Marcos Esguleba, o nome do ritmo
Percussionista fez sua história ao lado dos grandes do samba e da música brasileira
Rachel Sciré especial para o Samba em Rede
Marcos Alcides da Silva – ou Marcos Esguleba para a turma do samba – é presença constante ao lado de grandes nomes da música brasileira, como Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Roberto Carlos, Elza Soares, Ney Matogrosso, Alcione e Chico Buarque. O percussionista faz parte da Banda Muleke, de Zeca Pagodinho, há mais de 30 anos, uma década a menos do que o período em que “comanda” o ritmo na Unidos da Tijuca, sua escola de coração e onde também ostenta o título de baluarte do samba.
Na entrevista a seguir, Esguleba conta um pouco da sua trajetória, fala de seus ídolos, como Mestre Marçal e Mestre Trambique, e cita referências importantes para todos que querem tocar ou apreciam a batucada.
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Como você começou a tocar?
Nasci no morro da Casa Branca, na Tijuca, e depois fui morar na Piedade e lá tinha um monte de blocos, como a Banda da Amendoeira, Bacanas da Piedade, que eu frequentava. Fui tocar mesmo na bateria mirim da Império Serrano, com uns 13 anos; depois comecei a trabalhar como office boy, passei a pegar condução e frequentar a Unidos da Tijuca. Na escola de samba, a gente começava tocando chocalho e depois tomava intimidade com outros instrumentos, toquei muito repinique e tarol. O que deu rumo na minha vida musical foi frequentar as rodas de samba como o Pagode da Tia Doca, o Pagode do Arlindo e o Cacique de Ramos, para onde fui com o objetivo de aprender a tocar melhor o repique de mão e o tantã.
Em entrevista recente ao Samba em Rede, o Ubirany, do Fundo de Quintal, disse que você foi o seu primeiro sucessor no repique de mão. Por que você se interessou pelo instrumento?
Acho que foi por ter vontade de tocar sempre melhor. Meu sonho era ser um grande ritmista: quando me deparei com o repique de mão, pensei que tinha que aprender aquilo, assim como sabia que tinha que aprender a tocar o tamborim do Mestre Marçal.
Um amigo nosso, o Aldir, tinha um ‘estudiozinho’ em que os sambistas vinham gravar fita cassete e mandou fazer um repique de mão para que eu pudesse acompanhá-los. Eu ia para lá e praticava muitas vezes sozinho, em outras com alguém ou só com a fita tocando no gravador. E ser ritmista é saber agarrar as chances que surgem; um dia o repique de mão estava dando sopa lá no Cacique e eu peguei para tocar. O Ubirany gravava o dia inteiro e eu sabia que se aprendesse poderia gravar também.
O repique de mão é uma continuidade do tantã. Agora se usa muito tapa, com a mão fechada, mas a magia dele é ser tocado com os dedos, com um ou outro tapinha. O Ubirany criou outro jeito de tocar, diferente do que o Dotô fazia no repique de anel. É difícil ver uma gravação com repique de mão e de anel, mas dá para fazer.
Mas você também é bastante conhecido por tocar tantã…
Eu já sabia tocar tantã, mas eu queria aprender melhor. O Neoci [integrante da primeira formação do Fundo de Quintal e filho de João da Bahiana] trabalhava em uma editora na Rio Branco e, conforme fomos ganhando intimidade na roda, ele me ensinou muita coisa, me inspirei bastante nele.
O Dotô fazia muitos cortes no repique de anel, aquele “turugudu”, e o que eu fiz foi trazer essas nuances para o tantã. Em “Ser Humano”, último álbum do Zeca Pagodinho, gravei em várias faixas. São coisas que a gente faz tentando buscar o som de uma ‘terceirinha’ (surdo de terceira), conforme a música pede.
Sou conhecido por tocar tantã, mas o gênio desse instrumento é o Beloba; ele também é um grande músico e precisa aparecer.
