer novas conexões da rede de ataques, formadas por diferentes sites e perfis falsos e verdadeiros. A mentira começa com perfis falsos e, depois, passa a ser reproduzida por perfis verdadeiros, tentando dar credibilidade à notícia.
O delegado José Mariano de Araújo, responsável pelo Departamento de Crimes Eletrônicos de São Paulo, disse suspeitar que Roger Scar (Roger Roberto Dias de André) é “apenas um laranja”.
O site divulgava anonimamente ofensas contra políticos, publicitários, artistas e jornalistas como Otavio Frias Filho (“Folha”), André Petry (“Veja”), Mino Carta (“Carta Capital”), Tatiana Farah (“BuzzFeed”), Delfim Netto, Wagner Moura, Regina Casé, Letícia Sabatella.
A suspeita do delegado, um dos maiores especialistas brasileiros de crimes eletrônicos, é baseada em sua investigação sobre os conteúdos do site. O site é produzido em Santa Catarina, mas, em sua maioria, cobre assuntos locais da cidade de São Paulo, ligados ao MBL. “O site não tem anunciante. Como se mantém? Por que alguém de outro Estado cobre tantos assuntos de outra cidade?”, pergunta Mariano, que vai acionar a polícia de Santa Catarina para ouvir Scar.
Chamou a atenção do delegado que um dos principais assuntos do “JornaLivre” foram os ataques ao secretário municipal de Educação de São Paulo, Alexandre Schneider, que desautorizou Fernando Holiday a intimidar professores de escolas municipais. Desde então, o MBL lançou campanha para derrubar o secretário, alvo de notícias falsas.
Esse site começa, então, a ser reproduzido por perfis verdadeiros, como o de Holiday. Ou do publicitário André Kirkelis, diretor de criação de uma das mais importantes agências de publicidade do Brasil. Kirkelis participou da invasão comandada por simpatizantes à palestra que eu fazia com o jornalista Alexandre Sakamoto, em 1º de abril. O ataque foi comandado por Arthur do Val, dono do blog Mamãe Falei – ele editou o vídeo, que foi replicado por aquele rede de sites.
Ocorre que o “Sul Connection” também é de Santa Catarina e reproduz os ataques de Rogério Scar contra mim. Descobrimos que Scar também faz parte do “Sul Connection”, como mostra a imagem abaixo:
Na visão do delegado, Scar foi obrigado assumir a autoria do site depois que a investigação do Catraca Livre mostrou suas relações com lideranças do MBL, em especial Fernando Holiday e Kim Kataguiri. “Isso torna Holiday um dos suspeitos. Mas ainda temos muito a investigar.”