Síndrome de Fortunata: o que a psicologia revela sobre quem se envolve com pessoas comprometidas

A síndrome de Fortunata não é apenas uma questão de amor por alguém comprometido, mas um complexo processo emocional

Por Caroline Vale em parceria com João Gabriel Braga (Médico - CRMGO 28223)
23/05/2025 10:02 / Atualizado em 24/05/2025 16:02

Um padrão comportamental identificado pela psicologia ajuda a explicar por que algumas pessoas se apaixonam por indivíduos casados ou em uniões estáveis, permanecendo na condição de amantes mesmo diante das dificuldades e da invisibilidade social que essa posição costuma trazer.

Saiba o que é a síndrome de Fortunata
Saiba o que é a síndrome de Fortunata - iStock/1001nights

O termo “síndrome de Fortunata” tem origem em uma obra clássica da literatura espanhola, que narra a história de uma mulher apaixonada por um homem casado.

Apesar dos obstáculos, Fortunata mantém um vínculo emocional intenso e uma esperança persistente de que esse relacionamento se torne oficial, mesmo após se casar com outro parceiro.

Esse enredo ilustra a dinâmica central da síndrome: o apego afetivo a alguém já comprometido, sustentado por uma expectativa e uma ilusão que ultrapassam a lógica do relacionamento tradicional.

O que a psicologia diz sobre essa síndrome?

De acordo com especialistas em psicologia, esse comportamento não está simplesmente ligado ao triângulo amoroso, mas à forma como o amor é vivido a partir de uma sensação de falta e limitação.

O papel de amante muitas vezes envolve a idealização do outro não como pessoa, mas como símbolo de um espaço emocional desejado — um desejo puro, desprovido da rotina e das demandas do cotidiano.

Mais do que uma busca por afeto, esses relacionamentos costumam refletir uma tentativa de validação pessoal, de sentir-se exclusivo ou reconhecido, ainda que de maneira simbólica.

Um ponto importante é que as pessoas envolvidas não necessariamente repetem experiências agradáveis, mas sim padrões emocionais familiares, muitas vezes carregados desde a infância.

Fatores psicológicos que contribuem para essa escolha

  • Histórico familiar disfuncional: muitas vezes, o padrão emocional de se relacionar com pessoas indisponíveis remete a experiências na infância, em que o amor dos pais era condicional, ausente ou intermitente. A busca pelo amor não plenamente acessível pode ser uma repetição inconsciente dessas vivências.
  • Baixa autoestima: a dificuldade em reconhecer o próprio valor pode levar à sensação de precisar competir ou aguardar para ser escolhido. Nessa dinâmica, a pessoa não se sente dona do próprio desejo, mas depende da validação do outro, mesmo que isso implique permanecer às margens.
  • Ilusão de controle: há uma percepção equivocada de que, ao manter o relacionamento escondido, o amante estaria no comando da situação, acreditando que o parceiro oficial é quem está enganado ou que a relação secreta pode se tornar oficial.
  • Competição emocional: o envolvimento pode reproduzir uma disputa emocional antiga, relacionada à busca por um amor parental inacessível ou disputado na infância.
  • Vitimização: o papel de vítima, associado a reclamações constantes sobre a situação, pode gerar uma espécie de recompensa emocional, reforçando o ciclo do sofrimento e afastando possíveis intervenções externas.
  • Atração pelo proibido: a psicologia reconhece que a proibição intensifica o desejo, e a impossibilidade torna o objeto do afeto ainda mais atraente, alimentando o ciclo de paixão e frustração.

Como superar isso?

Quanto à possibilidade de romper esse padrão, especialistas recomendam que o primeiro passo seja evitar julgamentos morais, buscando compreender o que cada pessoa realmente procura nessas relações.

A terapia psicanalítica pode ser um recurso importante para identificar os ciclos repetitivos, verbalizar as motivações e, sobretudo, ajudar a construir novas escolhas emocionais.

A superação dessas dinâmicas costuma exigir um momento de crise profunda, em que o indivíduo reconhece seu sofrimento e decide buscar ajuda.

Técnicas como a Terapia dos Sonhos Guiados podem ser úteis para explorar os padrões inconscientes de insatisfação e vitimização que sustentam esse comportamento.