Wilson das Neves fala sobre biografia em entrevista exclusiva
Baterista de Chico Buarque completa 62 anos de carreira
Um dos grandes nomes do samba, Wilson das Neves terá sua trajetória registrada e contada em “Memórias de um Imperador – Ô sorte. Uma breve biografia de Wilson das Neves”, do pesquisador Guilherme de Almeida. Lançado em maio de 2016, o livro biográfico aborda a vida de das Neves, cantor, compositor e percussionista, de forma leve e descontraída através de sua trajetória pessoal e musical.
“Que eu saiba eu não tenho nada de especial; acho que pelo fato de ser mais antigo sou sempre lembrado como uma referência”, revela Wilson das Neves em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.
Com mais de 60 anos de estrada, das Neves é carioca nato, graduado e pós-graduado nas esquinas, como ele mesmo diz, e um dos expoentes da música brasileira. Ficou conhecido por suas performances como baterista do samba, tendo criado uma batida única pra acompanhar grandes nomes do ritmo como Cartola, Nelson Cavaquinho, Clara Nunes, Nei Lopes e Paulo César Pinheiro.
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Na entrevista, o músico compartilha lembranças do início de carreira, sua relação com a Império Serrano, sua atuação como compositor e intérprete e elege Roberto Ribeiro como uma figura importantíssima para a sua trajetória: “Um dia, o Roberto me viu na bateira do Império tocando tamborim e falou ‘Ô sorte’. Daquele dia em diante, passamos a nos encontrar sempre e toda vez era aquela coisa de ‘Ô sorte’ para cá, ‘ Ô sorte’ pra lá (risos)”. O bordão permeou sua vida e história.
Além do material biográfico, Wilson conta que está preparando três shows na cidade de São Paulo para celebrar seus 80 anos de idade. Ainda, em primeira mão, revela que será homenageado como tema do enredo da G.R.E.S. Tupy de Braz de Pina no Carnaval de 2017.
Confira a entrevista completa:
Foi em meados do ano de 1950, aos 14 anos, que seu envolvimento com a percussão começava a tomar forma. Como tudo começou? Quais lembranças você tem desse início de carreira?
Eu, desde menino, frequentava as giras de Candomblé e vivia fascinado pelos tambores. Também adorava ir a festas, bailes da década de 50, e sempre gostei de observar as jazz bands que se apresentavam.
Fiz amizade com um baterista da época, o Edgar Nunes Rocca, mais conhecido como Bituca. Um dia ele me perguntou: ‘Você não gosta de bateria? Não quer aprender a tocar?’. E foi ele quem me levou para a escola de música.
A minha inserção nesse mundo foi bem gradual, fui aprendendo, tocando e depois de um tempo o Bituca foi pra uma outra orquestra e eu entrei no lugar dele, já que ele saiu pra outras coisas melhores.
Além do amigo e professor Edgar Nunes Rocca, você consegue lembrar de outros grandes entusiastas que o auxiliaram nesse caminhar?
O Joaquim Naegele – que era o professor de música do Bituca – também foi meu professor. Eu agradeço a todos porque eu acho que sou um pouquinho de cada um.
E como surgiu a opção definitiva pelo samba?
O samba é nosso idioma! Naquela época – quando eu era jovem -, você não podia escolher. Tinha que saber tocar tudo que era considerado hit de baile, depois o que tocava na rádio, na televisão e no teatro. Nesse processo, aprendi a tocar variedades mas o samba sempre foi música que me mais me influenciou porque o samba é a nossa música, o nosso sotaque.
Quem eram as suas influências no início da carreira?
Todos os meus professores. Só não aprende quem não observa. Eu sempre escutei a todos, e prestava muita atenção que era para eu poder constituir a minha maneira de tocar.
O que fez de sua música tão singular e valorizada?
Eu não conheço nenhum baterista que toca igual ao outro; pode até tocar parecido, mas igual ninguém toca. E eu tenho a minha característica, cada um tem a sua. Que eu saiba eu não tenho nada de especial; acho que pelo fato de ser mais antigo sou sempre lembrado como uma referência.
