Beth Carvalho lembra do saudoso Nelson Cavaquinho

22/10/2015 00:00 / Atualizado em 04/05/2020 17:45

“Definitivamente foi a Clementina de Jesus”, diz Beth quando perguntada sobre a figura que a fez escolher o samba
“Definitivamente foi a Clementina de Jesus”, diz Beth quando perguntada sobre a figura que a fez escolher o samba

Umas das grandes damas do samba, Beth Carvalho completa 50 anos de carreira desfrutando de grande prestígio e popularidade. Reconhecida por sempre resgatar e revelar inúmeros músicos e compositores, a cantora é uma figura de elevada importância para a cultura popular brasileira.

Nascida na Gamboa, criada na zona sul, mas profunda conhecedora do Rio de Janeiro e da boa música de ponta a ponta, Beth Carvalho acostumou-se desde muito jovem a percorrer das rodas de samba suburbanas às reuniões da bossa nova em Ipanema, garimpando o melhor da música brasileira para o seu trabalho.

A artista iniciou no cenário musical em 1965, com a gravação de seu primeiro compacto, que deu origem às  músicas “Namorinho” e “Por quem Morreu de  Amor”. Foi em 1968, depois de defender “Andanças”, de  Paulinho Tapajós, Edmundo Souto e Danilo  Caymmi,  num festival de música popular, que Beth  fez sua opção  definitiva pelo samba tornando-se uma  das principais  divulgadoras da música carioca,  gravando os sucessos “1.800 Colinas”, “Saco de  Feijão”, “Olho por Olho”, “Coisinha do Pai”, “Firme e  Forte” e “Vou Festejar”.

Recentemente, a artista foi homenageada com o espetáculo “Andança – Beth Carvalho, o Musical”, em cartaz no Rio de Janeiro. A cantora também preparou dois shows para celebrar as cinco décadas de trajetória. O primeiro aconteceu no sábado passado na sua cidade natal. E nesta sexta-feira, dia 23, é a vez de São Paulo receber sua grande festa.

Em entrevista exclusiva ao Samba em  Rede, Beth Carvalho fala sobre sua turnê e das recordações do início da carreira:

“Fico muito honrada com esse título”, diz a artista sobre a alcunha de “madrinha do samba”
“Fico muito honrada com esse título”, diz a artista sobre a alcunha de “madrinha do samba”

 Você está em turnê celebrando toda sua vida  profissional, desde as premissas da sua carreira  na década de 1960 até os dias atuais. Como é  reviver o passado dessa forma, em cima do  palco?

É uma maravilha! Não imaginava que já estava com 50  anos de carreira, meio século, é muita coisa!
A recepção do público está muito boa, além de  homenagens lindas como o musical sobre a minha vida.
Já me apresentei no Citibank Hall aqui no Rio. Foi um sucesso, casa lotada! E vou fazer agora em São Paulo, no Citibank Hall.

Como foi selecionar, entre centenas de canções que você interpretou nos últimos 50 anos, aquelas mais representativas de sua trajetória?

Eu comecei escolhendo entre os sucessos, sei que no final tinha feito uma relação com mais de 80 composições! Mas não podia ser 80 músicas, é demais. Vai ficar faltando muita coisa, não tem jeito! (risos)

Quais músicas do repertório lhe dão prazer especial em cantar? Por quê?

Tem “Andanças”, que foi o meu primeiro grande sucesso ainda na época dos festivais; “1800 Colinas”, o primeiro grande sucesso no samba;”Coisinha do Pai” e “Pra festejar”, que marcaram o Carnaval brasileiro; “As Rosas não Falam”, do Cartola; tem muitas!

Além da turnê, você está sendo homenageada pelo espetáculo teatral “Andança – Beth Carvalho, o musical”, que está em cartaz no Rio. O que você achou da montagem? 

Está muito boa! O pessoal adora, sai todo mundo emocionado, choram, cantam, riem! É um espetáculo muito bom.

E você teve alguma contribuição no processo criativo do espetáculo?

Estando viva, eu pude esclarecer algumas coisas que estavam meio incertas, como datas, nomes de ruas.

