30 anos depois da queda, Muro de Berlim ainda é atração turística
No passado, o Muro de Berlim foi símbolo da divisão de um país
Ícone da Guerra Fria e um dos maiores símbolos arquitetônicos (e ideológicos) de controle sobre uma nação, o Muro de Berlim parece tão vivo quanto o número crescente de visitantes estrangeiros que desembarcam em Berlim.
Ruínas repousam ao lado de fotos de mortos homenageados em memoriais; trilhos de ferro contornam o antigo trajeto do muro; artistas fazem arte sobre a história no maior trecho preservado daquela construção; e estrangeiros lotam as dezenas de salas de exposição dedicados a esse capítulo recente do país.
Na Alemanha, eles chamam de ostalgia (referência à palavra “ost” que, em português, significa “leste”). Em bom português, seria algo como lestalgia.
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Seja em qual for o idioma, a expressão se refere a um sentimento que remete à época em que a Alemanha esteve dividida por um muro, durante 28 (longos) anos. Em outras palavras, “nostalgia do Leste”.
No passado, o Muro de Berlim foi símbolo da divisão de um país que, atônito e com imaginação insuficiente para fantasiar o que viria pela frente, viu-se sob os interesses de líderes que pretendiam protagonizar o domínio da Europa.
Nem que para isso fosse necessário plantar um muro bem na porta da casa daquela gente.
O início
No final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista de Adolf Hitler estava em ruínas e dividida em zonas de ocupação administradas pelos Países Aliados vencedores da Segunda Guerra.
De um lado, os soviéticos tomavam Berlim como espólio de guerra e começavam a transformá-la em uma espécie de satélite do comunismo. Do outro, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha se ocupavam do lado ocidental capitalista.
Nas palavras do escritor Ignácio de Loyola Brandão, em seu ‘O Verde violentou o muro’ (1984), “cada um reconstituiu a sua maneira. Um lado implantou a sociedade socialista, o outro adotou o american way of life, com investimentos vultuosos e artificiais.”
O Muro de Berlim, até então sem concreto ou vergalhões, começava a ter seus primeiros arrimos erguidos por uma ditadura estabelecida pelo SED (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands), o Partido Socialista Unificado da Alemanha, o único no poder.
Para evitar a contaminação do vizinho ocidental, a União Soviética dava início a uma série de ações que isolavam a Alemanha Oriental do resto do mundo não comunista.
Em 1952, o SED bloqueou passagens terrestres para a Alemanha Ocidental de modo a forçar a saída dos Aliados; documentos de identidade passaram a ser, rigorosamente, checados nas ruas; em outubro de 1949, cinco meses depois da criação da República Federal da Alemanha (RFA), responsável pela Alemanha Ocidental, foi fundada também a República Democrática Alemã (RDA) ou, em alemão, Deutsche Demokratische Republik (DDR), cuja capital era Berlim.
Quatro anos depois, Stalin dava ordens para que Walter Ulbricht, líder comunista da Alemanha Oriental e responsável pela construção do futuro Muro, colocasse seus homens na fronteira, a fim de controlar os acessos entre o Oriente e o Ocidente.
A única fronteira aberta até aquele momento era Berlim, dividida entre soviéticos e ocidentais.
Segundo dados divulgados pelo Mauer Museum, em Berlim, quase três milhões de pessoas aproveitaram essa brecha para deixarem suas casas e seguirem para o setor ocidental do país, via Berlim, entre 1949 e 1961.
Enquanto a vizinha República Federal da Alemanha (RFA) se fortalecia com a chegada de fazendeiros e homens qualificados que passaram a contribuir para a ascensão econômica da Alemanha Ocidental dos aliados, o lado comunista enfraquecia com o desaparecimento de sua população.
Essa foi a intrigante frase do líder comunista Ulbricht, em uma coletiva de imprensa, em 1961, quando uma jornalista o questionou sobre como seria a nova fronteira nacional, vítima de um golpe de traição do próprio inconsciente que anunciava o que viria pela frente.
