Roberto Caprí pede passagem e ‘resiste para existir’
Compositor já teve sua obra gravada por nomes como Bezerra da Silva, Jovelina Pérola Negra e Zeca Pagodinho
Nascido em Vila Isabel no tempo em que ainda se escutava o apito das fábricas e criado no subúrbio do Engenho Novo, ambos bairros da zona norte do Rio de Janeiro, José Roberto Bezerra, mais conhecido como Caprí, migrou para São Paulo e acabou tornando-se uma das maiores referências do samba paulistano.
O gosto pela música era evidente, um reflexo do ambiente familiar e musical que o envolveu na infância. Sua lembrança mais antiga era a do pai tocando composições de samba e choro no violão de cravilha. “Eu comecei a ter intimidade com o instrumento e nunca mais parei”, conta em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.
Para sua própria surpresa, Caprí não esperava trabalhar com o samba profissionalmente. O receio de ser discriminado pela opção musical foi o primeiro entrave antes de abraçar a sua cultura. Porém, a convivência com os sambistas, nos botequins cariocas, o fez apaixonar-se pelo gênero.
Seu primeiro entusiasta foi o músico Vadinho do Engenho Novo, um colega do bairro onde morava e frequentador da escola de samba Saturno. Em 1955, Caprí passa a integrar a ala de compositores da agremiação, onde permaneceu por muitos anos. Foi ali que o menino de apenas 14 anos deu início ao caminho como profissional.
Carreira profissional
Outros convites foram surgindo e Caprí começou a se envolver mais com o universo das escolas de samba: conheceu bambas como Nelson Cavaquinho, Mussum, Jurandir, Zagaia e Cartola no Morro de Mangueira. “Eu adorava ver o Cartola cantar. Ele era muito aplaudido. E eu, muito novo, já no meio daquela turma, Dona Neuma e Xangô da Mangueira. Ficava maravilhado com aquilo tudo”, recorda sobre seu envolvimento com o verde e rosa – até hoje sua escola do coração.
Nos anos 1960, o jovem músico começa a frequentar a quadra do Salgueiro, onde cultivou amizade com Almir Guineto e os integrantes do grupo Originais do Samba. Décadas mais tarde, integrou os grupos Ferro de Engomar e Cura Ressaca – este ao lado de Neoci, Darcy Maravilha e Adílson Gavião.
O envolvimento cada vez maior com o samba rendeu-lhe, entre outras alegrias, a produção de dois LPs. A sua estréia em disco deu-se no ano de 1985, pela gravadora Arca Som, com o LP “O samba descontraído de Caprí“.
Em 1986, gravou seu segundo álbum intitulado “Caprí…chando no Pagode“. Desse trabalho, destaque para a música “Questão de opinião”, de Mauro Diniz e Adilson Vítor, tema de abertura do programa “O Samba Pede Passagem”, do radialista Moisés da Rocha.
Graças à proximidade com Moisés, o compositor participou do movimento “Caravana do Samba Pede Passagem” – iniciativa que reunia comunidades e representantes ligados ao samba autoral.
Nesse percurso, além de firmar parcerias com compositores do calibre de Almir Guineto, Adalto Magalha, Mário Sérgio, Adilson Gavião, Wilson Moreira e Sílvio Modesto, Caprí também foi gravado por conceituados sambistas como Bezerra da Silva, Jovelina Pérola Negra, JB Samba, Boca Nervosa, Arlindo Cruz, Sombrinha, Zeca Pagodinho e Leci Brandão.
Falta de reconhecimento
Apesar dos diversos obstáculos enfrentados para ser reconhecido, Caprí fala com um tom de esperança ao lembrar de nomes como Jônatas Petróleo e William Fialho, jovens que “realmente batalham pela música”.
Também menciona projetos sociais voluntários voltados ao desenvolvimento musical de crianças e jovens como o Sarau Samba Original e o Zumaluma, iniciativas que oferecem espaço aos compositores anônimos ou com pouco espaço nas mídias e difundem a cultura do samba.
Autor de uma obra musical original em que mistura composições alegres e jocosas – festejando a boêmia e a malandragem sadia com críticas às realidades política e social do país -, Caprí segue ativo pedindo licença para dizer que também é um dos poetas do samba. Passados 76 anos de idade e 55 de carreira, o lema do carioca que vive em São Paulo é “resistir para existir”.
Confira a entrevista na íntegra: