Abaixo-assinado reúne 200 mil por liberdade à elefanta Bambi
Animal passou praticamente a vida toda explorada em circo
O quão opressor pode ser para um animal viver longe de seu habitat natural, confinado em um ambiente estranho e ainda exposto ao estresse de olhares humanos? Pensando nisso, a Bancada Vegana, movimento suprapartidário ativista da causa animal, lançou uma campanha para pedir liberdade a Bambi, uma elefanta asiática de aproximadamente 58 anos que desde 2014 vive no Bosque Zoológico Municipal de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
O movimento criou um abaixo-assinado, na plataforma Change.org, a fim de reunir a força e o apoio da sociedade para sensibilizar as autoridades que podem deliberar sobre o futuro de Bambi. A causa foi abraçada pela apresentadora e ativista Luisa Mell, no Instagram, fazendo com que em menos de um mês a petição alcançasse quase 200 mil assinaturas.
Menino remove correntes de elefante aprisionado há 30 anos
- Jiboia à solta em SP: Cobra de estimação foge de apartamento e preocupa moradores
- Onça que simbolizou queimadas no Pantanal vira mamãe
- 300 bezerros em situação de maus-tratos são resgatados em SP
- Voluntários se unem para salvar búfalos abandonados em Brotas (SP)
“O que nos motivou a criar o abaixo-assinado foi a lentidão relacionada à liberação da elefanta que poderia já estar usufruindo de uma vida em liberdade”, conta Danielle Simões, presidente da ONG Move Institute e uma das idealizadoras da Bancada Vegana. “O abaixo-assinado surgiu como uma ferramenta para fortalecer nossa reivindicação, trazer luz sobre o tema, pressionar o poder público, exigir um posicionamento por parte do prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira, e da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado”.
Os ativistas pedem que Bambi, que sofre com debilitações devido à idade avançada e explorações que enfrentou ao longo da vida, seja levada ao Santuário de Elefantes Brasil, que fica na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. A organização sem fins lucrativos oferece uma oportunidade de vida na natureza a elefantes cativos na América do Sul. O pedido de transferência, acompanhado de processo no Ministério Público, corre desde o final de 2018.
“Desde então, o processo se arrasta entre tentativas de adequações no recinto, financiadas através de milhares de reais em dinheiro público, a fim de manter Bambi confinada no zoológico e a comunicação cruzada entre zoológico x secretaria responsável x prefeito da cidade”, aponta Danielle, que atua na causa animal há mais de 10 anos por meio de projetos e ações com o objetivo de gerar reflexões sobre a relação entre seres humanos e animais.
A mobilização pode ser a chance de Bambi viver seus últimos anos em liberdade, já que elefantes asiáticos têm uma expectativa de vida de apenas 48 anos em cativeiro. Ela passou boa parte de seu tempo explorada pelo Circo Stankowich e, segundo as ativistas contam na petição, foi resgatada em 2009 da fazenda do dono do circo, local que não tinha permissão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Bambi estava acorrentada e cercada por uma contenção elétrica, segundo o relato de uma bióloga que acompanhou a ação de resgate. Na ocasião, Bambi estava brutalmente estressada e apresentava movimentos neuróticos repetitivos”, destaca trecho do abaixo-assinado. Depois de retirada da fazenda, a elefanta foi levada ao zoológico de Leme, no interior de São Paulo, e anos depois encaminhada para o bosque de Ribeirão Preto.
O que diz a prefeitura
A equipe da Change.org procurou a Prefeitura de Ribeirão Preto para saber como a elefanta é tratada no Bosque Zoológico Fábio Barreto e se o órgão irá atender à mobilização das ativistas liberando, finalmente, a transferência de Bambi ao Santuário de Elefantes.
A prefeitura, por meio de sua assessoria de imprensa, rebateu a colocação de que Bambi é explorada para entretenimento no local, já que ingressos não são cobrados do público para visitação. Apesar disso, o animal fica exposto ao contato dos humanos no bosque.
A assessoria informou que uma análise foi feita por um especialista ambiental do Departamento de Fauna da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, que visitou o local, examinou Bambi e outra elefanta asiática que vive no bosque desde 2011, a Mayson, emitindo um parecer para que ambas permaneçam no zoológico.
“No parecer, a Secretaria do Estado ressalta que ‘não há garantias de que tal santuário conte efetivamente com equipe técnica semelhante à existente no zoológico, tampouco que os animais lá destinados teriam desfecho feliz, considerando que, de quatro elefantes recebidos no local, dois morreram’”, diz trecho da nota. A prefeitura enfatiza que a análise considerou a idade avançada dos animais, a condição de saúde e o estresse do transporte.
