Brasileiros contam como foi visitar Chernobyl, palco do pior desastre nuclear da história

Relato por Ricardo Maluf, do programa “Destino Incomum”

Chernobyl, que fica a cerca de 120 km de Kiev, na Ucrânia, sempre foi um local que nos interessou e instigou nossa curiosidade. Um pouco por ser uma cidade ­fantasma, um pouco para ver a natureza vencer a batalha contra a destruição causada pelo homem mas, principalmente, para vermos os efeitos de um desastre de tal magnitude ao vivo. Conversamos bastante a respeito e decidimos que este seria o local ideal para lançarmos o programa “Destino Incomum”, projeto de viagem para locais inusitados.

 
 

Nossos preparativos começaram cerca de um mês e meio antes da viagem, com a pesquisa das empresas que oferecem o tour por Chernobyl e Pripyat, e acabamos optando pela que oferecia um tour de 2 dias, que nos garantiu mais tempo visitando cada local. Entramos em contato e agendamos para meados de novembro, uma época que não estaria tão frio, e que ainda assim pegaríamos dias bucólicos, condizentes com o ambiente. No agendamento não há pagamento de taxa alguma, nem o tradicional 10%, é tudo na base da confiança de que, se você reservou com antecedência, para um local como esse, é porque tem interesse em ir. Eles pedem, posteriormente, alguns dados, como data de nascimento, número de passaporte, nacionalidade, etc, pois são necessários diversos documentos e autorizações para se entrar na zona de exclusão.

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Os amigos Henrique Mendel e Ricardo Maluf em frente ao prédio do reator 4 de Chernobyl[/img]

Diferente do que muitos acreditam, a cidade de Chernobyl não é completamente deserta –apesar do assustador silêncio que observamos. Lá habitam cerca de 500 pessoas (oficialmente e legalmente, fora os que voltaram para suas casas por conta própria), a maioria funcionários do governo e que estão diretamente envolvidos com a construção do novo sarcófago. Ou com o turismo, pois há até um hotel, onde passamos a noite. Talvez pela distância da usina, cerca de 20 km, existe a possibilidade destas pessoas morarem ali sem complicações imediatas.

Nossa primeira parada foi em um monumento em homenagem às vítimas, que fica em uma praça onde estão as placas com os nomes de todos os mais de 100 vilarejos que foram desocupados dentro da zona de exclusão. No total cerca de 150.000 pessoas foram desalojadas. Ainda paramos em outros locais menos interessantes, como um cemitério de máquinas e no pórtico de entrada da cidade, antes de nos dirigirmos para os locais mais assustadores, exatamente o que queríamos ver.

Prédio onde antes funcionava um jardim de infância em Chernobyl[/img]

Na sequência visitamos a torre de resfriamento do reator número 5, cuja obra de construção foi abandonada quando estava a cerca de 85% concluída. A usina contava com quatro reatores ativos e mais dois estavam sendo construídos no dia em que o reator de número 4 explodiu. Sempre tivemos curiosidade de saber o que há dentro daquelas icônicas torres redondas e, pelo menos dentro dessa, não havia grandes coisas. Alguma tubulação, lixo, uma ossada de algum bicho e eco, muito eco. Qualquer palavra falada um pouco mais alto ficava ecoando por quase 15 segundos… Uma experiência muito diferente e divertida.

Passamos ainda por diversos locais interessantes, até que entramos no Centro Cultural de Chernobyl. A cidade, fundada há cerca de 800 anos atrás, possuía um local cultural com quadras esportivas, auditório, biblioteca e espaço para eventos, com mais de 3 andares e que hoje está reduzido à caliça, cacos de vidro e milhares de livros espalhados pelo chão. A riqueza cultural que lá prosperava ainda pode ser vista e sentida, mesmo depois de quase 30 anos de abandono.

