Fotografia: Rogério Reis resgatou o Carnaval de rua e é o paparazzi dos anônimos do RJ

20/10/2014 00:00 / Atualizado em 04/05/2020 15:04

“Na Lona”
“Na Lona”

Rogério Reis é um daqueles fotógrafos que você pode não lembrar o nome, mas já deve ter “esbarrado” com algumas de suas imagens.

E mesmo que nunca tenha visto nenhuma de suas fotos, pode conhecer um pouco de sua história.

No filme Cidade de Deus, ele é o personagem que entrega a câmera para o Buscapé retratar a realidade da comunidade e publica as fotos dos traficantes do morro.

“Ninguém é de Ninguém”
“Ninguém é de Ninguém”

“Eu ia para a Cidade de Deus durante os anos 80 e o Paulo Lins, diretor do filme, resolveu inserir o meu personagem “, lembra o fotógrafo.

Antes da entrevista, Rogério Reis fez questão de frisar que é um fotógrafo urbano. “Eu fico dentro da cidade mesmo”, disse. E lembrou as dificuldades de fazer um trabalho de imersão em meio às inúmeras tarefas diárias e problemas do Rio de Janeiro. “Eu batalho muito para coexistir na cidade”, comenta.

O Catraca Livre entrevistou Rogério Reis sobre algumas de suas séries, confira.

Na Lona

“Talvez esse seja o meu primeiro trabalho de expressão mais autoral. Desde a faculdade eu trabalhava como funcionário de jornal. Eu fui educado e condicionado dentro desse ambiente e considero uma puta escola.

Em um jornal você faz quase tudo, vira um generalista. E isso dá uma experiência boa. Não sei se é a melhor formação para um fotógrafo, mas você vai para lugares que não estaria fora da condição de jornalista e repórter.

No final dos anos 70, as pessoas ficavam 10, 12, às vezes 20 horas na redação. Dormiam no jornal. Não era um processo humano, mas era feito em nome da paixão.

Quando comecei o ‘Na Lona’ já tinha 5 anos de cobertura de Carnaval no sambódromo. No sexto Carnaval eu comecei a questionar aquele espaço oficial. Era um lugar midiático, controlado por emissoras de TV. Fiquei enjoado de fazer um carnaval organizado, cronometrado e coreografado.

Então, cometi a primeira transgressão ao meu favor. Resolvi virar de costas para o sambódromo. Fui atrás de personagens de rua durante 15 anos.

A série demorou muito porque havia uma grande crise do Carnaval de rua. Era uma peregrinação e as primeiras fotos eram daqueles que estavam na resistência, no bloco do eu sozinho mesmo.

Eu saía com a lona de caminhão e um assistente. Traçava um mapa e fazia o centro financeira da cidade. Havia presença de foliões e já havia uma crítica político social nas fantasias, personagens de novela, entre outros.

Também busquei personagens nos subúrbios, os clóvis, fantasias de origem francesas, parecidos com maracatu rural. Um carnaval de resistência cultural da periferia, que mantinha a tradição.

E também na zona sul, em que só havia a Banda de Ipanema, que trazia a questão da liberdade social. Uma banda gay. Foram esses os ambientes que fotografei.

Não era uma foto roubada, era concedida, um retrato do sujeito. Eu incentivava a fazer uma coreografia e a performance, fazer da lona um palco de teatro.

Um amigo, sociólogo sugeriu que eu começasse a identificar esses sujeitos.Até que um folião chegou para mim e falou: ‘Estou há anos montando essa fantasia de Pedro Álvares Cabral e você fica me perguntando quem eu sou, o que eu faço?’.

Foi uma luz, percebi que meu trabalho não tinha caráter antropológico e sim de viajar na onda da fantasia”.

Surfistas de Trem

“Essa série foi feita na época da Agência F4. Tínhamos uma proposta engajada. O objetivo de fazer as próprias pautas. Não queríamos trabalhar com a fantasia alheia.

O surf de trem sempre foi uma ação marginal. Era uma atividade bastante nociva e alguns deles chegaram a morrer. Às vezes o trem parava e interrompia o fluxo, prejudicava passageiros.

Um conhecido de um amigo era surfista de trem. Nos aproximamos dele e fizemos uma proposta de parceria. Queríamos ganhar a confiança deles.

Fizemos várias idas e voltas na série. As fotos foram feitas no ramal do Japeri, o mais perigoso dos trens porque não tinha calhas laterais. Se o surfista se escorregasse ou perdesse o equilíbrio não tinha onde se segurar.

A atividade era uma maneira do jovem de baixa renda conseguir se distinguir e emancipar. O cara que surfava no trem era uma espécie de herói na comunidade. Era cobiçado pelas meninas.

E isso dava certo status. Já que não podiam surfar no mar, surfavam no trem.

Se no mar é ter equílibrio e ganhar velocidade, no trem é a mesma coisa. Não tem ondas, mas o trilho tem curvas.

Chegou uma época, que eles tinham até advogado, pois eram sempre presos. A repressão aumentou muito e isso acabou.

Ninguém é de ninguém

“A série é uma crítica ao comportamento das praias. Eu tive a preocupação de tentar retratar todas as classes sociais. Acredito que a praia é um local em que você pode circular, independente do status social.

Quando fiz A Lona, não havia consciência do direito de imagem. Hoje, ao contrário, é muito comum a pessoa o identificar como fotógrafo profissional pelo equipamento.

As pessoas olham e falam: ‘vou chamar o meu advogado, quero cachê, direito de imagem, vou te processar’.

A série é um bom contraponto ao Na Lona. Ao contrário dos anos 1980 e 1990, as relações com os fotógrafos nas ruas tornaram-se mais tensas, perdeu o romantismo.

Eu vinha notando na imprensa que toda segunda-feira surgia a mesma foto nos jornais, que só apareciam os guarda-sóis. Estava engessado pela questão do direito de imagem.

Então eu quis criar um personagem e virar um paparazzi dos anônimos na praia.

Comecei a fazer as fotos, querendo mais liberdade de fotografar, de frente, bem próximo. Comecei a fazer fotos rápidas, com foco automático, sem a permissão das pessoas.

Queria que não percebessem e formassem um conjunto de imagens bem espontânea.

Durante o trabalho eu fui sofrendo algumas pressões e repressões quando era identificado. Por isso desenvolvi uma cartilha de como fotografar na praia com liberdade com o lema do Bansky ‘É mais fácil pedir perdão do que permisssão’.

Imagina você esperar 15 dias para conseguir uma autorização de fotografar de posto de salva-vidas e no dia chover? É mais fácil subir e pedir desculpas depois.

As tarjas de censura, muito usadas no jornalismo, foi uma maneira explicita e poética de brincar com as imagens. Tentei buscar o humor no trabalho”.