Danielle, entretanto, conta que teve acesso ao parecer e define-o como “desonesto”, por acreditar que ele foi feito de forma “tendenciosa” e “antidemocrática”, já que não avaliou a infraestrutura e a equipe do Santuário de Elefantes. “Ao invés disso, eles tentam desqualificar a instituição, que é a maior autoridade no resgate de elefantes na América Latina”, dispara.
“Todos os elefantes que vivem no Santuário foram resgatados prioritariamente por estarem debilitados e com idade avançada, todos vieram de locais mais distantes do que Ribeirão Preto”, enfatiza a ativista. “A equipe do Santuário possui ampla experiência no transporte de elefantes, nunca um animal morreu durante o trajeto para a instituição. O transporte envolve uma série de protocolos a fim de familiarizar o animal à caixa de transporte”, acrescenta.
Danielle afirma, ainda, que a referência aos óbitos que ocorreram no Santuário é “irresponsável e inaceitável”. “É necessário entender que elefantes não se tornam imortais por terem sido resgatados”, fala. “Animais em zoológicos também morrem, a diferença é a falta de transparência da divulgação de óbitos e a privação de liberdade a que são submetidos”.
Zoológicos são necessários?
A ativista alega que, apesar de reformas, o recinto onde Bambi vive continua irregular. O texto do abaixo-assinado destaca que a falta de sol, problemas de interação com Mayson e o espaço pequeno coloca em risco a integridade física e mental das elefantas, o que faz com que o animal padeça. “Ela está em uma área de 1,5 mil m², o que parece muito para um ser humano, certo? Pois na natureza elefantes caminham até 30 km por período”, afirma Danielle.
Por outro lado, a Prefeitura de Ribeirão Preto argumenta, em nota, que o bosque recebe orientações e fiscalizações constantes. O órgão ressalta que, para o ambiente onde as elefantas ficam, segue recomendações feitas pela Associação de Aquários e Zoológicos do Brasil (AZAB) e Wild Welfare – associação internacional de proteção aos animais.
A prefeitura diz ter instalado uma divisória que permitirá às elefantas se aproximem com segurança, antes do pareamento definitivo. “O pareamento delas é importante porque elefantes são animais naturalmente gregários [que vivem em grupos] e seu bem-estar foi visivelmente aumentado pela companhia uma da outra”, contrapõe o órgão municipal.
Ainda no comunicado, a assessoria de imprensa comenta que quase a totalidade dos animais que vivem no zoológico, chegaram ao local como vítimas de maus-tratos e sem condições de sobreviver em seu habitat natural. “Os profissionais do local desenvolvem um importante trabalho de reabilitação de animais silvestres vitimados”, afirma. Aqueles que se reabilitam retornam à vida livre, os outros, porém, permanecem na instituição, explica.
Organizações, entretanto, consideram que, especialmente no caso dos elefantes, mesmo os considerados “bons” zoológicos não são uma opção viável, já que limitações de espaço impactam totalmente a qualidade de vida deles. Já o santuário, segundo a presidente da ONG Move Institute, conta com um corpo de profissionais, incluindo veterinários e biólogos, que trabalham há décadas com o resgate de elefantes e gestão no terceiro setor.
O “caso Bambi” levanta um debate ainda mais amplo sobre o modelo e existência dos zoológicos. “Por mais equipado que um zoológico seja, é impossível replicar as atividades que os animais teriam quando estão em seus habitats naturais. São incontáveis os casos de animais que morrem deprimidos e completamente entediados pelo confinamento dentro desses espaços precários”, pontua Danielle, destacando mortes precoces por causa do confinamento.
A ativista refuta a ideia de que é necessária a existência dos zoológicos, os quais chama de “grandes presídios para animais selvagens”. “Sua existência, como fonte de entretenimento e lucro, apenas reforça um modelo de exploração animal”. Ela sugere a tecnologia 3D, vídeos e o acesso a outros formatos para a integração de humanos e animais.
“Não podemos continuar perpetuando às novas gerações a equivocada e egocêntrica ideia de que animais podem ser subjugados e explorados para nosso divertimento ou benefício financeiro. Zoológicos não educam para o respeito à vida, mas sim para o especismo, a ideia de que animais devem servir aos humanos, negando a eles o direito à liberdade e de viver segundo seus próprios interesses”, finaliza a defensora dos direitos dos animais.