Estátuas moai podem sumir para sempre se nada for feito
Mudanças climáticas, salinidade e abandono ameaçam um dos maiores patrimônios culturais do planeta
Em meio ao azul do Pacífico Sul, a Ilha de Páscoa (Rapa Nui) guarda um dos mistérios mais icônicos da humanidade: os moais, monumentais estátuas de pedra esculpidas por civilizações polinésias há séculos. Símbolos de ancestralidade e orgulho cultural, eles estão agora em processo acelerado de erosão, desintegrando-se diante dos olhos de seus guardiões e do mundo.
“Meu pai me dizia: um dia os moais vão voltar para o oceano“, recorda Maria Tuki, guia turística e filha de um escultor tradicional da ilha. Hoje, suas palavras soam como um presságio real e urgente.
Milênios de história talhados em rocha vulcânica. Os moais foram criados entre os séculos XI e XVII por povos que desejavam representar seus ancestrais. Há cerca de mil dessas figuras espalhadas por toda a ilha e algumas com mais de 10 metros de altura e pesando dezenas de toneladas.
Foram esculpidas em tufo vulcânico, uma rocha macia formada por cinzas compactadas. A escolha do material facilitava o entalhe, mas hoje se mostra uma ameaça: o tufo é altamente poroso, vulnerável ao vento, chuva, sal e ao tempo.
A lenta destruição dos moais na Ilha de Páscoa: “Um dia voltarão ao oceano”
A cada ano, essas esculturas se fragmentam um pouco mais e as mudanças climáticas estão acelerando o processo.
Inimigos invisíveis: sal, vento, fogo e gado
A deterioração dos moais ocorre por várias vias:
- Salinidade: quando a maresia evapora, o sal cristaliza no interior do tufo e causa rachaduras internas.
- Variações térmicas: o clima instável contrai e expande as rochas.
- Vegetação e líquens: plantas crescem sobre os moais, corroendo sua superfície.
- Impacto animal: cavalos, vacas e pássaros interagem com os monólitos, intensificando a degradação.
- Ação humana: acidentes com veículos e até intervenções mal planejadas causaram danos irreversíveis.
Em 2022, um incêndio destruiu cerca de 80 moais em Rano Raraku, deixando marcas profundas, muitas invisíveis a olho nu.
O dilema da preservação: restaurar ou deixar ruir?
O povo Rapa Nui está dividido. De um lado, especialistas e arqueólogos como Claudio Cristino-Ferrando defendem que preservar os moais é uma responsabilidade histórica: “Eles não são apenas esculturas. São testemunhas vivas do espírito de um povo e do legado da humanidade.”
Por outro lado, há quem veja a erosão como parte do ciclo natural de vida desses monumentos. “Muitos acreditam que os moais devem voltar à terra, à sua hanua, sua origem”, afirma o arqueólogo Dale Simpson Jr.
Tecnologia e tradição: as tentativas de salvar os moais
Vários esforços vêm sendo feitos:
- Drones e escaneamento 3D ajudam a mapear e monitorar os danos;
- Agentes químicos desenvolvidos por especialistas italianos tentam tornar as pedras impermeáveis;
- Plataformas reforçadas à beira-mar foram reconstruídas para conter o avanço das ondas;
- Modelos digitais criados pela ONG CyArk formam um acervo virtual do patrimônio antes que desapareça;
- Protocolos locais estão sendo desenvolvidos para evitar que cada ação precise de autorização separada.
O maior desafio, no entanto, é financeiro: os custos de conservação são altíssimos, e os materiais precisam ser importados com altas taxas.
Um novo começo: museus e escultura viva
Enquanto o futuro dos moais históricos é debatido, novos capítulos estão sendo escritos:
- Um novo museu está sendo construído na ilha e poderá abrigar algumas estátuas para conservação.
- Artistas locais, como o pai de Maria Tuki, continuam a esculpir novos moais, que já foram enviados para cidades como Santiago, Valparaíso, Tóquio e Madri.
- Programas de transmissão do conhecimento buscam manter viva a tradição de escultura em tufo entre as novas gerações.
Como afirma Tepano Martin, líder da comunidade indígena Ma’u Henua: “Não estamos apenas protegendo pedras. Estamos preservando nosso povo, nossa cultura viva.”
Um patrimônio à beira-mar e do abismo
Mais de 90% dos moais ainda de pé estão voltados para o mar, símbolo de vigilância e conexão com os ancestrais. Hoje, paradoxalmente, o mar ameaça engolir esse legado. A Ilha de Páscoa é um microcosmo das lutas globais contra a mudança climática, o esquecimento e a tensão entre progresso e preservação. O mundo observa. E os moais esperam.