Eduardo Neves, uma história que deu samba

Eduardo Neves fala sobre o samba e recorda episódios do início da carreira

Um dos grandes instrumentistas do samba, Eduardo Neves completa 30 anos de carreira desfrutando de prestígio e notoriedade. Conhecido por acompanhar o sambista Zeca Pagodinho, o compositor, flautista e saxofonista compartilha lembranças de sua trajetória em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.

Nascido e criado no Rio de Janeiro, sua experiência musical como instrumentista começou cedo. Aos dez anos de idade já fazia aulas particulares de flauta doce com o grande Carlos Malta, apelidado de “Escultor do Vento”; mais tarde, foi discípulo de Nicolino Copia, o maestro Copinha.

Neves voltou suas primeiras composições para o choro, ritmo que predominou no repertório dos primeiros grupos que integrou. No entanto, o olhar para o samba nunca deixou de acompanhá-lo. “Sou totalmente a favor do diálogo e das inovações. O samba já nasceu de uma mistura, o próprio choro também: não existe essa tal pureza na verdadeira música brasileira”, revela o instrumentista.

No começo dos anos 90, no Rio, já com a flauta e um bocado de versos afiados, Eduardo conheceu os integrantes do grupo do qual faria parte anos mais tarde, o Pagode Jazz Sardinha’s Club. O nome escolhido foi uma homenagem ao Beco das Sardinhas, tradicional ponto da boemia carioca, no centro da cidade, especializado em sardinha na brasa.

Além de arranjar e acompanhar figuras elevadíssimas da música brasileira como Hermeto Pascoal, Tim Maia, Luiz Melodia e Guinga, Neves atuou como músico em shows e estúdio com uma infinidade de bambas como Nei Lopes, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Wilson Moreira, Zeca Pagodinho, Délcio Carvalho e Vó Maria.

Formado em 1997, o Pagode Jazz Sardinha’s Club ficou conhecido por suas inovações estéticas musicais

Outro projeto mais recente para o qual Neves tem dedicado grande parte de seu tempo é o Baile do Almeidinha. Idealizada em parceria com o bandolinista Hamilton de Holanda, a iniciativa promove o encontro de diferentes gerações de músicos com intuito de expor a vasta seara musical brasileira.

Na entrevista, o músico também expõe sua preocupação iminente com a cultura do brasileiro em torno da música: “Vivemos um desamparo educacional que está matando a nossa cultura. Precisamos melhorar a educação nas escolas e dar mais valor a música”.

Confira a entrevista completa:

Aos dez anos, você fazia aulas particulares de flauta doce com Carlos Malta; quatro anos depois, foi discípulo do maestro Copinha. De onde veio esse interesse pela música?

Sempre escutei músicas no rádio, minha mãe também me levava em shows, como do Altamiro Carrilho, e fui me interessando. Comecei a tocar no colégio, bem novinho. Os alunos que se interessavam poderiam ficar depois para aprender flauta doce. Aí que comecei a ter aula com o Carlinhos (Malta).

Em meados do ano de 1987, aos 16 anos, o seu envolvimento profissional com a música começou a tomar forma. Tim Maia, Luiz Melodia e Hermeto Pascoal foram alguns nomes que você acompanhou no início de carreira. O que mais emociona ao lembrar destes primeiros contatos?

Ah, é legal. Quando se é adolescente e está começando a se profissionalizar, é ótimo ver que você consegue trabalhar, ganhar dinheiro, mergulhar no meio musical e ver seu trabalho começar a frutificar.

O Pagode Jazz Sardinha’s Club foi essencial para a movimentação que mudou a cara do Rio de Janeiro e promoveu uma valorização da música instrumental. Quem eram os parceiros do início? E os grandes entusiastas?

Os parceiros foram aqueles que formavam a banda: Rodrigo Lessa, Edson Menezes , Xande Figuereiro, Roberto Marques, Marcos Esguleba e o Lula Galvão. Gravamos três discos – queríamos fazer algo que misturasse a música dançante com o samba e com o jazz. Queríamos fazer algo contagiante, mais pop misturado com essa dinâmica bem carioca; todo mundo que ouvia, curtia.

Vários artistas, como o Guinga, Johnny Alf e o Zeca Pagodinho, frequentavam as apresentações, ou seja, muitos artistas com quem a gente trabalhava, também nos dava apoio nos shows.

O Rio de Janeiro, que continua sendo o principal celeiro de chorões, segue inovando e diversificando a linguagem do gênero. Como configurar a relevância do Pagode Jazz Sardinha’s Club e de seus representantes no processo de difusão e transformação do gênero em âmbito nacional?

Acho que a gente conseguiu fazer uma fusão bacana e original. Os artistas geralmente buscam essa linguagem original e nós conseguimos ter a nossa: óbvio que fomos influenciados, mas a gente misturava coisas que nós conhecíamos muito bem, não eram escolhas aleatórias. Fomos buscar esses elementos na raiz tanto do choro quanto do samba.

Músicos como Cristovão Bastos, Guinga, Hermeto Pascoal, Marco Pereira, Leandro Braga e Wagner Tiso são figuras inaugurais na chamada evolução do choro na música contemporânea, ou seja, músicos que vêm acrescentando elementos estéticos para o desenvolvimento do gênero. Como você enxerga este diálogo com as outras estéticas musicais?