Tradicionalmente, os musicais se inspiram em  artistas que já morreram. Qual é a importância  de ser homenageada em vida?

Ah, eu penso igual o Nelson Cavaquinho: “Me dê as  flores em vida”. Muito melhor!

Um dos marcos de sua carreira foi uma participação no programa do Flávio Cavalcanti, em meados de 1965, com a canção  “Por quem morreu de amor”, de  Roberto Menescal, considerada do gênero  MPB. No entanto, sua carreira se consolidou  em torno do samba. Como você lida com esse  paralelo entre o samba e a MPB?

Eu comecei a tocar violão a partir da bossa nova, que é, de fato, parte do samba. Essa canção “Por quem morreu de amor” é um samba-canção. E daí para o samba foi um pulo. Sempre tive uma relação com o samba tradicional, com compositores da Mangueira, Salgueiro.

Existe algum marco onde você enxerga sua opção definitiva pelo gênero samba? Como aconteceu a inserção neste universo?

Definitivamente foi a Clementina de Jesus. Ela me emocionou demais quando assisti ao espetáculo “Rosa de Ouro”, dirigido pelo Hermínio Bello de Carvalho no Teatro Jovem, em 1966.

Quem eram as suas influências no início da carreira?

Tive uma grande influencia da Bossa Nova. Nomes como Menescal, Marcos Valle, Carlinhos Lyra, Tom Jobim e João Gilberto.

E a década de 1960, sua participação nos festivais, o contexto político, escolha de repertórios. Quais lembranças você tem desse período tão simbólico para a história do país?

Foi um momento político muito forte, todos os artistas eram engajados. Hoje você não vê mais isso. É uma pena, mas eu continuo engajada.
Havia uma participação muito grande dos artistas no contexto político daquele momento.

Como você enxerga o diálogo do samba com a situação política contemporânea? Os representantes atuais estão cumprindo este papel?

Alguns sim. O samba é o grande protesto, a grande vanguarda. Ele é antigo porque tem raiz, o discurso é profundo. Posso falar de Serginho Meriti, Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila – já se foi, mas fazia – e Almir Guineto.

Você é sempre lembrada como uma grande divulgadora do samba, muito pelos autores que gravou e pelos intérpretes que incentivou e/ou descobriu. Você se lembra quem te chamou de madrinha pela primeira vez?

Acho que foi o grupo Fundo de Quintal.

Como você sente a responsabilidade de carregar esse título?

Fico muito honrada com esse título porque madrinha é aquela “mãe com açúcar”. Eu sou aquela mãe boazinha que revelou muitas pessoas que, graças a Deus, fazem muito sucesso. Eu fico muito feliz, mas não tem essa coisa de responsabilidade, cada um faz aquilo que quiser depois.

Sabemos que seu coração é verde e rosa e o Carnaval sempre foi um tema recorrente em sua obra. Você acha que o Carnaval dos dias atuais subverteu dos valores tradicionais? Por quê?

Hoje tudo está muito deturpado. O desfile ficou muito comercial, muito caro. Em contrapartida, surgiram os blocos de rua, o que é muito válido para a comemoração do Carnaval.

Você acha que as comunidades se mostram resistentes a essas mudanças? 

Sim, mas são muitos pressionados, infelizmente.

Dentre tantos nomes que já cruzaram o seu caminho ao longo desses anos, de quem você mais sente falta dos que já se foram? Por quê?

Nelson Cavaquinho. Eu amava ele demais: pra mim ele é o maior compositor que existe.

Como é que você conseguiu e vem conseguindo atravessar esses 50 anos de carreira fazendo o que gosta e cantando o que se quer?

A minha personalidade é assim, nunca me deixei manipular. Meu repertório é assim, sempre mandei na minha carreira.

Você consegue resumir esses 50 anos em alguma frase ou palavra?

Olha, foram 50 anos de muito mais vitórias do que fracassos, isso já é muito bom! Recebi prêmios importantes, como o Grammy, fui enredo de escola de samba, fui mãe, que é uma coisa importantíssima na minha vida, revelei muita gente. Foi ótimo!