Dois meses depois, Berlim amanhecia, em um domingo de verão, cercada por rolos de arames farpados e dezenas de cruzamentos bloqueados, entre as Alemanhas Oriental e Ocidental.
Nas semanas seguintes, torres de observação, obstáculos para bloquear veículos e um muro provisório começaram a ser erguidos.
Construções eram derrubadas para dar lugar a novas faixas de isolamento, edifícios que ficavam ao lado das fronteiras eram lacradas com cimentos, enquanto os moradores dos apartamentos orientais vizinhos pulavam de suas janelas para a rua, já em território ocidental.
Uma das cenas mais marcantes da época são as de residentes da rua Bernauer que tinham seus corpos puxados, simultaneamente, por policias orientais que tentavam colocá-los de volta no interior do prédio e por ocidentais na rua que insistiam em trazê-los para o mundo de liberdade.
Outros métodos de resgate, como cordas e lonas de bombeiros ocidentais, eram usados também para retirar berlinenses daqueles prédios que acabariam se transformando em fronteira.
Berlim Ocidental passava a ser então uma ilha capitalista rodeada por um mar socialista.
As fugas
Para os alemães isolados, a solução para uma vida melhor era cruzar, ilegalmente, aquela barreira ideológica e política, erguida em forma de muro.
Uma das imagens mais populares é a foto do cabo Conrad Schumann, responsável pelo controle em uma das fronteiras entre os dois estados alemães, na Bernauer Strasse, uma das ruas mais icônicas da época.
Em 15 de agosto de 1961, em um ponto onde apenas uma barreira feita com arame farpado separava o país, Schumann se via tentado pelos chamados insistentes de policiais da Berlim Ocidental do outro lado da barreira de estrutura ainda frágil.
Schumann largou sua submetralhadora automática no chão, saltou sobre o arame farpado e entrou correndo no interior do carro policial que já estava com o motor em funcionamento, à sua espera.
Conhecido como o primeiro desertor do sistema comunista da Alemanha Oriental, o cabo teve seu salto eternizado pelo jovem repórter Peter Leibing, uma das imagens famosas da Guerra Fria.
Como lembra o escritor Ignácio de Loyola Brandão, Hans Conrad Schuman acabaria se tornado um símbolo da Guerra Fria, sob o título que lhe seria impresso em sua biografia: “escolheu a liberdade”.
Liberdade = criatividade
Segundo a Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, mais de três mil pessoas foram presas, entre agosto e dezembro de 1961, ao tentarem cruzar a fronteira, ilegalmente.
E valia qualquer coisa para conseguir a liberdade.
Uniformes militares caseiros feitos com material contrabandeado serviram de disfarce em uma fuga de 1962; malas interconectadas com interior prolongado que servia de refúgio para a noiva de um francês, em 1971; e até via aéreas foram usadas por famílias, como os Streizyk e Wetzel que fugiram em um balão caseiro de ar quente, em 1979.
Outras alternativas davam esperanças a quem queria deixar a cidade, como a falsificação de passaportes estrangeiros que permitiam cruzar a fronteira para o Ocidente, serviço organizado por estudantes e com uma certa conivência não oficial de autoridades também ocidentais.
Atualmente, aparatos de fuga se encontram em exposição no Mauer Museum, museu de Berlim com acervo dedicado ao Muro, como a fuga de 29 pessoas, entre 1971 e 1973, no interior de uma máquina de solda de 260 quilos, cujas extremidades eram protegidas por uma placa elétrica, de um lado, e cabos, do outro, impedindo que os refugiados fossem vistos em seu interior.
Novos esquemas começaram a surgir nos anos seguintes como as fugas pela rede subterrânea de esgoto em Berlim que, por vezes, foram descobertas por conta do rastro deixado pelo cheiro do bueiro impregnado nas roupas dos fugitivos.
A partir de 1962, túneis sob o solo arenoso de Berlim foram construídos e, dois anos mais tarde, mais de 70 deles eram usados para fugas em direção à Alemanha Ocidental, como o famoso Túnel 29, localizado sob o número 78 da rua Bernauer. Sob as orientações de dois italianos da Universidade Livre da Alemanha Ocidental (Mimmo e Gigi), o túnel foi feito com a ajuda de 41 voluntários e facilitou a fuga de 29 pessoas, em duas noites de operação, em setembro de 1962.
A construção só seria descoberta pela Stasi, dias mais tarde, quando o rompimento da tubulação alagaria o túnel e a esperança daquela gente em seguir escapando para o Ocidente.
Curiosamente, as escavações eram financiadas por meios de comunicação interessados em notícia e fotos exclusivas como a revista semanal alemã Stern e a rede americana NBC que chegou a oferecer transmissores de rádio e adiantou 50 mil marcos alemães para a construção do Túnel 29, em troca da cobertura jornalística.
Outra famosa passagem ilegal da época foi o Túnel 57, conhecido também como Túnel Fuchs. O idealizador Wolfgang Fuchs e estudantes voluntários construíram uma passagem subterrânea com 145 metros de comprimento e 70 centímetros de altura por onde 57 pessoas conseguiram fugir para o oeste, entre os dias 3 e 5 de outubro de 1964.
Na noite do mesmo dia cinco, o túnel seria invadido por dois homens que se passaram por fugitivos e, ao deixarem o local para buscar um suposto amigo que os esperava do lado de fora do túnel, retornaram com policiais de fronteira (os Grepos), dando início a um tiroteio histórico que tiraria a vida do soldado oriental, Ergon Schulz.
Por conta desses últimos acontecimentos fatais, acompanhados de uma certa desconfiança geral sobre possíveis desvios do dinheiro doado pelos meios de comunicação, a era dos túneis se encerrava naquele início de outubro de 1964.
Segundo o historiador Frederick Taylor, o Túnel 57 teria sido “o último projeto de fuga sem fins lucrativos, no qual nada se cobrou dos fugitivos”. Daquele momento em diante, “cobrava-se em dinheiro vivo, que de bom grado era pago”.
E fez-se a 1ª vítima
O jovem alfaiate Günter Litfin é considerado o primeiro fugitivo morto pela polícia de fronteira, em 1961. Günter foi assassinado ao tentar fugir pelo rio Spree, após uma abordagem de um policial da TraPos, como era conhecida a Transportpolizei.
Juergen Litfin, seu irmão mais novo, encabeça até hoje uma emocionante visita ao Gedenkstätte Günter Litfin, memorial em homenagem a Günter, no alto de uma antiga torre de observação, em Spandau, distrito de Berlim. A construção é considerada uma das únicas originais da época.
A icônica Bernauer Strasse é endereço, atualmente, da Janela da Memória, uma sequência de fotos que homenageia mortos e feridos que tentaram cruzar as fronteiras; e a Capela da Reconciliação, uma construção de taipa oval com um revestimento de ripas de madeira que celebra missas em nome dos mortos.
O muro em números
Os fugitivos estavam cada vez mais ousados. E as fronteiras também.
– O Muro de Berlim teve versões que chegaram a 3,6 metros de altura, mais largo e com o topo arredondado para evitar novas evasões;
– Segundo números oficiais, os 28 anos de separação alemã causaram 138 mortos (100 tentando deixar a Alemanha Oriental; 30, acidentalmente; e 8, eram soldados orientais assassinados por desertores, fugitivos ou até companheiros de trabalho);
– Atualmente, o Bautzner Straße Memorial, em Dresden, funciona em um dos endereços mais temidos da época: as dependências da Stasi, penitenciária que chegou a abrigar de uma só vez 432 presos, ao longo de 4 andares, 44 celas minúsculas com rara ventilação, sob um sistema de reclusão que durava quatro meses, aproximadamente. Calcula-se que por ali passaram, entre 1954 e 1989, de doze a quinze mil detentos;
– Em 1989, o Muro de Berlim se estendia por 155 km e era reforçado com 302 guaritas, 20 bunkers, 259 áreas para cães, mais de 105 km de trincheiras anti-veículo e quase 130 km de cerca elétrica;
– Com 368 metros de altura, inaugurada pouco antes do 20º aniversário da fundação da República Democrática Alemã, em 3 de outubro de 1969, a Torre de Televisão de Berlim foi erguida na Alemanha Oriental para mostrar seu poder para o resto do mundo, funcionando como torre de telecomunicações da RDA.