Já trabalhei na Rádio Nacional, na Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, na televisão, já gravei com nomes como Elis Regina, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Clara Nunes, Cyro Monteiro, Roberto Carlos, artistas estrangeiros, fora o trabalho que venho fazendo há anos ao lado do Chico Buarque.
Sabemos que seu coração é imperiano e o Carnaval sempre foi um tema recorrente na sua obra. Você ainda enxerga o ambiente das escolas de samba como um berço forte de produção musical?
As escolas de samba mudaram muito: estão modernas demais para o meu gosto. Muita tecnologia e pouca essência. Eu prefiro o ser humano, não essa coisa toda de máquina e foguete. Escola de samba é, na verdade, o cantar, tocar e dançar acontecendo ao mesmo tempo.
E a história sobre o bordão “Ô sorte” e a relação com Roberto Ribeiro?
O Roberto Ribeiro, cantor da Império Serrano, não sabia que eu também era imperiano. Eu sempre trabalhei muito durante o Carnaval, fazia shows, apresentações e não tinha tempo para os ensaios da escola, que aconteciam aos sábados. Depois de um tempo – quando minha agenda ficou mais livre -, decidi tocar tamborim na bateria.
Um dia, o Roberto me viu na bateira do Império tocando tamborim e falou ‘Ô sorte’. Daquele dia em diante, passamos a nos encontrar sempre e toda vez era aquela coisa de ‘Ô sorte’ para cá, ‘ Ô sorte’ pra lá (risos).
Além dessa lembrança, o bordão é também um agradecimento que eu faço às forças da natureza que me ajudam e me protegem no Candomblé, da minha nação, dos orixás.
Dentre tantos nomes que já cruzaram o seu caminho ao longo desses anos, de quem você mais sente falta dos que já se foram? Por quê?
Olha, eu já trabalhei com muitos, aprendi com muitos e sinto falta de todos.
Foi em 2005 que você conheceu Guilherme de Vasconcellos Almeida, o idealizador e autor da biografia “Memórias de um Imperador. Ô Sorte”. Como foi este momento? Você imaginava que uma obra em sua homenagem resultaria deste encontro?
Eu conheci o Guilherme em um show em Curitiba anos atrás. Ficamos amigos e só depois de um tempo eu fiquei sabendo que ele era professor e pesquisador. Um dia ele me contactou sobre a possibilidade de fazer uma biografia. Eu achei formidável! Eu só tenho a agradecer mais uma vez por alguém querer escrever algo para a posteridade sobre a minha vida.
Qual está sendo a sua contribuição no processo de consolidação da obra?
Eu deixo por conta dele. Disse a ele: ‘Você pergunte o que quiser e eu respondo de acordo com a minha memória’ (risos). Acho que vai ficar muito bom!
O que você acha que não pode faltar na biografia de Wilson das Neves? Quais são as informações e episódios essenciais de sua trajetória?
Ah! Sou mais um na multidão, como dizia o meu ‘cumpadi’ Marçal. Eu ando por aí fazendo o meu trabalho, é isso! Acho que não vai faltar nada não. A última agora é que eu vou ser enredo de uma escola de samba em 2017. É o que tava faltando.
Além da biografia, você já foi homenageado com o curta-metragem do cineasta mineiro Cristiano Abud, “O Samba é Meu Dom”, lançado em 2004. O filme contou com a participação especial de Chico Buarque, Miúcha e da Velha-Guarda do Império Serrano. O que você achou do documentário?
Todo mundo elogia; o Chico então! Todo mundo que me conhece sabe do meu caráter, da minha índole. O pessoal gostou bastante e eu também.
Um dos marcos de sua carreira foi o disco “O som sagrado de Wilson das Neves”, lançado pela gravadora CID em 1996, com 14 composições suas, 13 em parceria com Paulo César Pinheiro e uma em parceria com Chico Buarque. Como foi o processo de escolha de parceiros e a consolidação do repertório?