À medida que as horas iam passando, começamos uma verdadeira corrida contra o tempo, a fim de vermos a maior quantidade de instalações e coisas antes de anoitecer –que neste dia foi por volta de 15h30 (11h30 no horário de Brasília). Já estava quase escuro quando entramos no antigo hospital da cidade, provavelmente a experiência mais perigosa do primeiro dia. Já prevendo a escuridão levamos uma luz portátil, que ajudou a nos guiar pelos corredores escuros e tapados de vidro quebrado, lâmpadas, armários abandonados, equipamentos, elevadores sem portas etc. Por onde olhávamos víamos frascos com comprimidos, ampolas com líquidos, seringas, prontuários, macas, berços, cadeiras, documentos etc., inclusive a escala de atendimento dos funcionários de determinada ala, que permaneceu fixada na parede.

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Prédio do reator 4 de Chernobyl[/img]

O dia seguinte começou com uma parada para tirarmos fotos, à distância, do reator 4. De lá pegamos um desvio e fomos conhecer Chernobyl­2, um local que não existe. Pelo menos oficialmente nunca existiu, pois é o local onde fica a instalação militar de Duga, um gigantesco radar de horizonte. Com cerca de 600 metros de extensão e 90m de altura, a estrutura foi construída para detectar o lançamento de mísseis balísticos intercontinentais, durante a Guerra Fria, cujo alvo seria Moscou.

Apesar de ser “secreto”, todos na região sabiam de sua existência (e inclusive se orgulhavam do mesmo), pois é visível a dezenas de quilômetros de distância. Passamos cerca de 2 horas explorando as estruturas, corredores, salas de controle e demais instalações. É algo tão descomunal que eram necessários aproximadamente 1.000 soldados para operar e manter a estrutura funcionando. A fonte de energia para alimentar o radar era, nada mais nada menos, que o reator número 1 da usina, que funcionava única e exclusivamente para manter o radar ativo.

O custo de construção de tal estrutura foi duas vezes o valor investido na construção da própria usina (sim, o complexo dos 4 reatores). E isso em uma época em que o Rublo equivalia ao dólar. Há duas teorias populares para explicar o acidente nuclear: erro humano e erro de projeto. Já uma terceira teoria, um pouco mais conspiratória, supõe­se que foi sabotagem –a fim de cortar o suprimento de energia do radar. Se pensarmos em todas as “missões secretas” que já vieram a público, ordenadas pelos EUA, considerando aquele momento específico de guerra fria, até que se torna uma teoria plausível.

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Centenas de máscaras de gás espalhadas por uma das salas da escola Pripyat; local serviu de gravação do clipe da música “Marooned”, do Pink Floyd[/img]

Outro ponto alto do tour foi a visita à escola da Pripyat. Cenário de algumas cenas do belíssimo clipe “Marooned”, do Pink Floyd, também é o local onde estão espalhadas pelo chão centenas de máscaras de gás. Perguntamos qual a razão de haver tantas máscaras em determinado local, e a explicação é bem mais simples do que imaginávamos: as máscaras não estão lá em função do vazamento radioativo, mas sim porque as crianças tinham aulas de como reagir em caso de guerra química. As menores aprendiam técnicas básicas de sobrevivência na selva, enquanto as maiores tinham, inclusive, aulas de tiro com fuzis AK­47, na escola.

Na última parada do tour o guia foi bem enfático, ao dizer que poderíamos ficar por apenas 10 minutos, sem exceções. Paramos a cerca de 150 metros do reator, o ponto mais próximo que qualquer pessoa (que não esteja trabalhando na usina, é claro) pode chegar. A radiação neste ponto é de cerca de 10 vezes a que medimos na cidade de Chernobyl e aproximadamente 40 à 50 vezes a normal que estamos expostos no dia ­a ­dia. Definitivamente, aquele não era um bom momento para contrariarmos tais instruções.

Esta visita à Chernobyl cumpriu, com certeza, com todas as expectativas que tínhamos, de ver pessoalmente algo completamente diferente, belo e amedrontador. Ainda levará muito tempo até a região voltar a ser habitável, por humanos ou fauna silvestre, mas enquanto isso não acontece, a natureza persiste em superar este trauma cobrindo com vegetação o cimento do passado.

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