Leci Brandão discute a iniciativa do guia ‘Circuito de Rodas de Samba de SP’ em entrevista exclusiva

Leci Brandão fala sobre sua iniciativa do guia “Circuito de Rodas de Samba de São Paulo”

Nascida em Madureira, no Rio de Janeiro, Leci Brandão começou a trilhar carreira como cantora e compositora no final da década de 1960. Uma das pioneiras do samba, ela quebrou muitos estigmas ao se tornar a primeira mulher a fazer parte do time de compositores da Estação Primeira de Mangueira, em 1972.

Considerada uma das principais intérpretes do país, Leci acumula 20 álbuns gravados. No entanto, sua carreira seguiu outros rumos em 2010, quando foi eleita deputada estadual por São Paulo. Em 2014, foi reeleita sustentando as bandeiras da igualdade racial, defesa da mulher e promoção da cultura popular.

Para a deputada, que vem ressaltando a importância das comunidades tradicionais e da cultura afro-brasileira na Assembléia Legislativa de São Paulo, o samba e suas tradições são parte da história do nosso país. Preservar a memória e cultivar culturas populares é garantir o futuro de um povo.

Em seu mandato, promove ações e elabora propostas para aproximar o Poder Público das comunidades de samba, tais como a publicação da cartilha “Memória do Samba Paulista”, a criação do Dia Estadual do Samba – projeto de lei que declara o samba patrimônio cultural imaterial do Estado de São Paulo -, além do lançamento do guia “Circuito de Rodas de Samba de São Paulo”.

Em entrevista concedida por telefone ao Samba em Rede, Leci Brandão mostra sua perspectiva sobre a publicação do guia “Circuito de Rodas de Samba de São Paulo”:

O que são as “Comunidades de Samba de São Paulo”?

As comunidades são grupos normalmente ligados a periferia de São Paulo, que se reúnem em um espaço comum e cantam os seus sambas, num ambiente muito simples, com presença familiar – pessoas de todas idades –, petisco e cervejinha gelada

Vale a pena ressaltar que essas comunidades existem há algum tempo; de uns anos pra cá, as comunidades têm tido um protagonismo muito grande no sentido de preservar os compositores de São Paulo.

No que se constitui o “Guia das Comunidades de Samba de São Paulo”?

A primeira edição do guia oferece informações sobre 27 rodas de samba paulistas que acontecem em diferentes regiões da cidade, apontando datas, locais, referências e contatos para mais informações.

Como se deu o processo de mapeamento destes grupos?

Foi através de alguns assessores parlamentares, que já frequentavam esses lugares. Pensei que, além das escolas de samba e do Carnaval em São Paulo, essas comunidades precisam de maior visibilidade. O Rio tem muitas rodas de samba e São Paulo também tem isso.

Começamos a reunir esses representantes das comunidades e engajá-los na Virada Cultural. Foi na virada do ano passado que conseguimos colocar o samba em destaque, com apoio do Secretário de Cultura e o pessoal da ASTEC (Associação de Sambistas, Terreiros e Comunidades de Samba do Estado de São Paulo).

Depois veio a ideia de reunir todas essas informações em uma cartilha. E isso ajuda até o turismo. É muito bom que as pessoas saibam onde ir para ouvir um bom samba, comer um quitute gostoso, beber uma cerveja gelada…

O Carnaval e o samba, longe de serem manifestações generalizadas da sociedade paulistana, ganharam legitimidade com a emergência dos cordões paulistas e com as primeiras escolas de samba de São Paulo, como a Lavapés. Você enxerga o fenômeno atual das “comunidades de samba” como um resgate desses cordões do passado? E as considera como manifestação autêntica da cultura paulista?

Nessas comunidades não existe essa coisa de patrono: as pessoas são amigas, são vizinhas – você pode encontrar a avó, neto, tio, mãe e filha -, fato que lembra muito a dinâmica dos cordões.

Acho que o movimento resgata sim o que a gente chama de saudosismo. Precisamos ter esses valores resgatados, como uma reafirmação da criatividade popular no setor das atividades festivas, elaborando formas novas de convívio e de respeito.

Nomes como Dionísio Barbosa, Inocêncio Mulata, Dona Eunice do Lavapés, Pé Rachado do Bixiga e tantos outros artistas do Carnaval ainda são lembrados como a resistência do samba na cidade de São Paulo. Como você vê essa resistência nos dias atuais?

As comunidades de samba de São Paulo e seus representantes são fortes exemplos da resistência cultural do samba paulista.

Além do lançamento do “Guia das Comunidades de Samba”, o que mais pode ser feito para que essas manifestações de cultura ganhem maior projeção?

Olha, uma coisa que sempre aconteceu no Rio de Janeiro e que São Paulo não tem é a questão das escolas de samba mirins. Seria importante reservar um espaço para as crianças: um dia de Carnaval para o desfile exclusivo de crianças.

Um exemplo é a Mangueira: lá existe uma condição para as crianças desfilarem, pois é preciso que o jovem apresente o boletim, que seja aprovado no colégio. Acredito que trazer a criança e o jovem para o caminho da cultura, da música e do esporte é a chave.

Outra questão é sobre as quadras das escolas. Esses espaços poderiam ser mais ocupadas ao longo do ano, com professores de dança, música, pintura, ou seja, serem usados para fins culturais. É preciso mostrar que a cultura do samba não se resume aos três dias de desfile no Anhembi.