Martinho da Vila fala sobre o documentário ‘O Samba’ em entrevista exclusiva
Nascido em Duas Barras, no Rio de Janeiro, Martinho da Vila começou a trilhar a carreira como cantor e compositor no final da década de 1960, no III Festival da Record, quando concorreu com a música “Menina Moça”. O sucesso veio no ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançando a canção “Casa de Bamba”, um de seus clássicos.
Considerado um dos principais nomes do gênero, Martinho tem sua história marcada pela escola de samba Unidos de Vila Isabel, onde, desde 1965, assinou diversos sambas-enredo – o mais recente deles, “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um”, de 2013, foi escrito em parceria com Arlindo Cruz, André Diniz, Tunico da Vila e Leonel e deu à escola o título de campeã do Carnaval.
Recentemente, foi escolhido pelo diretor franco-suíço Georges Gachot para protagonizar o documentário “O Samba“. O longa traz Martinho da Vila revelando o cotidiano da comunidade de Vila Isabel e a complexidade da construção do Carnaval e do gênero samba, além de promover um profundo mergulho nas histórias sobre a vida e obra do próprio compositor.
- Festival de Inverno em Paranapiacaba apresenta mais música e arte neste fim de semana
- Águas Queimam na Encruzilhada volta ao cartaz comemorando 28 anos do Teatro do Incêndio
- Festival de Inverno de Paranapiacaba volta com formato original neste fim de semana
- 51 novidades chegam na Netflix em maio; veja lista completa
Em bate-papo por telefone com Samba em Rede, Martinho mostra sua perspectiva sobre o documentário “O Samba”:
O filme propõe três eixos interpretativos: o samba, o Carnaval e a vida e obra de Martinho da Vila. Como você sente a responsabilidade de ter sido escolhido para representar o gênero?
É bem emocionante. O Georges me procurou para fazer o documentário porque passou a gostar de samba quando ouviu um disco meu, o CD “Martinho Canta Noel“. Foi um processo bem interessante, foi muito bom.
O que você achou dos diferentes recortes dados ao documentário – escolhidos pelo diretor?
Essa foi a melhor coisa, me impressionei muito. Para ser sincero, quando ele me procurou e falou sobre a ideia do documentário, eu não me animei nem um pouquinho. Disse até que estava ocupado e tal.
Mas foi a insistência e a vontade de conhecer o samba verdadeiro que me animou. O diretor passou a me acompanhar com uma câmera em todo lugar que eu ia e assim foi. Fiquei muito satisfeito com o resultado.
E a escolha do repertório do longa?
O Gachot é um estudioso da música. Ele passou a conhecer a minha música com profundidade ao longo das gravações. Ele questionou muito os significados das composições e as minhas escolhas, fomos alinhando juntos.
O filme procura retratar o dia-a-dia da comunidade de Vila Isabel. De que forma você enxerga uma transformação social propiciada pelo samba?
Acho muito importante explorar esse “outro lado” porque todo mundo vê o Carnaval, os desfiles, mas não imagina o que há por trás.
O documentário mostra a realidade e o cotidiano da escola. Tem crianças aprendendo a tocar, mulheres tocando na bateria, a comunidade inserida na quadra o ano inteiro. Foi muito legal esse processo.
O Carnaval dos dias atuais subverteu muito dos valores tradicionais. O foco hoje é o glamour, o público estrangeiro e a avenida. Você enxerga alguma resistência no comportamento das comunidades nessa construção?
Sim. A Vila Isabel talvez seja a escola que mais mostra essa resistência. Se você for a um ensaio da Vila, você vai ver gente da Vila.
No próximo Carnaval vamos tentar fazer uma coisa diferente: queremos mostrar um enredo que tenha uma mensagem, não só o pula-pula, o oba-oba. O importante é emocionar as pessoas, sabe? A música não é só para divertir.
No que se constitui o “Feitiço da Vila”?
A Vila é mesmo o berço do samba, representou uma mobilidade para o gênero. Porque o samba do morro ficava só no morro. Noel trouxe o samba para a classe média, para os eventos artísticos. Era na Vila Isabel que o povo se reunia, foi ali que o samba foi embalado.
Cada escola de camba tinha uma característica própria. Uma era mais cadenciada, outra mais acelerada, uma apresentava enredos mais mensageiros, outras mais festivos. Claro que isso foi mudando, mas a Vila Isabel permaneceu. Sempre que a Vila faz enredos com essa característica – como a Império Serrano em 1982 que criticava a Super Escola de Samba SA -, as coisam tendem a funcionar.