‘Ninguém enxerga só com os olhos’, diz professor de fotografia para cegos

08/04/2015 00:00 / Atualizado em 02/05/2019 19:31

Foi um erro na inscrição para o vestibular que trouxe as respostas a muitas das inquietações do repórter-fotográfico da Zero Hora Nauro Júnior, 45 anos. Em 2004, ele decidiu tentar o curso de história da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Mas sua mulher, por engano, marcou filosofia no formulário. E ele arriscou.

“Fui me encantando, descobrindo várias respostas, ou melhor, mais e mais perguntas”, conta. Uma delas era por que ele tinha medo de ter um filho cego. Sua mulher estava grávida pela segunda vez, mas o mesmo temor rondava sua mente. Sua filha nasceu enxergando, e Nauro Jr. foi então em busca de entender sua angústia.

Legenda: aluna com deficiência visual segura câmera digital próxima aos rosto de Nauro Júnior, professor, que cobre o rosto com as mãos; crédito: Gustavo Vara
Legenda: aluna com deficiência visual segura câmera digital próxima aos rosto de Nauro Júnior, professor, que cobre o rosto com as mãos; crédito: Gustavo Vara

Passou a fazer trabalhos voluntários na Escola Especial Louis Braille e lá foi o único aluno que enxergava no curso de Teco Barbero, um dos pioneiros na área da fotografia feita por pessoas com deficiência visual. “Foi lá que me dei conta de que eles enxergam com todos os sentidos e não só com os olhos.” E lá foi Nauro Jr. Beber mais na fonte do conhecimento.

Estudou fotografia para cegos até estruturar seu primeiro curso. E acaba de formar a primeira turma de 11 alunos, encerrada com uma exposição. “Aprendi mais do que ensinei”, diz. “Todas as aulas tomavam rumos inimagináveis, e eu buscava todos os meus recursos para responder às perguntas deles.”

Uma delas foi numa aula prática. “Quero fotografar o vento”, pediu o aluno. Nauro Jr. levou-o à praia do Laranjal, frequentada por windsurfistas. E lá o aluno captou o vento na águas e nas ondas. “Ninguém enxerga só com os olhos. Enxergamos com a audição, o olfato, o paladar, o tato.”

No momento, o fotógrafo estrutura um novo programa do projeto “Luz na Escuridão”, desta vez para crianças e adolescentes. E finaliza o documentário com as histórias colhidas no curso.

Pergunto se ele encontrou a resposta que deu origem a tudo. “Tinha medo que minha filha não me compreendesse, que eu não conseguisse me relacionar com ela. É o medo do desconhecido. Hoje sei que não seria tão difícil como teria sido dez anos atrás.”  

“Eu quero que as pessoas parem um pouco de enxergar apenas com os olhos. Estou tentando aprender e ensinar as pessoas a olharem com o coração.”

Por QSocial