Uma viagem de ônibus pela Carretera Austral, no Chile
Grandiosa, a mítica estrada chilena construída durante a ditadura do General Pinochet para defender o país, pode ser percorrida, desde janeiro último, a bordo de um ônibus bem equipado, o que facilita a vida de quem pretende desbravar as maravilhas da Província de Aysén, na Patagônia Norte chilena.
A Carretera Austral já pertence à nobre linhagem das rodovias que fazem a cabeça dos apaixonados em cruzar naturezas extremas, como a Rota 66, nos Estados Unidos; a Trollstigen, na Noruega; e a Icefields Parkway, no Canadá, entre outras. Mas esse caminho austral está mais perto de nós, além de deixar muitas delas no chinelo.
Pé na estrada sempre foi uma motivação de viagens para nós. O que mais nos impressionou nesse roteiro foi o leque de possibilidades que ali as aventuras oferecem. Há opções para montanhismo, trekkings, bikkings, off-roads …
É possível apontar inúmeros atrativos dessa estrada de 1.400 quilômetros que cruza Aysén, ainda um lugar de natureza prístina. Quatro se destacam: a navegação de dia inteiro para a Laguna San Rafael, barquejar o Lago General Carrera pelos labirintos da Catedral de Mármore, o trekking pelo Parque Nacional Queulat para alcançar a colossal geleira pendurada homônima, e finalmente conhecer a flora dos bosques andinos no Parque Aiken del Sur. Em nenhuma dessas atrações se perde o caráter da aventura.
Pouco importa por onde você começa ou termina a viagem pela Carretera Austral. Qualquer trecho percorrido te levará para um mundo de descobertas. Nossa escolha recaiu na viagem do ônibus cruzeiro-quatro rodas organizado pelo Hotel Loberias del Sur. Este é um caso raro de hotel em que todos os serviços estão focados em satisfazer as necessidades dos hóspedes, cuidando de cada detalhe de sua viagem, preparando-a para percorrer a Carretera Austral. Assim nossa jornada tem início na pequena localidade de Puerto Chacabuco.
No dia seguinte já estávamos embarcando no moderno Catamarã Chaiten com destino ao glacial San Rafael. Numa intrincada trama de canais, lagunas e estreitos que ligam ilhas por toda parte, navegamos em águas tranquilas, e nos deparamos com paisagens em que se alternam cachoeiras, cumes nevados e bosques de intensa vegetação. Do alto condores nos observavam.
A primeira pista que estamos próximo da geleira é a chegada de constantes e pequenos blocos de gelo que flutuam na correnteza. À imagem das águas cristalinas recheadas desses blocos se confundem com o céu e nuvens, dando a impressão de mar e terra invertidos. À vista do glacial é surpreendente, inesperada e magnífica. Uma colossal massa de gelo azul desliza por 45 quilômetros por uma encosta até desabar na laguna, formando uma muralha de quatro quilômetros de largura e 60 metros de altura.
Para nos aproximarmos mais ainda da massa glacial, abandonamos o catamarã (que a esta distância fica barrado pelos blocos de gelo) e embarcamos nos zodíacos (barcos de borracha motorizados) para navegar entre os icebergs na água congelada da laguna. O silêncio só é quebrado pelos sons dos blocos que se desprendem da geleira e estouram na água. A paisagem da Patagônia nos projeta a um mundo de contraste entre cores solares e sombrias e a claridade do glacial expondo tons azuis, reforça essa viagem que parece receita de sonho que mistura fantasia e aventura.
As surpresas na Carretera Austral começaram quando nos acomodamos num confortável ônibus equipado com banheiro, cozinha e cozinheiro, em direção a Porto Tranquilo. Dali, ao amanhecer do próximo dia, seguimos de barco até as cavernas de mármore. No caminho a imagem que surge é sempre múltipla pois ela lança várias paisagens ao mesmo tempo como quando nos deparamos com o ‘Bosque Muerto’, uma vasta área desolada revestida de troncos retorcidos e calcinados pela erupção do vulcão Hudson há 25 anos. Ainda cruzamos por pequenas vilas de casas coloridas e por cabanas de pioneiros que foram esquecidas pelo mundo.
Esculpida durante milhões de anos pela água e pelo vento, a Catedral de Mármore, no Lago General Carrera, é uma inigualável obra de arte, rara união de grafismos, texturas, formas, e cores. Os labirintos em seu interior fazem o local ainda mais belo e misterioso.
O espetáculo muda à medida que o barco circula pelas formações labirínticas. Veem-se túneis sem saída, abóbodas de arabescos, passagens em ziguezague, colunas contorcidas, espaços que por vezes mostram acabamento liso e polido, e outros ásperos como se fossem talhados a golpes de machado. Dependendo da incidência, a luz arquiteta um cenário de castelo de fábula surreal, ou cria um efeito fantasmagórico.
O melhor agora seria não dizer mais nada e deixar o viajante livre para escolher seus roteiros. Está ali a Patagônia chilena “original”, com seus bosques, cachoeiras, glaciais, o magnifico Cerro Castillo, com 2.675 mts de altura, o Paredón de las Manos, o Parque Nacional Queulat com sua geleira que desaba quase verticalmente para os que se aproximam bem perto dela, a confluência do rio Baker com o Nef criando um rio de corredeiras, e o Parque Aiken del Sur, com sua exuberante flora andina. A verdade é que poucas experiências de estrada foram por nós tão vividas como essa pela Carretera Austral.
A região de Aysén reserva atrativos particulares em cada época do ano. No outono, as montanhas e bosques se revestem com tonalidades de vermelho até o roxo intenso, laranja e amarelo. Já no inverno a neve recobre as montanhas sob um manto liso, e o vento dá trégua à natureza: uma espécie de indulto pelas baixas temperaturas. Um verde vistoso pincela os pampas no verão e na primavera. Em todas as épocas o Hotel Loberias del Sur organiza viagens pela Carretera Austral dando as melhores opções para um trajeto seguro e de rara beleza.
Para se organizar:
Hotel Loberias del Sur: www.loberiasdelsur.com
Hacienda Três Lagos. Local de pernoite para no dia seguinte barquejar pelas Cavernas de Mármore; www.haciendatreslagos.com
Por Heitor e Silvia Reali, do site Viramundo e Mundovirado
Em parceria com Viramundo e Mundovirado
Site de viagens e descobertas. Sugestões para despertar a mudança que o viajante, mesmo sem o saber, deseja. Viajar muda também seu interior, daí “viajar para se descobrir”