Hamilton de Holanda: o inventor do bandolim de dez cordas
Conhecido como virtuose do bandolim por tocar com técnica e agilidade fora do comum, Hamilton de Holanda possui um olhar completo a respeito da música e da realidade sociocultural brasileira.
Somando quase 30 anos de estrada, o bandolinista e compositor brasiliense radicado no Rio de Janeiro é hoje um dos mais criativos expoentes da música instrumental brasileira, reconhecido também em vários países da Europa e nos EUA. Os 30 álbuns lançados por ele, assim como os prêmios conquistados – Grammy Latino e Prêmio da Música Popular Brasileira – dão uma ideia da amplitude de sua obra e do prestígio que desfruta no meio musical.
Além de arranjar e acompanhar intérpretes e músicos brasileiros como Chico Buarque, Dominguinhos, Yamandú Costa, Milton Nascimento, Aldir Blanc, Hermeto Pascoal, Pixinguinha, Hamilton também já colaborou com conceituados artistas internacionais como os pianistas cubanos Chucho Valdés e Omar Sosa, o acordeonista francês Richard Galliano, o trompetista norte-americano Wynton Marsalis e o pianista italiano Stefano Bollani.
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Sua obra também expõe a importância de homenagear artistas considerados pilares da música brasileira: “Se a gente tem a capacidade de reverenciar quem nos construiu, quem nos deu personalidade, acho que o país evolui e cresce de uma maneira bem mais bonita”.
Em entrevista exclusiva ao Samba em Rede, o músico – idealizador do bandolim de dez cordas – ainda compartilha lembranças do início de carreira, sua relação com o Clube do Choro de Brasília e com os integrantes do Quinteto Brasilianos e conta a história sobre a criação do Dia Nacional do Choro.
Confira a entrevista na íntegra:
Em meados do ano de 1981, aos 5 anos, que o seu envolvimento com a música começava a tomar forma. Como tudo começou? Quais lembranças você tem desse início de carreira?
Foi dentro do contexto familiar que eu comecei com a música, ao lado do meu irmão Fernando e do meu pai José Américo. A gente se reunia para tocar, ensaiar, mas no fundo era tudo uma grande brincadeira. Apesar de sempre haver uma dinâmica de compromisso – rolava essa disciplina de ensaio -, era uma maneira muito alegre e leve. Era uma atividade que eu gostava muito.
Além de seu pai e professor, José Américo, você consegue recordar outros grandes entusiastas que o auxiliaram nesse caminhar? O que mais emociona ao lembrar dos primeiros contatos?
Eu me lembro de professores que eu tive na escola de música. Lembro do professor Everaldo, um grande violonista lá de Brasília: eu ia para a aula de bandolim e ele ia me orientando com o violão; ele me ensinou a ler música.
Lembro-me de um professor do método Duzuki, o Tashiki, e também do Evandro Barcelos – foi o cara que apresentou o Clube do Choro para o meu pai. Foi a primeira pessoa que me deu o “toque” para tocar o bandolim, já que eu não tive professor de bandolim; tive apenas aula de violão, violino.
O Clube do Choro de Brasília foi essencial para a movimentação que mudou a cara da região e promoveu uma valorização do choro. Quem eram os parceiros do início? E como surgiu a opção pelo choro?
O Clube do Choro foi a minha porta de entrada para o ambiente musical. Meu pai foi apresentado pelo Evandro Bacelos aos músicos do choro de Brasília: Six, Reco, Alencar, Lício, Pernambuco do Pandeiro, Tio João do Trombone e o Bide da Flauta – primo de Pixinguinha. Foi a minha convivência inicial, então eu não fiz uma opção: ela já foi apresentada pra mim desde muito cedo.
Meu pai gostava muito de bossa nova, de grandes orquestras, escutava vários discos em casa, mas o primeiro grupo que a gente se envolveu foi o Clube do Choro.
O nosso grande primeiro parceiro – do grupo com o meu irmão e meu pai – foi o Pernambuco do Pandeiro, que era um músico ativo desde o início da cidade de Brasília e um dos fundadores do Clube do Choro. Ele tem uma importância fundamental na minha vida.
Como configurar a relevância do Clube – e seus representantes – no processo de difusão do gênero em âmbito nacional?
Acho que o Clube do Choro sempre foi agregador e continua sendo uma referência para os músicos do Brasil todo. Muito pela influência do Six (Francisco de Assis Carvalho da Silva), presidente do Clube por um tempo, advogado e cavaquinista, que era uma figura que agregadora.