Quem me escolheu foram os parceiros (risos)! Eu fiz a melodia do ‘Samba é Meu Dom’ para a minha neta e dei para o Aluísio Machado botar letra. Em uma conversa com o Rafael Rabello, meu compadre, ele sugeriu que a mandasse para o Paulo César Pinheiro. Lembro de ter falado: ‘Rapaz, eu não tenho essa liberdade, eu não tenho coragem de mandar’.
No fim das contas, o Paulo me contactou e hoje já temos várias músicas juntos! Depois que saiu o disco ‘Som Sagrado’, os outros parceiros falaram: ‘Ô Das Neves, que disco bonito, que melodia bonita, não tem uma pra mim não?!(risos)’.
Fiz parcerias com Délcio Carvalho, Luiz Carlos da Vila, muita gente. Eu não planejei nada. As coisas simplesmente foram e continuam acontecendo e eu sigo dizendo ‘Ô sorte’!
O disco foi agraciado com o Prêmio Sharp na categoria “Cantor Revelação”. Qual é a música deste trabalho que mais emociona e remete a este momento inaugural da sua performance como intérprete? Por quê?
A canção ‘O samba é meu dom’ foi a que mais se apresentou e hoje já tem sete regravações.
Qual a maior dificuldade neste processo?
Cantar não é fácil. Cantar para o público é mais difícil ainda, já que você não sabe como vai ser recebido. Lembro da primeira vez que eu fui me apresentar: nunca tinha cantado pra ninguém, a não ser dentro do estúdio para gravar. Na hora foi complicado, lembro de fechar os olhos e ficar com medo de ser vaiado. Fui me acostumando, fui me libertando e canto sem problemas.
Qual a sua opinião sobre o atual cenário musical brasileiro?
A música brasileira está bastante presente, o que falta é oportunidade. Tem muita coisa boa que precisa de espaço, precisa ser mostrada. Para mim, não existe essa coisa de música ruim: ou é música ou não é nada.
Em 2014, você assinou o projeto “Wilson dos Novos”, recebendo ao palco convidados da nova geração da música brasileira como Emicida, BNegão, Max de Castro e Maíra Freitas. Como você enxerga essa relação do samba com outras estéticas musicais?
Tudo é samba! A música brasileira é samba! Até o que parece que não é, no fundo é samba. Cada um faz o seu, mas o samba é uma música tão sem coreografia, tão improvisada e tão plural, que abarca toda essa variedade musical.
Na 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira, você ganhou os prêmios de Melhor canção pela música “Samba pra João”, uma parceria com Chico Buarque, e de Melhor Álbum de Samba pelo disco “Se me chamar Ô Sorte”. Como foi a sensação de ter sua obra reconhecida?
É gratificante demais. Você sente que alguém está te observando e você não está fazendo as coisas à toa ou por acaso. Claro que não fiz nada disso pelo reconhecimento, mas se eu ganhei um prêmio é porque eu mereço.
Como é que você conseguiu e vem conseguindo atravessar esses quase 60 anos de carreira em 80 anos de vida, fazendo o que gosta e cantando o que se quer?
Eu só posso agradecer a Deus, aos orixás, a minha força de vontade, ao meu prazer de viver e produzir, de fazer as coisas que eu gosto. Vou fazer música até dizerem chega pra mim.
Você consegue resumir essa trajetória em alguma frase ou palavra?
Ô sorte! São 62 anos de profissão, fazendo o que eu gosto, agradando as pessoas, acompanhando bons artistas. Quero passar dos 80 anos fazendo a mesma coisa. Essa é a minha intenção.
Além da produção da biografia, há mais novidades para 2016?
Em comemoração aos meus 80 anos de idade, vou fazer três shows em São Paulo em junho e também vou ser enredo de escola de samba Tupy de Braz de Pina no Carnaval de 2017.