A temida prisão de Dresden
Em Dresden é possível visitar um dos poucos monumentos penitenciários da época a ser preservado em toda a Saxônia e guarda um dos capítulos mais cruéis da história do Muro, onde eram realizados interrogatórios e prisões preventivas de fugitivos de Dresden e de países satélites como a Checoslováquia.
O Stasi Haft Dresden, que hoje abriga o emocionante Bautzner Straße Memorial, passou a ser administrado por militares após a invasão soviética de Dresden, em 1945, e abrigou também o Serviço de Inteligência da União Soviética, cujas salas dos andares superiores eram usadas para reuniões do tribunal militar.
Os interrogatórios tinham caráter persuasivo, em que se tentava convencer os encarcerados de que a cooperação seria a melhor forma de reduzir suas penas.
Nos anos 60, a violência física foi extinta dos interrogatórios com o objetivo de preservar a imagem da RDA, substituída por outros métodos de pressão como os longos questionamentos noturnos, tortura psicológica ou chantagens.
O local contava também com informantes de cela, homens que cooperavam com a Stasi, representando 14% da população carcerária, segundo números oficiais.
E a rotina era da forma mais cruel possível: banhos de ducha apenas uma vez por semana, cartas escritas para os familiares dos detidos eram lidas (e censuradas, se fosse o caso) antes de serem enviadas a seus destinatários, e falar, cantar em voz alta ou contatos verbais com outros presos também estavam proibidos.
A queda
População descontente, prisões lotadas, escassez de produtos, falta de energia e um estado falido eram os primeiros sinais de que o fim do muro e daquele sistema político perverso estavam próximos.
A falsa aparência de um estado bem-sucedido já não conseguia ser mantida (nem entre os próprios orientais e muito menos para o mundo exterior).
Para se ter uma ideia, o número de emissões de autorizações para deixar a Alemanha Oriental pulou de 30 mil, em 1984, para 112 mil, em 1987, um movimento que teve início após a histórica conferência que aconteceu em 1975, em Helsinki, na Finlândia, na qual os líderes orientais davam sinais de abertura para a livre circulação da população.
Diante dessa realidade, Leipzig fazia uma revolução, a Revolução Silenciosa
Desde 1982, essa cidade no estado da Saxônia assistia a manifestações sem violência, na Nikolaikirche (Igreja de São Nicolau, em português).
No dia 9 de outubro de 1989, um mês antes da queda do Muro, 70 mil pessoas saíram às ruas da cidade, com velas nas mãos para protestar contra a ditadura imposta em toda a Alemanha.
A Alemanha presenciava, pela primeira na história do país, uma manifestação de proporções únicas. O Muro de Berlim chegaria ao fim de forma tão inesperada quanto a sua construção, 28 anos antes.
Na tarde do dia 9 de novembro de 1989, Günter Schabowskim, membro do comitê máximo do Partido Comunista, se encontrava em uma coletiva de imprensa na Alemanha Oriental quando começou a ler, pausadamente, um papel que continha um conteúdo desconhecido pelo próprio Schabowskim. Anunciava, entre uma série de medidas, a revogação da lei de 1988 que proibia viagens para fora da Alemanha Oriental, assim como a ordem de agilizar os pedidos de permissões de saídas e a abertura das fronteiras entre a RDA e a RFA.
“Quando entra em vigor?” – um jornalista questiona.
Schabowskim volta-se para seu emaranhado de papéis e devolve, em seguida: “Pelo que entendi, imediatamente”.
Às 20 horas daquela longa noite histórica, os jornais já anunciavam que a Alemanha Oriental acabara de abrir suas fronteiras. Não demoraria para alemães começarem a se dirigir a postos fronteiriços.
Pouco depois da meia-noite, todas as fronteiras se encontravam abertas e o mundo comunista nunca mais seria o mesmo.