Esguleba, Beloba e Gordinho é um trio que vai ficar na história da percussão, não é?
Formamos um trio muito legal, frequento a casa de ambos, saímos para beber. Beloba é meu irmão e ficar perto do Gordinho foi muito importante, pois além de grande músico, ele é ótimo conselheiro. Eu vivia nervoso porque a falta de respeito era comum: problemas com cachê, tocar ou gravar sem saber quanto iríamos ganhar e o Gordinho dava uma ideia legal. Entre nós não existe isso de um querer ser maior que o outro. Tem samba no Brasil inteiro e todo mundo precisa trabalhar.
O que acontece é que bebemos da mesma fonte, que é a escola do Eliseu, Luna e Marçal, e tem uma riqueza muito grande lá. Até hoje, quem tiver dúvidas precisa ir atrás deles. Há criações percussivas boas, mas outras são um pouco de exagero. O surdo é uma coisa linda, tem gente que quer ser a imagem do Gordinho, mas faz tanta coisa que tira a beleza do instrumento. Precisa ver o Gordinho tocar, a simplicidade. Quando se percebe isso, fica mais tranquilo. Às vezes a pessoa está tocando direito, mas de repente quer tocar até de cabeça para baixo. O surdo é o coração, se não estiver batendo direito, como vai ficar o samba?
Você já gravou com todo mundo. Alguém que você admira ficou de fora?
O Bezerra da Silva. Foi emocionante uma temporada que fizemos com ele, Zeca e Jovelina, e outra em São Paulo, com Zeca e Bezerra. Estive em quase tudo de bom de batucada que foi registrado nos discos, menos ali: aquela batucada de pandeiros e tamborins, um carimbo mesmo. O Zeca também é muito bom de batucada, no “Raça Brasileira”, coletânea de 1985, eu toquei tantã e o Ubirany repique de mão, e já estou no primeiro disco dele, de 1986.
Profissionalmente, comecei a gravar com 16 para 17 anos. Devo muito ao Bira Hawai (percussionista, produtor musical e pai do Anderson, do Molejo): ficamos amigos e ele me levou para gravar com todo mundo. Foi ele quem me passou um exercício para ter pulsação, cortou dois cabos de vassoura que eu ficava tocando em uma almofada, no meio das pernas. Na música é preciso trabalhar, se você for reconhecido como um cara que executa super bem pandeiro, que é o grande instrumento, tantã e repique de mão, você está pronto para tocar com todo mundo.
Quais outras dicas você daria para quem está aprendendo a tocar?
Hoje em dia não precisa cortar cabo de vassoura para estudar, mas tem que exercitar, sempre que puder colocar um som e tocar junto. Procurar ouvir quem é referência, por exemplo; se quiser tocar tamborim, escutar muito o Eliseu, Luna e Marçal; repique de anel, Dotô e Trambique; repique de mão, o Ubirany e eu; surdo, Cabelinho e Gordinho. Mas é importante tocar muito reto e sem exagero, é melhor estudar andamento e afinação do que virada.
Repara na afinação do surdo do mestre Trambique: não tem ninguém que faz isso, as levadas de caixa também, além do repique de anel dele, agogô, tamborim, reco-reco… O Trambique era fora de série. Perdi a minha mãe e, logo depois, ele – meu mundo virou de cabeça para baixo. Vamos homenageá-lo no bloco do Grupo Semente, não podemos deixar passar em branco alguém que fez tudo que ele fez para o samba e na Vila Isabel trouxe quase 600 moleques do Morro dos Macacos para a música, que poderiam ser bandidos. Ainda quero fazer alguma coisa para lembrar a obra desses grandes percussionistas.
No Bloco Chinelo de Dedo, você pode aprender a tocar repique de mão e outros instrumentos de samba de raiz e participar de uma grande roda de samba! Para saber mais, acesse aqui.
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