Rolavam shows na Sala Villa Lobos produzidos pelo Clessios Caldas, compositor famoso de músicas populares e marchinhas. Lembro de homenagens ao Valdir de Azevedo e ao Jacob do Bandolim comandadas por gente como Altamiro Carrilho, Época de Ouro e Armandinho. Essa turma toda ia muito a Brasília por conta da valorização do choro.
Em Brasília foi onde se montou a primeira escola de choro: a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabelo. O Clube tem um valor muito grande para a cultura nacional.
Os dez anos desde a criação do projeto Quinteto Brasilianos estão sendo comemorados em 2016. De que modo você, sua música e a relação com os parceiros se transformou ao longo da década?
Este é um trabalho de vida! Esses parceiros são muito especiais e a gente teve um crescimento musical conjunto em Brasília. O André (André Vasconcellos), o Dani (Daniel Santiago), o Gabriel (Gabriel Grossi) e o professor Marcio Bahia me ajudaram muito desde o começo. A minha face compositor foi muito explorada nessa formação e me proporcionou uma conexão incrível com a música do mundo todo devido às viagens.
Fomos premiados algumas vezes aqui no Brasil com o Prêmio da Música Brasileira e fomos indicados para o Grammy Latino. A gente comemora esses dez anos com muita alegria e com certeza vai pintar muita coisa pela frente.
Você é o responsável pela criação do bandolim de dez cordas. Como surgiu a ideia? Você imaginava a boa aceitação após seu pedido “inusitado” ao luthier Vergilio Lima?
Eu não imaginava que tantos jovens dentro e fora do Brasil estariam querendo tocar o bandolim. Foi uma ideia muito pessoal. Eu gosto muito de violão, de piano, instrumentos completos que você escuta os três elementos da música, a polifonia toda, e eu queria que o bandolim também pudesse fazer isso.
Pedi ao Vergilio um bandolim com um par a mais de cordas para que eu tivesse mais opção de notas e um som um pouco mais grave. Foi uma maneira musical de expressar as minhas ideias. E é uma alegria para mim ver um monte de gente estudando e fabricando esse instrumento.
Você também é considerado um dos responsáveis pela criação do Dia Nacional do Choro. Você poderia recordar essa história?
Lembro sim. Estava dando uma aula de cavaquinho para uma amiga querida, a Mônica, e estávamos conversando sobre dias oficiais: há dias oficiais de tanta coisa no Brasil, mas não tinha o Dia do Choro. Me lembrei que o pai do Leandro, um amigo meu de escola, era assessor do senador Arthur da Távola – que sempre foi um homem muito ligado a cultura – e decidi ligar pra ele e perguntar como é que se criava o dia de alguma coisa.
Liguei e ele me perguntou: ‘Mas dia de quê?’; respondi: ‘Dia nacional do Choro’. Disse que seria no dia 23 de abril, que é o dia de nascimento do Pixinguinha, considerado o pai do choro. Pouco depois ele me retornou e disse: ‘O senador adorou a ideia e vai preparar um projeto de lei para isso’.
Se eu me lembro bem, a ligação aconteceu em abril de 2000 e em setembro o presidente Fernando Henrique sancionou a lei. Tenho muito orgulho dessa história.
Qual a importância de homenagear as obras de artistas que são considerados pilares da música e da história nacional?
Isso deveria ser estudado nas escolas: os grandes heróis nacionais, os formadores da nossa cultura, e o Pixinguinha é um deles. Acho que é fundamental para se manter um país numa linha evolutiva, principalmente do ponto de vista da cultura.
A personalidade de um povo se molda a partir da cultura e da arte se a gente tem a capacidade de reverenciar quem nos construiu, quem nos deu personalidade; acho que o país evolui e cresce de uma maneira bem mais bonita.
Você sente que o choro é valorizado? Qual é a sua opinião sobre o atual cenário da música brasileira em torno deste gênero?
Eu vejo uma evolução, principalmente porque tenho visto muitos jovens se interessarem por um gênero antigo. É natural o jovem gostar do que é feito na sua época; a gente não deve ver como uma coisa negativa existirem novos estilos musicais, mas acho que devemos valorizar o que foi feito de bom no país até então.
E eu tenho visto com alegria os jovens e uma turma nova se interessando pelo choro e tentando misturar com novas linguagens. Há também uma linha mais conservadora que mantém a maneira mais tradicional de se tocar o choro. Acho que as duas formas são importantes: o gênero deve se abrir para que outras gerações possam conhecer essas novas estéticas e também valorizar a linha mais tradicional que mantém a originalidade do gênero.
Da minha parte, faço o Baile do Almeidinha, que é uma forma de apresentar para a juventude essa música que a gente tem. Eu tenho esse olhar pra frente e tenho tido alegrias vendo a juventude tocar choro.