Sim, todos esses são músicos que contribuíram muito. Sou totalmente a favor do diálogo, das inovações. O samba já nasceu de uma mistura, o próprio choro também, não existe essa tal pureza na verdadeira música brasileira, essa coisa de levantar bandeira, daquilo que seria verdadeiro ou não.

Tem que ter bom senso, tem que estudar, tem que estar apto a tocar. É complicado essa coisa de fazer voto de fidelidade: a música é pra ser construída.

O CD “Gafieira de Bolso”, de 2003, fez renascer o som das grandes orquestras de baile do Rio de Janeiro. O repertório também era composto por músicas autorais e interpretações para nomes como Pixinguinha, Tom Jobim e Jacob do Bandolim. Qual a importância de homenagear as obras de artistas e manifestações tão autênticas da nossa música?

Vivemos um desamparo educacional que está matando a nossa cultura. Precisamos melhorar a educação nas escolas e dar mais valor à música.

Se o público não sabe quem foi Pixinguinha, se não sabe quem foi Tom Jobim, vai ser mais difícil de entender a minha música. Não queremos fazer música apenas para os músicos. Mas, quando as pessoas são ignorantes e não conhecem a matéria-prima do seu trabalho, como no meu caso, prejudica demais.

Qual é a sua relação com o samba?

O samba é um primo do choro, no âmbito da instrumentação. E, morando no Rio, o samba sempre esteve muito presente. Sempre toquei em rodas e comecei tocando profissionalmente com Délcio Carvalho, Noca da Portela e Zeca Pagodinho. Já toquei com toda esse pessoal do samba. É como dizem: “Quem não gosta de samba bom sujeito não é”.

Apesar de sua sólida trajetória como flautista e saxofonista em bandas de músicos diversos — de Tim Maia a Zeca Pagodinho passando por Hermeto Pascoal —, você nunca deixou de dedicar-se ao trabalho autoral, sozinho ou em grupos como o do Baile do Almeidinha e o Pagode Jazz Sardinha’s Club. Esta pergunta é inevitável: quais são suas grandes influências no âmbito da composição?

Acho que a música brasileira de uma forma geral: Pixinguinha, Jobim, Hermeto. Algumas influências de música étnica, música árabe, música africana. Mas, de fato, os grandes mestres da música brasileira.

Sinto que todos beberam destas influências. Cada um realiza um trabalho, internaliza e depois compõe de um jeito particular. Cada compositor tem sua particularidade em transmutar o que conhece de Brasil.

E qual foi a música mais difícil de compor?

Ah, não sei. Uma parte desse processo é a inspiração, mas a composição mesmo é meio enigmática. O processo é muito trabalhoso, nunca tem uma música fácil de compor. Existem músicas rápidas, de repente você está no lugar certo na hora certa, mas existe uma fagulha que você não sabe quando vai dar.

Em entrevista concedida para “O Globo” você afirmou que “a grana continua circulando no mundo da música, mas cada vez menos no bolso de quem toca”. Como a música instrumental é recebida hoje no mercado? Vocês ainda enfrentam ignorância e preconceito?

Não, acho que já foi pior. No caso do choro, os músicos jovens tocam muito choro. Na minha época os músicos jovens só tocavam música americana, por exemplo. Então acho que já teve muito mais preconceito do que hoje em dia.

O ambiente universitário nos dias de hoje pode ser considerado como um berço forte de produção musical? Se não, de onde surgem os novos artistas?

De uma forma geral, eu não acho bom. O jovem universitário busca a música como forma de entretenimento, está mais ligada com essa coisa de “pegação”. Acho que essa experiência poderia ser mais explorada; quem sabe uma música ligada a uma certa religiosidade, algo mais profundo que promova um contato consigo mesmo.

Claro que tem uma juventude que pratica e consome esse tipo de cultura e arte, mas não tem um local nítido para que isso aconteça;, por exemplo, hoje em dia não existem mais festivais de música universitários ou coisas desse tipo.

Como você enxerga o diálogo do samba contemporâneo com a atual conjuntura política? Os representantes da chamada “nova geração” estão se pronunciando ou você sente que falta engajamento?

Não vejo muito posicionamento político. Sinto falta de representantes como a Beth Carvalho e a Leci Brandão, que desempenham esse ativismo. Acho que o rap fala mais que o samba, eu pelo menos não conheço os compositores do samba que estejam falando sobre isso.

No mês de maio, você apresentou o show “Calango Night Club” no Bar Semente. O que você experimentou de diferente que puxou o conceito deste espetáculo?

Esse trabalho é uma coletânea dos CDs que já gravei: “Balya” (1994), “Pagode Jazz Sardinha’s Club” (1999) e “Gafieira de Bolso” (2003). A ideia foi fazer um apanhado da minha carreira com um enfoque nas canções mais dançantes. Trata-se também de um repertório exclusivamente autoral.

Além da comemoração dos 30 anos de carreira, há mais novidades para este ano?

Quero continuar tocando. Em julho, eu e a rapaziada do Baile do Almeidinha vamos tocar no exterior, também vou continuar com o show do tributo a Nelson Cavaquinho. Vida de músico, né?