Histórias do Carnaval: respeito ao samba entre Rio de Janeiro e São Paulo

História contada por Seo Carlão do Peruche, presidente de honra e um dos fundadores da Unidos do Peruche, presidente da Associação das Velhas Guardas das Escolas de Sambas Paulistas, Embaixador Mestre do Samba Paulistano, cantor, compositor e baluarte, além de ter recebido o prêmio Anchieta pelos relevantes serviços prestado ao samba de São Paulo|História contada por Seo Carlão do Peruche, presidente de honra e um dos fundadores da Unidos do Peruche, presidente da Associação das Velhas Guardas das Escolas de Sambas Paulistas, Embaixador Mestre do Samba Paulistano, cantor, compositor e baluarte, além de ter recebido o prêmio Anchieta pelos relevantes serviços prestado ao samba de São Paulo

Seo Carlão do Peruche relembra história sobre o Carnaval
Créditos: Marketing Monitor
Seo Carlão do Peruche relembra história sobre o Carnaval

“Antes de 1968 nós já fazíamos o desfile das escolas de samba de São Paulo. Foi uma época difícil para o nosso samba. Havia passado diversos prefeitos pelo município, mas suas agendas eram sempre lotadas. Até conseguimos agendar com alguns prefeitos antes de 1968, porém a conversa não avançou.

Nós éramos todos negros e o samba não era bem visto como nos dias de hoje. Era eu, Eunice (Madrinha Eunice), Pé (Pé Rachado), Nenê (Seo Nenê da Vila Matilde), Nego da Folha Azul dos Marujos, Macalé lá do Coração de Bronze, Mulata (Inocêncio Tobias do Camisa Verde e Branco), Xangô, Mala do Tatuapé, o pessoal do Falcão do Morro de Itaquera, etc.

Antes da Federação das Escolas de São Paulo, havia uma dispersão de entidades e era preciso unir todas. Mulata achou que precisava alguém “de peso” para marcar uma reunião com o prefeito. Daí surge o nome do radialista Moraes Sarmento, amigo de Mulata. Foi convidado para ser o presidente dos cordões e escolas de samba da cidade.

Marcamos uma reunião com o prefeito pensando: “Será que ele vai nos atender?”. Fomos para lá… Uma negrada! Sentimos que pelos olhares das secretárias havia certa discriminação, entende? E assim foi…

Estranhamos o fato do prefeito ter nos recebido na hora certa. Sentamos em torno daquelas mesas grandonas e ele nos perguntou: “Os senhores são os homens do samba de São Paulo? Pois bem… Quanto vai custar o Carnaval?” – pensando que tínhamos algum projeto, mas nós não levamos nada!

Aí ele falou: “Eu saio na Mangueira!”. Eu falei baixinho para o Mala que estava ao meu lado: “Sai na Mangueira nada Mala, é outro político que só quer nosso voto!”.

Como nós não tínhamos nada, o prefeito pediu uma semana para apresentarmos onde iríamos fazer o Carnaval e qual o preço da infra-estrutura. Eu havia trazido o Evaristo de Carvalho para ser nosso secretário e ele aceitou. Saímos correndo para atender o homem, pois naquele tempo nós íamos para os desfiles de caminhões e bonde, já pensou ir de ônibus?

Ficamos contentes e pedimos cinco mil réis para fazer o Carnaval, mais ou menos isso… Sei que era um dinheirão na época! Colocamos tudo no papel e fomos. Novamente fomos recebidos muito bem, apesar de pensarmos que ele não iria nos receber. Moraes passou o papel para o secretário dele, ele leu e disse: “É isso que vai custar o Carnaval?”.

Pensamos que seria cortado algum custo, mas pelo contrário, ainda foi acrescentado… Foi a maior alegria que passei no mundo do samba pelo respeito à nossa cultura. Todo mundo se abraçou, foi uma alegria só.

Foi quando o prefeito levantou da ponta da mesa, veio na minha direção e disse: “Falei que eu saio na Mangueira!”. Tirou a carteirinha do bolso e botou na minha cara repetindo: “Disse que saio na Mangueira!”. Todo mundo ficou perplexo. Somente o Mala deu risada, pois sabia que eu havia duvidado do homem… Pensei, “rapaz ele leu os meus lábios.”

Dali em diante o samba em São Paulo começou a se organizar definitivamente! Este episódio, claro, foi uma das maiores alegria de minha vida e também a maior vergonha que passei no mundo do samba.”

*Especial do Terreirão Cultural Produtora para o Samba em Rede